Correio Braziliense
Não se deve subestimar a
aliança de Bolsonaro com o Centrão. Além de dar mais estabilidade ao governo no
Congresso, pode impactar seu desempenho eleitoral
A reunião do presidente Jair Bolsonaro com
o senador Ciro Nogueira (PI), presidente do PP, foi transferida de ontem para
hoje, na versão oficial, porque o avião no qual retornou do México atrasou. Nos
bastidores, porém, a ida do parlamentar para a Casa Civil do Palácio do
Planalto está no telhado. O presidente da República cogitaria dar “meia-volta,
volver” no deslocamento do general Luiz Eduardo Ramos (aquele que foi
“atropelado por um trem”) para a Secretaria-Geral da Presidência, com o
argumento de que a Casa Civil tomaria muito tempo de Nogueira, cuja principal
tarefa seria a articulação política.
A ida de Ciro para a Secretaria-Geral da Presidência só fará sentido se for um desejo do próprio. Se for um recuo de Bolsonaro, porém, mesmo que o senador aceite a tarefa, será um sinal de que o empoderamento do Centrão no Palácio do Planalto foi apenas uma flor do recesso. A entrega da Casa Civil ao Centrão descontenta os seguidores de Bolsonaro nas redes sociais e os militares que controlavam a Esplanada, pois a Casa Civil tem um papel estratégico na coordenação da administração federal. Entretanto, na Secretaria-Geral, Ciro não terá a força política que seus aliados no Congresso esperam.
Não faltam motivos para a mexida no Palácio
do Planalto na metade do terceiro ano de mandato. O tempo ruge para Bolsonaro,
que lidou com o relógio como se esse não fosse o recurso mais escasso de seu
mandato. O presidente da República perde o foco com atos de repercussão
negativa e assuntos que não são prioritários, ainda que emulem seus seguidores.
O tempo perdido já cobra seu preço nos indicadores do governo. Basta olhar para
os problemas reais do país, a começar pela crise sanitária.
Ontem, sete capitais registraram falta
de vacinas — Belém, Campo Grande, Florianópolis, João Pessoa, Rio
de Janeiro, Salvador e Vitória —, o que é um atestado de
incompetência
do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. Ou seja, quatro ministros depois,
as falhas do governo federal na coordenação do combate
à pandemia continuam. Mesmo com
o Congresso em recesso, portanto, sem as sessões da CPI da Covid,
Bolsonaro continua acumulando notícias negativas na Saúde. A vacinação
avança num ritmo lento, apesar dos esforços dos estados para
controlar a pandemia. A redução do número de mortes diárias — foram 578 óbitos
causados pela doença e 18.999 novos casos notificados nas últimas 24 horas —,
não apaga o trauma de 550 mil mortos.
Aposta na galinha
O mau desempenho do governo é escandaloso
na saúde, mas isso não significa que, em outras áreas, tudo esteja bem. Houve
um desmonte de políticas públicas na educação, com universidades e outros
estabelecimentos federais de ensino à míngua, crise de financiamento na rede
privada e evasão escolar generalizada. A ausência de uma política de habitação
adequada somada à pandemia, apesar do bom desempenho do mercado imobiliário,
multiplicou a população em situação de rua nas grandes e médias cidades. Na
segurança pública, a liberação da venda de armas e a truculência policial
fizeram explodir o número de mortes por arma de fogo — ou seja, a violência e a
insegurança aumentaram.
Na área econômica, o agronegócio e a
mineração vão bem, obrigado, porém, a política oficial de agressão ao meio
ambiente cobra seu preço. As mudanças climáticas estão em toda parte e, com
isso, as pressões internacionais sobre o governo aumentarão. As enchentes na
Alemanha, na Holanda e em outros países europeus farão recrudescer os protestos
e retaliações contra o governo brasileiro e produtos brasileiros. Ao mesmo
tempo, aqui no Brasil, os incêndios provocados pela seca já começaram e ainda
teremos uma crise energética. Bate à porta uma inédita onda de frio, para a
qual muitos não estão preparados, e o governo não tem sequer um plano de
contingência, apesar dos alertas dos meteorologistas.
Alta da inflação, juros subindo, 17 milhões
de desempregados, mesmo com uma expectativa de crescimento em torno de 5% neste
ano, o ambiente econômico é muito ruim para a maioria da população. Como
acontece nas crises, os mais pobres estão mais pobres. Entretanto, a retomada
do crescimento é um fator positivo, que alimenta as esperanças do mercado, do
ponto de vista da rentabilidade das empresas, e do próprio Bolsonaro. Um voo de
galinha da economia, em ano eleitoral, pode embalar o projeto de reeleição. Por
essa razão, não se deve subestimar a aliança de Bolsonaro com o Centrão. Além
de dar mais estabilidade ao governo no Congresso, pode impactar seu desempenho
eleitoral, turbinando candidaturas de seus aliados nos estados e o desempenho
do governo na ponta do clientelismo.
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