terça-feira, 1 de junho de 2021

Carlos Melo* - O outro lado da rua surgiu na foto

- O Estado de S. Paulo

No delicado momento de pandemia, foi Jair Bolsonaro quem acionou o dispositivo das ruas. Insistiu em mostrar força e pouco caso com a Covid-19. Natural que cedo ou tarde o antibolsonarismo revidasse, na convicção de que mais letal que o vírus é a postura do presidente. A resistência explodiria inevitavelmente e retiraria o monopólio que ilusoriamente o bolsonarismo acreditava ter sobre o que chama de “povo”.

As jornadas do antibolsonarismo não devem parar por aí. Quem vacinado foi às ruas tende a repetir a dose; quem, sem a vacina, correu riscos continuará com a mesma disposição. E quem por falta de vacina se absteve, vacinado, pode aderir a novos protestos. A paisagem se alterou, o lado da Rua que faltava surgiu na foto.

Imagens aéreas sugerem que a rua oposicionista é maior que a governista – embora o extremismo possa contar com recursos espúrios, como a repressão policial. Ações como da PM de Pernambuco podem, paradoxalmente, potencializar o repúdio ao governo — como em 2013, quando uma jornalista foi igualmente baleada no olho, em São Paulo.

A aceleração da contaminação frearia o processo, mas o aumento de casos tampouco seria favorável ao governo. Também interesses eleitorais se colocam e há a quem a eventual queda de Bolsonaro em nada interesse. Mas lideranças do tipo já têm sido atropeladas e vão a reboque da indignação incontida de manifestantes.

Apostar na recuperação econômica é a bala de prata do governo. Resta saber em qual ritmo se daria e o que seria o efeito do desemprego e do recrudescimento da fome, a pouco mais de um ano da eleição. No momento, não há respostas. E, mesmo assim, restarão os mortos — que, infelizmente, não voltarão.

O potencial de piora é impressionante, eis agora a Copa América, no País. Na Colômbia, o evento que lá se realizaria já estimulou protestos; em 2013, a Copa das Confederações, no Brasil, foi explosiva. Difícil saber seus efeitos por aqui, mas positivo não será. O gás dos protestos, uma vez liberado, tende a se expandir.

*Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.

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