- Valor Econômico
Queiroga admite crise de oxigênio em
Pernambuco
Está tudo fora da ordem mundial no combate
à pandemia. No momento em que os brasileiros voltam a se assustar com a falta
de oxigênio, o governo oferece o país como palco para um campeonato de futebol,
a esquerda ocupa as ruas após criticar apoiadores do governo pelo mesmo
comportamento, e o presidente da República aciona no Supremo Tribunal Federal
três governadores que tentam conter o avanço do vírus, quando é remota a oferta
de vacinas para todos.
São três movimentos inoportunos em uma
realidade em que o país não respira sem a ajuda de aparelhos, e os cientistas
alertam para uma terceira onda da pandemia que se avizinha. Não faz dois meses
desde o dia 4 de abril, quando o Brasil bateu o recorde de óbitos pela doença:
4.211 vítimas fatais em 24 horas.
Há cinco dias, 17 pacientes tiveram que ser transferidos às pressas do hospital público municipal de Lajedo, município de 40 mil habitantes na região agreste de Pernambuco, para não morrerem asfixiados. O episódio foi grave, e acendeu o sinal amarelo no Estado, que já está em “lockdown” parcial.
Somente dois dias após a remoção dos
pacientes, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, desembarcou em Pernambuco,
levado pelo colega de Esplanada, o ministro do Turismo, Gilson Machado, que é
pernambucano.
Nas redes sociais, Queiroga reconheceu a
“crise de abastecimento de oxigênio” em Pernambuco. Mas não comentou a decisão
de Bolsonaro de oferecer o país como sede da Copa América, em primeiro jogo
programado já para esta quinzena.
O desabastecimento de oxigênio em Lajedo na
última quinta-feira remonta, inevitavelmente, ao colapso do insumo que vitimou
pelo menos 31 pessoas em Manaus (AM), nos dias 14 e 15 de janeiro, e pelo qual
o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello teve de dar explicações aos senadores
da CPI da Covid. Para evitar mais mortes, aviões da Força Aérea Brasileira
(FAB) transportaram mais de 900 pacientes de Manaus para hospitais em todo o
país.
Políticos pernambucanos alertados para a
escalada da demanda por oxigênio nos municípios do agreste - região situada
entre o sertão e o litoral - viram no movimento de Queiroga uma “ação
preventiva”, caso a situação se agrave ainda mais, para evitar comparações com
seu antecessor.
A leitura entre esses políticos é de que
Queiroga não quer repetir Pazuello, que vem sendo questionado pela suposta
omissão em relação à capital amazonense.
Na quinta-feira, faltou oxigênio no
hospital público municipal de Lajedo, onde havia 23 pacientes de covid-19
internados. A Secretaria Estadual de Saúde foi acionada, e viabilizou a
transferência de 17 pacientes para hospitais de cidades vizinhas, como Caruaru,
São Bento do Una, Belo Jardim, Agrestina e Cachoeirinha.
Toda a região está com o comércio, escolas
e igrejas fechados, e apenas serviços essenciais funcionando por decreto do
governador Paulo Câmara (PSB) até 6 de junho. Esse decreto é um dos atos
questionados por Bolsonaro em ação no STF contra as medidas de restrição
adotadas para controlar a pandemia em Pernambuco, Rio Grande do Norte, e no
Paraná.
Um parlamentar pernambucano relatou à
coluna, alarmado, a aceleração da doença em Lajedo: em janeiro, havia 724 casos
de covid-19; o número subiu para 1.896 até ontem. A projeção para o fim de
junho é de 2.800 casos. No sábado, um comunicado oficial nas redes sociais da
Prefeitura de Lajedo informava que “a demanda está acima do limite de oxigênio
que recebemos diariamente”, e que “a falta de oxigênio atinge toda a região
agreste”.
Nem Queiroga nem o ministro do Turismo
comunicaram o governador Paulo Câmara sobre o périplo pela região, o que
evidencia a falta de sintonia entre governo federal e estadual no combate à
pandemia. Apenas o secretário estadual de Saúde, André Longo, foi informado da
presença das autoridades no Estado.
Em vídeo divulgado nas redes sociais,
Queiroga relatou visitas a hospitais e a uma fábrica de envasamento de oxigênio
em Cabo de Santo Agostinho, além de reuniões com prefeitos de Garanhuns e
Caruaru, municípios de referência da região, para discutir a crise de
abastecimento do insumo.
Por meio da assessoria, o ministro do
Turismo disse à coluna que o gargalo em Pernambucano “não está na produção de
oxigênio”. Segundo Machado, o principal distribuidor está com sua produção em
50%. Mas ele identificou a “possibilidade de escassez de cilindros para
abastecimento de cidades menores”.
O ministro do Turismo disse que entregou,
junto com Queiroga, “148 concentradores de oxigênio para o Estado, que fazem
parte do 5.100 comprados pelo governo federal para o Norte e Nordeste”.
Enfatizou que o governo está atento “para que essa situação não se agrave”.
Em paralelo, o governo de Pernambuco
divulgou que já enviou 149 concentradores de oxigênio para cidades
pernambucanas para evitar a falta do insumo: 99 aparelhos foram destinados para
29 municípios da região onde faltou o insumo.
O secretário de Saúde de Pernambuco, André
Longo, afirmou em entrevistas que a região de Lajedo vive o pior momento da
pandemia. Os indicadores epidemiológicos apontaram aumento de 35% de
solicitações de vagas em UTI em apenas uma semana, e de 55% nas últimas duas
semanas. O Estado inteiro notificou, no mesmo período, crescimento de 15% e 18%
nas solicitações, respectivamente.
É com esse pano de fundo, e em meio ao silêncio do ministro da Saúde, que o governador Paulo Câmara divulgou nota ontem afirmando que não autorizará partidas da Copa América no Estado. “Em um cenário com variantes do coronavírus, até mesmo ainda desconhecidas, não é razoável trazer essa competição para o Brasil, muito menos para Pernambuco, que também vive um momento difícil”, disse o secretário de Saúde. Na pandemia, o Brasil respira, mas em ar rarefeito.
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