EDITORIAIS
TSE acerta ao defender processo eleitoral
O Globo
Com uma insistência ímpar, o presidente
Jair Bolsonaro tem atacado a lisura das eleições de 2022 e a integridade das
urnas eletrônicas. O mesmo sistema de votação que o elegeu repetidas vezes e
levou três de seus filhos a carreiras no Legislativo, na sua visão, não é
seguro. É papel do presidente tomar as medidas cabíveis diante de suspeitas de
irregularidades, desde que fundamentadas. No caso das urnas eletrônicas, tudo
não passa de fantasia. O sistema de votação e apuração dos votos não é apenas
auditável, mas vem sendo auditado periodicamente. Bolsonaro não apresenta
provas do que diz e tem abusado na disseminação de desinformação com a ajuda
das redes sociais e de aplicativos de mensagens. Ao minar a credibilidade dos
pleitos, ataca o processo eleitoral e corrói essa fundação da democracia.
A mesma máquina de propaganda usada pelo bolsonarismo para pôr em xeque de antemão qualquer resultado das urnas em 2022 que possa lhe desagradar será objeto agora da análise do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em quatro ações eleitorais envolvendo a chapa Jair Bolsonaro/Hamilton Mourão nas eleições de 2018. Quando acabar o recesso, o TSE analisará dados do inquérito das fake news compartilhados pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O material dará base mais sólida às apurações sobre a suspeita de que houve uso indevido das redes e abuso de poder econômico no disparo de mensagens em massa.
As suspeitas vão do uso fraudulento de
nomes e CPFs para registrar chips de smartphones à construção de uma “estrutura
piramidal de comunicação”, a que se atribui a intenção clara de espalhar
informações falsas. De que as últimas eleições presidenciais foram palco do uso
indiscriminado de aplicativos de mensagens e redes sociais para disseminar fake
news, não há a menor dúvida. Há, porém, questões ainda sem resposta. Como isso
aconteceu? Quem são os responsáveis? É legítimo puni-los? As provas
compartilhadas com o TSE após a decisão do STF trazem esperança de solução.
Para resguardar a democracia brasileira, o
TSE também trabalha noutra frente. Diante das acusações sem provas de Bolsonaro
de que há fraude nas eleições, o ministro Luis Felipe Salomão, corregedor-geral
do tribunal, abriu procedimento administrativo no dia 21 de junho e deu 15 dias
ao presidente para enviar provas que sustentem o que diz.
Logo em seguida, Bolsonaro declarou não ter
de apresentar provas a ninguém. Depois, disse ter mudado de ideia, mas até
agora não enviou nenhuma evidência ao TSE. Adiado pelo recesso, o prazo se
esgota no próximo dia 2. Em nenhuma democracia o presidente está acima da lei.
É uma obviedade que, infelizmente, tem sido necessário repetir. Quando
questionado pela Justiça, tem o dever de prestar contas. Da mesma forma, não
pode desacreditar a lisura das eleições com ataques estapafúrdios contra as
urnas eletrônicas.
O TSE também tem seus deveres: 1)
esclarecer o que aconteceu em 2018 e, se confirmado crime eleitoral, punir os
responsáveis; 2) garantir a integridade do processo eleitoral do pleito de 2022
combatendo acusações infundadas de fraude. De novo, são obviedades que,
infelizmente, se torna a cada dia mais necessário repetir.
Desorganização e disputa entre governos
prejudicam vacinação
O Globo
A disputa política para ver quem vacina
mais rápido suas populações, aliada à falta de coordenação entre Ministério da
Saúde, estados e municípios, está fazendo mal ao Programa Nacional de
Imunizações (PNI). Volta e meia, a campanha é interrompida por falta de vacina.
Ontem, Rio, Vitória, Belém, Campo Grande, Salvador e João Pessoa suspenderam a
aplicação da primeira dose. Em Florianópolis e Maceió, ela só estava disponível
para gestantes e puérperas.
No fim de semana, o Ministério da Saúde
prometeu enviar imediatamente mais vacinas aos estados. Argumentou que tanto a
quantidade distribuída para cada unidade da Federação quanto o público-alvo são
definidos numa reunião com a participação de representantes do ministério, de
estados e municípios. Mas essa integração aparente entre os três níveis de
governo na prática não funciona. No mundo real, é cada um por si.
