Valor Econômico
Não há um retrato mais claro da crise
enfrentada pelo país do que as 550 mil mortes na pandemia
A esperança por tempos melhores tem
arrefecido no país. A descrença está provavelmente associada aos enormes
obstáculos estruturais que, muitas vezes, parecem insuperáveis: péssima
distribuição de renda; baixa qualidade da educação; violência disseminada;
conflitos raciais mascarados; poucas oportunidades para os mais desfavorecidos;
Judiciário ineficiente; orçamento público capturado pelos grupos de interesse
mais poderosos e, portanto, direcionado para a elite; política comercial
protecionista; código tributário muito complexo e repleto de distorções; entre
muitos outros.
Os desafios para a economia doméstica não
estão associados apenas às restrições estruturais. Há um número enorme de
questões específicas que tornam ainda mais difícil vencer as barreiras à
elevação do crescimento sustentável, entre as quais:
Não há um retrato mais claro da crise enfrentada pelo país do que as 550 mil mortes na pandemia. O presidente Bolsonaro assumiu um comportamento negacionista, desrespeitando as orientações dos organismos de saúde locais e internacionais e, principalmente, oferecendo péssimo exemplo para a população. As fotografias do presidente caminhando sem máscara, inclusive no corredor de um hospital, mostra certa insensibilidade com as famílias dos brasileiros abatidos pela covid-19.
As políticas ambientais do governo têm
afastado o Brasil do núcleo dos fóruns internacionais, prejudicando a
consolidação de acordos, inclusive comerciais. Isso também afasta o interesse
de investidores globais e, consequentemente, reduz as perspectivas de
investimentos externos.
A construção das propostas econômicas
despreza a busca de consenso antecipado junto aos líderes da base aliada,
dificultando o controle do governo sobre o teor e a tramitação das propostas no
Congresso. A falta de coordenação política do Executivo, em um ambiente de
animosidade entre Poderes, dificulta essa tramitação e reduz as perspectivas de
aprovação das reformas necessárias para melhorar as condições de negócios no
país. A Reforma Tributária é um exemplo, pois o seu teor já foi completamente
alterado pelo relator da proposta na Câmara dos Deputados.
A discussão sobre mudanças das regras
eleitorais para 2022, com a instituição, por exemplo, da federação de partidos,
estimula a sobrevivência de agremiações com baixa representatividade no
Congresso. Isso dificulta a construção de consenso para aprovação de projetos
importantes. As supostas manifestações do presidente e de representantes das
Forças Armadas sobre o risco para as eleições no caso de não aprovação do voto
impresso acrescentam incerteza institucional, ampliando questionamentos sobre a
solidez do regime democrático.
As concessões de benefícios para diversos
setores e regiões, inicialmente temporárias, criam privilégios de difícil
reversão. Poucas são as renúncias tributárias capazes de comprovar que seus
benefícios são maiores do que os custos para a sociedade. Os grupos de
interesse são, em geral, muito influentes e têm evitado a redução de seus
privilégios. A rejeição dos grupos afetados por propostas de elevação da sua
carga tributária é natural, mas não pode ser a tônica para o debate sobre como
tornar o sistema tributário menos regressivo. O apropriado seria reduzir a
tributação dos menos favorecidos, com corte de gastos ineficazes. Essa redução,
porém, tem pouca ressonância no Congresso, com a sociedade ausente da discussão
sobre a concessão de vantagens excessivas.
O aumento dos recursos destinados às
emendas do relator nos orçamentos federais de 2021 e, provavelmente, de 2022
indica baixa transparência, alocação ineficiente dos gastos e risco de
malversação de recursos públicos escassos. A decisão do Congresso de destinar
R$ 5,7 bilhões para o fundo eleitoral - 15% dos recursos do Bolsa Família e
300% acima do fundo das eleições passadas - atesta a crise generalizada que
afeta o país.
A captura do Estado pelos funcionários
públicos é comprovada, por exemplo, pela garantia de emprego sem nenhuma
contrapartida relevante e a manutenção da paridade e proporcionalidade para os
atuais servidores, aposentados e pensionistas. Os cargos incorporam métricas de
avaliação pouco efetivas e muitas restrições à seleção de profissionais por
tempo limitado. Os benefícios dos servidores são muito superiores aos dos
empregados do setor privado, ainda mais em um momento em que há cerca de 14
milhões de desempregados. Essas distorções não estão presentes apenas no setor
público. A campanha de diversos conselhos profissionais a favor da permanência
de leis que garantam remunerações mínimas para as suas categorias muito acima
do salário médio dos demais trabalhadores do setor privado reforça a imagem de
que os mais instruídos julgam que é razoável ter mais direitos do que os demais
membros da sociedade.
A perda de capital humano durante a
pandemia é irreversível. A frequência do acesso dos alunos de escolas públicas
às aulas virtuais foi muito baixa durante a pandemia. O atraso da alfabetização
dificilmente será contornado, pois não há sinais de planejamento organizado
para acomodar os materiais não cobertos nas séries anteriores e garantir um
aprendizado robusto. Ao mesmo tempo, o abandono da escola no ensino médio e nos
últimos anos do ensino fundamental diminuirá o crescimento potencial, já
bastante reduzido para um país dito emergente.
As repetidas crises na oferta de energia e
de água, mesmo em um ambiente de relativa estagnação nos últimos 10 anos,
reforçam a percepção de que os planos do governo são incapazes de remover
conhecidos gargalos ao crescimento. Há muitas outras razões para a descrença
acerca dos prognósticos para o Brasil. As projeções de crescimento econômico
para os próximos anos comprovam que os desafios são de difícil superação. A
resposta do governo à trágica pandemia só reforça essa frustração. Resta-nos a
esperança de que as próximas eleições iniciarão a reversão desse quadro com uma
gradual melhoria dos fundamentos.
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