- O Estado de S. Paulo
No delicado momento de pandemia, foi Jair
Bolsonaro quem acionou o dispositivo das ruas. Insistiu em mostrar força e
pouco caso com a Covid-19. Natural que cedo ou tarde o antibolsonarismo
revidasse, na convicção de que mais letal que o vírus é a postura do
presidente. A resistência explodiria inevitavelmente e retiraria o monopólio
que ilusoriamente o bolsonarismo acreditava ter sobre o que chama de “povo”.
As jornadas do antibolsonarismo não devem parar por aí. Quem vacinado foi às ruas tende a repetir a dose; quem, sem a vacina, correu riscos continuará com a mesma disposição. E quem por falta de vacina se absteve, vacinado, pode aderir a novos protestos. A paisagem se alterou, o lado da Rua que faltava surgiu na foto.
Imagens aéreas sugerem que a rua
oposicionista é maior que a governista – embora o extremismo possa contar com
recursos espúrios, como a repressão policial. Ações como da PM de Pernambuco
podem, paradoxalmente, potencializar o repúdio ao governo — como em 2013, quando
uma jornalista foi igualmente baleada no olho, em São Paulo.
A aceleração da contaminação frearia o
processo, mas o aumento de casos tampouco seria favorável ao governo. Também
interesses eleitorais se colocam e há a quem a eventual queda de Bolsonaro em nada
interesse. Mas lideranças do tipo já têm sido atropeladas e vão a reboque da
indignação incontida de manifestantes.
Apostar na recuperação econômica é a bala
de prata do governo. Resta saber em qual ritmo se daria e o que seria o efeito
do desemprego e do recrudescimento da fome, a pouco mais de um ano da eleição.
No momento, não há respostas. E, mesmo assim, restarão os mortos — que,
infelizmente, não voltarão.
O potencial de piora é impressionante, eis
agora a Copa América, no País. Na Colômbia, o evento que lá se realizaria já
estimulou protestos; em 2013, a Copa das Confederações, no Brasil, foi
explosiva. Difícil saber seus efeitos por aqui, mas positivo não será. O gás
dos protestos, uma vez liberado, tende a se expandir.
*Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.
Nenhum comentário:
Postar um comentário