As dificuldades para fazer deslanchar a
campanha de vacinação são conhecidas. Como tem mostrado a CPI da Covid, o
governo desprezou ofertas da Pfizer e do Butantan (CoronaVac) para entrega a
partir de dezembro de 2020, alegando um sem-número de obstáculos. Ao mesmo
tempo, priorizou negociações nebulosas, como a compra de 20 milhões de doses da
indiana Covaxin. À medida que a pandemia acelerava, o país não tinha doses para
imunizar a população.
Hoje a situação não é tão dramática, já que
a entrega da maior parte das doses contratadas (mais de 600 milhões) está
prevista para o segundo semestre — 63 milhões em agosto. As remessas do
Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) para produção da Oxford/AstraZeneca na
Fiocruz e da CoronaVac no Butantan regularizaram-se após sucessivos atrasos. E
o ritmo da campanha melhorou — entre janeiro e julho, a média diária foi
multiplicada por 7,5 (de 145 mil para 1,1milhão).
Mas a desorganização e a disputa descabida
entre os governos que tentam obter dividendos políticos com a vacinação jogam
contra o sucesso da campanha. “Está parecendo uma maratona para ver quem chega
na frente”, diz Carla Domingues, que coordenou o PNI entre 2011 e 2019. “Hoje
temos 27 planos de imunização, cada um fazendo o que lhe dá na veneta. É claro
que vai faltar vacina.” Ela cita como exemplos as cidades que vacinam
adolescentes, enquanto outras ainda não imunizaram faixas etárias mais
suscetíveis à doença; o anúncio de terceira dose quando nem sequer há consenso
sobre isso; e as categorias incluídas como prioritárias no plano por pressão
política, e não por necessidade.
A perspectiva é que, nos próximos meses,
aumente o estoque de vacinas com a chegada das doses já contratadas. Mas de
nada adiantará se os governos não se organizarem. No país como um todo, a
cobertura ainda é baixa: menos de 20% plenamente vacinados. A confusão na
vacinação revela que o país continua padecendo da falta de coordenação e de uma
estratégia consistente numa área em que já foi exemplo internacional.
O devaneio castrista de Lula
O Estado de S. Paulo
A queda da popularidade digital de Lula da Silva, após elogio ao regime cubano, é uma boa medida do limite de tolerância à desfaçatez lulopetista
A popularidade digital do ex-presidente
Lula da Silva caiu de 43,18 pontos para 27,48 entre os dias 12 e 14 de julho,
conforme levantamento da consultoria Quaest, publicado recentemente pelo Estado.
O motivo de queda tão abrupta foi a defesa que Lula da Silva fez do regime
cubano, que reprimiu duramente manifestantes em Cuba no dia 12.
Enquanto o mundo civilizado se chocava com
a brutalidade das forças de segurança de Cuba contra cidadãos que ousaram
protestar contra a falta de vacinas contra a covid-19 e contra a escassez
crônica de alimentos na ilha, o chefão petista caprichou: disse que a
manifestação de cubanos havia sido uma mera “passeata” e teve a audácia de
negar a violência que todo mundo testemunhou. Para completar, o PT soltou um
“comunicado de apoio ao povo e ao governo de Cuba”, como se fosse possível
apoiar, ao mesmo tempo, quem apanha e quem bate.
A queda da popularidade digital de Lula da
Silva é uma boa medida do limite de tolerância à desfaçatez lulopetista. Lula
aparece à frente nas pesquisas de intenção de voto menos por seus méritos, e
mais porque o presidente Jair Bolsonaro faz um governo tão ruim que, para parte
do eleitorado, a mera perspectiva de sua reeleição tornou a volta do petista ao
poder uma possibilidade aceitável, se o demiurgo de Garanhuns for o único
candidato capaz de derrotar o bolsonarismo. Mas a indecência de Lula ao apoiar
um governo que reprime selvagemente o próprio povo certamente serviu para
abalar as eventuais ilusões de muitos eleitores ingênuos a respeito do petista.
