- O Estado de S. Paulo
Apesar de moderno, plano Lula ignora a infância no documento de mais de 200 páginas
Há um ano o PT anunciou o “Plano Lula para o Brasil”, que seria
elaborado ao longo de 2020 como um conjunto de propostas para o País.
A partir do final do ano, o que foi formalmente chamado de “Plano de
Reconstrução e Transformação do Brasil” foi apresentado em lives com o
ex-presidente Lula. De lá pra cá Lula ficou elegível e disparou nas intenções
de voto para 2022. Se é cedo para especular planos de governo, o Plano Lula é o
documento que melhor se aproxima de um: passados mais de dez anos desde que
saiu do governo, que ideias norteariam um novo governo Lula? O que é novo? E
velho?
Há um bom número de propostas com a cara de
millennials no documentado elaborado pelo que parece uma oxigenada Fundação Perseu Abramo – braço do partido que está sob
nova direção. Há protagonismo para a mudança climática: estão ali propostas por
um New Deal Verde e a tributação do carbono – um tema atual, mas
esquecido nas atuais discussões da reforma tributária.
Também se defende taxar álcool, açúcares e gordura. É uma simpática lembrança dos hiatos entre a tecnocracia e os políticos: Lula tem prometido churrasco e cerveja quando critica os preços atuais. Os técnicos querem mais tributos para o carbono do boi, sua carne e os componentes da bebida (frise-se que as propostas estão em linha com o que tem se praticado em países desenvolvidos).
Ainda na área de tributação, o Plano Lula
prevê uma bem-vinda reforma tributária focada sobre renda e patrimônio dos
ricos. Propõe-se medidas que infelizmente não foram tomadas nos governos do
partido: a fatia da renda nacional detida pelo 1% mais rico teria até chegado a
um pico no final do governo Lula.
Outro tema em que há avanço é o da política
industrial, que parece ter incorporado o conceito de complexidade – campo novo
da economia que promete orientar a escolha sobre quais setores de um território
devem ser estimulados.
Havendo critérios empíricos para
identificar que setores mais geram riqueza e como uma estrutura produtiva pode
chegar lá, a discricionariedade na distribuição de recursos públicos seria
superada. Imune a Joesleys, digamos. O interessante estudo do economista Felipe
Machado mostra que uma política industrial voltada para
complexidade não levaria às escolhas feitas nos governos do PT.
O Plano Lula promete fazer, mas também
desfazer. Promete revogar o teto de gastos e dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal, mas substituindo-os por uma
nova regra.
Não se fala em revogar nada da reforma da Previdência, o que é coerente com as reformas
estaduais dos governadores do partido. Há também defesa de “uma” reforma
administrativa para tornar os serviços públicos mais eficientes.
Quanto à reforma trabalhista, defende a
revogação apenas de pontos. Não é difícil encontrar falas do Lula presidente de
que é melhor algum emprego a nenhum emprego, flexibilidade defendida
especialmente para jovens. Foi no governo Lula que o País fez o que na prática
foi uma significativa reforma trabalhista: a criação do Microempreendedor
Individual (MEI), mecanismo de formalização ampliado em Dilma.
Há muitíssimo mais brasileiros no MEI do que nas modalidades novas criadas pela
reforma – judicializada – de 2017.
E de velho, datado, “cringe” (gíria em
inglês para indicar “vergonha alheia”)? Apesar da defesa de uma ótima e
vigorosa expansão do Bolsa Família,
o documento ignora a área onde a ciência mais moderna tem apontado que as
políticas redistributivas devem focar: a infância. Crianças são ignoradas no
documento de mais de 200 páginas. Nem creches recebem atenção, enquanto abundam
as discussões sobre ensino superior.
A ciência mais atual também é deixada de
lado no debate sobre cidades, que prefere a defesa do Minha Casa Minha Vida e chavões contra especulação
imobiliária. Estudos têm mostrado o potencial inclusivo de adensar grandes
cidades – em benefício também do meio ambiente.
O mais “cringe”, porém, é a teimosa defesa
de uma Constituinte. Muito citado, mas pouco lido, o famoso editorial Uma escolha muito difícil criticava
exatamente essa proposta, quando ela ainda constava do plano de governo de
Haddad no 2.º turno de 2018.
*Doutor em economia
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