Valor Econômico
Enquanto petista administra placar,
presidente faz faltas em si mesmo
No futebol, “o craque é decisivo”, escreveu
Nelson Rodrigues. O time é indispensável, mas o que leva público ao estádio e
faz bilheteria é o craque. “No time de Pelé, só ele existe, o resto é
paisagem”, sentenciou.
Parafraseando o cronista, na política
nacional, até agora, dois políticos dominam a bola: os veteranos Luiz Inácio Lula
da Silva e Jair Bolsonaro.
Faltam 15 meses para as eleições, a
política é como nuvem e tudo pode mudar. Mas na partida de hoje, a terceira via
é paisagem.
A frase de Nelson Rodrigues sobre a importância
do craque aparece em uma crônica de 1966, na célebre coluna “À sombra das
chuteiras imortais”, na qual ele repercutiu uma entrevista do técnico alvinegro
Admildo Chirol, crítico das “estrelas solitárias do futebol”. Para Chirol, o
“personalismo” era inconcebível no futebol, que deveria ser marcado pelo
“coletivismo”.
Rebatendo Chirol, o cronista ponderou que, historicamente, o coletivo não empolga as multidões. “Ninguém admite uma fé sem Cristo, ou Buda, ou Alá, ou Maomé. Ou uma devoção sem o santo respectivo. Ou um exército sem napoleões... No futebol, a própria bola parece reconhecer Pelé ou Garrincha e só falta lamber-lhes os pés”, argumentou Nelson Rodrigues. Para o autor, o torcedor - e quiçá, o eleitor - exige o “mistério das grandes individualidades”.
A premissa rodriguiana vale para a política
nacional, historicamente marcada pelo culto a personalidades, como Getúlio
Vargas, Juscelino Kubitschek, Tancredo Neves, que nem chegou a tomar posse, mas
entrou para o imaginário afetivo do eleitor. Lula e Bolsonaro despontam como os
craques contemporâneos da política nacional, já que, segundo vários institutos
de pesquisas, detêm a maioria expressiva das intenções de votos para a disputa
presidencial.
Ainda na esteira da tese da individualidade
dos craques, é sintomático que o presidente da República, que quer a reeleição,
nem esteja filiado a um partido há meses, desde o rompimento com o PSL. Seu
partido é o “bolsonarismo”, que se contrapõe ao “lulismo”.
Desde que a pré-campanha esquentou, com
Lula em ascensão nas pesquisas e a terceira via ainda fazendo água, petistas e
aliados se dividem sobre a estratégia de jogo. A leitura predominante é de que
Lula está jogando parado, enquanto Bolsonaro comete faltas em si mesmo.
O presidente persiste no erro na condução
da pandemia, ao insistir no negacionismo das máscaras e na recomendação de
medicamentos sem eficácia contra a covid-19. Bolsonaro chuta as próprias
canelas ao proferir ataques quase diários a autoridades dos demais Poderes e às
instituições, como a Justiça Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal.
Há cerca de 15 dias, Lula ouviu de um
interlocutor que para chegar à eleição na liderança das pesquisas, deveria
simplesmente fazer o que já está fazendo: jogar parado.
“Eu disse a ele: o cavalinho está se
aproximando arreado, devagarinho, e vai passar na sua porta, pronto para o
senhor montar”, relatou à coluna este interlocutor de Lula. “Não faça nada”,
recomendou.
A exemplo de um meio-de-campo experiente,
Lula administra a vantagem de até 20 pontos, em alguns cenários de segundo
turno, sobre Bolsonaro. Cadencia o jogo. Não aceita provocações dos
adversários, evita as bolas divididas e não parte desesperado para o ataque,
para não sofrer um contra-ataque fatal aos 45 do segundo tempo.
É um estilo de jogo que nem sempre enche os
olhos da torcida, mas que tem se mostrado eficiente para prolongar o placar
elástico sobre Bolsonaro. Lula joga parado, como se dissesse, fiel à velha
máxima futebolística: “quem corre é a bola” (ou os adversários, no caso).
O estilo cauteloso vai se repetir na viagem
ao Nordeste, remarcada para a primeira quinzena de agosto. Lula visitará seis
Estados: Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí e Maranhão. Fará
poucas agendas, fechadas, ou restritas a um público pequeno, no protocolo da
pandemia. Além de se reunir com lideranças locais, estão previstos compromissos
pontuais, como visitas a escolas, ou alguma obra relevante, que seja
cartão-postal do governador aliado.
Há no PT, entretanto, quem discorde desse
modelo de jogo e cobre mais movimentos de Lula. “Quem joga parado, no futebol,
precisa distribuir o jogo. Ou seja, colocar o time em movimento para chegar ao
gol”, argumenta um decano do PT.
Para este petista, “é tempo de organizar a
equipe, definir as posições de cada um e partir para o ataque”. Alerta para o
risco de se restringirem à “visão romântica do diálogo”, prática de eleições
passadas, num cenário de vale-tudo eleitoral.
Este petista acredita que o momento urge
porque “o adversário, temporariamente enfraquecido, tenta reorganizar-se e
alterar a tática”. De fato, Bolsonaro num momento de derretimento nas
pesquisas, reorganizou o time e deve colocar o seu camisa 10, o senador Ciro
Nogueira (Progressistas-PI), na Casa Civil.
O vice-presidente nacional do PT e um dos
organizadores da viagem de Lula ao Nordeste, deputado José Guimarães (CE),
reclamou dos “intérpretes do pensamento alheio” dentro do partido e afirmou à
coluna que o ritmo de Lula nessa etapa de pré-campanha está calibrado.
“Lula não está discutindo eleição, está
preocupado com os problemas do país”, afirmou o dirigente petista. Segundo
Guimarães, nas reuniões que fará durante a viagem pelos seis Estados
nordestinos, Lula quer retomar a agenda de desenvolvimento regional, discutir a
fome que voltou a se alastrar e denunciar a escassez de vacinas contra a
covid-19, cujo estoque esgotou-se em várias capitais.
Para Guimarães, a metáfora que se aplica ao
jogo eleitoral não é futebolística, é musical. “O ritmo do Lula é a pisadinha
democrática, com diálogo e mantendo a liderança da frente ampla contra
Bolsonaro”.
“Pisadinha” é o novo forró, o ritmo mais
popular, que arrebatou o nordestino nos últimos tempos. Dança ou futebol, a
verdade é que a metáfora não importa. Porque jogador que é bom de drible, faz o
rival dançar em campo.
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