- O Estado de S. Paulo
Parte do mundo pode experimentar algo próximo do normal, mas Brasil não está incluso
A vacinação é a forma mais rápida, mais
eficaz e menos custosa de diminuir a contaminação, reduzir o número de mortes e
promover a retomada da economia. A isso, finalmente, até os negacionistas (de
hoje ou de outrora) se renderam. Muito nos custa ainda essa longa via de
convergência, mas aqui estamos.
Países onde a vacinação foi prioridade
nacional, como Israel, Reino Unido ou
os Estados Unidos de Joe Biden e Kamala Harris,
já experimentam a volta à normalidade. Com a maior parte da população-alvo
vacinada, não é de se surpreender que os índices econômicos reajam rapidamente
e as perspectivas revertam o movimento de queda obstinada observado nesses
longos meses de pandemia. Junte-se a isso a perspectiva de retomada integral
das atividades escolares no próximo semestre e a contenção na escalada dos
problemas de saúde mental observados nos últimos meses. Tem-se a sensação de
que parte do mundo pode, finalmente, experimentar algo próximo do normal.
Mas esse mundo não contém o Brasil, ao menos não por ora. Apesar de termos um dos sistemas mais eficientes de vacinação do mundo, a escassez de vacinas – só explicada pela desídia do governo federal em investir nesse caminho – responde pela lentidão e relativa timidez da nossa recuperação. Há mais o que fazer mesmo na escassez, como bem mostrou Daniel Leischsenring em recente artigo no Brazil Journal. Segundo cálculos do autor, tivemos uma redução de 32% no ritmo de vacinação em maio, se comparado ao pico de abril, apesar de uma disponibilidade de vacinas que nos permitiria dobrar o ritmo atual.
A queda no ritmo se explica pela
interrupção da regra de vacinação por idade e a priorização de grupos com
comorbidades. Como o número de pessoas nesses grupos é de difícil estimação,
estão sobrando vacinas nos postos enquanto a população geral espera ansiosa
pela sua vez. A retomada dos critérios de elegibilidade por idade, mesmo que
mantendo esses grupos de risco com lugar na fila prioritária, permitiria
redirecionar os estoques atuais levando-os aos braços da população brasileira
de forma mais rápida e eficaz. O efeito direto seria um maior número de
brasileiros vacinados e a aceleração da retomada econômica. Como efeito indireto
ainda reduziríamos os incentivos para o tradicional (e vergonhoso) jeitinho
brasileiro em que a meia entrada da vez passou a ser o atestado falso de
comorbidade.
A verdade é que as perspectivas
pós-imunização são de fato positivas. Ao menos no curto prazo e apesar dos
desafios estruturais – antigos e novos. É isso o que mostra o recente
relatório Renovando com Crescimento divulgado pelo Banco Mundial,
com análises sobre a América
Latina e o Caribe.
Ali fica claro que a região sofreu e sofre com a pandemia mais do que a média de
outros países em desenvolvimento, inclusive com número proporcional de mortes
que deverá ficar com a triste primeira colocação no mundo.
A retração econômica, medida pela queda
no Produto Interno Bruto (PIB) da região, deve mostrar uma
contração de 6,7%, número substancialmente maior do que aquele a ser observado
em outras regiões. Isso significa, pelos cálculos do Banco Mundial, a perda de
quase 10 anos de PIB per capita em apenas um ano. As taxas de desemprego e os
níveis de pobreza, mesmo parcial e temporariamente contidos pelos programas de
transferência de renda e manutenção de emprego, deverão se manter elevados até
que a recuperação econômica aconteça e se mantenha por algum tempo. Ou seja,
desemprego, retração econômica e queda na renda foram profundas, com impactos
duradouros que vão muito além do que é possível recuperar apenas com a esperada
aceleração no nível de atividade no curto prazo. Ainda assim, urge acelerarmos
esse processo, pois será ele o responsável pela reversão de tendência.
Além disso, fatores favoráveis como o
excesso de liquidez global; um novo (porém bem mais tímido) ciclo de aumento
nos preços de commodities; taxas de juros baixas e um mercado de capitais
ativo e crescentemente aquecido não estarão aí para sempre. Embora não
sustentem sozinhos um necessário ciclo de crescimento sustentável, devem ser
aproveitados enquanto estiverem presentes. Daí porque a prioridade deve ser,
acima de tudo, conter rápida e eficazmente a disseminação do vírus por meio da
aceleração da vacinação, hoje possível mesmo na escassez. Afinal, não temos
mais tempo a perder.
*Economista e sócia da consultoria Oliver Wyman.
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