Lula não é um democrata, e seu apoio ao
regime castrista, bem como ao governo tirano da Venezuela, é prova eloquente
disso. Seus fanáticos seguidores dizem, cinicamente, que Lula jamais atentou
contra a democracia, mas a vocação autoritária do PT e de seu líder é
incontestável – atestada pelo aparelhamento petista da máquina do Estado, pela
desbragada corrupção e pelo estímulo ao conflito entre “nós” e “eles”,
elementos que, somados, arruínam a democracia.
A Cuba castrista não inspira Lula da Silva
por causa do socialismo. Como se sabe, o ditador Fidel Castro alinhou-se à
União Soviética só depois da Revolução, e isso porque Moscou prometeu lhe dar
generosa mesada, comprar açúcar cubano e armar a ilha contra os Estados Unidos,
e não porque estivesse interessado no comunismo. Este era somente um pretexto
retórico para implantar, primeiro, sua ditadura pessoal, depois, um regime
familiar e, agora, um clã totalitário.
Do mesmo modo, o discurso socialista, na
boca de Lula, é apenas um embuste para enganar universitários e artistas. Ao
mesmo tempo que evocava o socialismo como meta e ambição, o PT de Lula, ao
longo de sua história, expurgou sem dó as seitas trotskistas e
marxistas-leninistas que lá se haviam acomodado, restando somente os
oportunistas que orbitam o guia genial. Pai do sindicalismo de resultados, Lula
no poder se tornaria a mãe do capitalismo de compadrio, enquanto entretinha os
grêmios estudantis com seu falatório antiamericano e encantava os pobres com
ilusionismo demagógico.
Enquanto Lula abraçava gostosamente o
caquético castrismo, decerto com inveja da longevidade de uma ditadura que
alguns bobos veem como farol da democracia, o Partido Socialista do Chile disse
em comunicado que “é dever do governo e das autoridades cubanas ouvir as
demandas” do povo cubano. Isso mostra que nem toda a esquerda compartilha do
cinismo lulopetista.
Isso já havia ficado claro quando artistas
de incontestáveis credenciais esquerdistas, como o escritor português José
Saramago e a cantora argentina Mercedes Sosa, consideraram intolerável a
repressão da ditadura cubana. Em 2003, depois de mais um fuzilamento de
dissidentes, Saramago declarou que a Cuba de Fidel “perdeu a minha confiança,
danificou as minhas esperanças, defraudou as minhas ilusões”, e Mercedes Sosa
afinal se rendeu: “Creio que já é tempo de não aceitarmos tudo”.
Lula poderia ter a grandeza de pelo menos
parar de elogiar a terrível ditadura cubana. Ao não fazê-lo, autoriza a
suposição de que, no fundo, quer mesmo é encarnar Fidel e governar até a morte
– e além.
Eis a prova de Bolsonaro
O Estado de S. Paulo
Na busca de fraude eleitoral, bolsonarismo encontrou um acusado de estelionato
Na segunda-feira, Jair Bolsonaro prometeu
apresentar em três dias provas das fraudes que ele afirma terem ocorrido nas
eleições presidenciais. “Na quinta-feira, 19 horas, a minha live vai ser talvez
lá no Ministério da Justiça. A gente vai expor todas as questões que levam a
gente a ter uma eleição democrática ano que vem. São três momentos
inacreditáveis que a gente vai mostrar com fotografias de dados fornecidos pelo
próprio Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Se bem que faltam mais dados que não
entregaram para a gente. Logo a gente conclui isso aí, porque o trabalho não é
fácil”, disse.
A nova promessa de Jair Bolsonaro é a
admissão de ter mentido no ano passado, quando anunciou, numa viagem aos
Estados Unidos, que tinha provas de que a eleição de 2018 teria sido fraudada
já no primeiro turno. “Nós temos não apenas palavra. Nós temos comprovado,
brevemente eu quero mostrar”, disse há mais de um ano.
Agora, Jair Bolsonaro revela que ainda não
tem as tais provas (“faltam mais dados”) e admite que cumprir o que prometeu
não está nada fácil. Até a direção da Polícia Federal tentou ajudar o
presidente Bolsonaro na empreitada de encontrar indícios das supostas fraudes
nas urnas eletrônicas.
Em junho deste ano, a Corregedoria da Polícia
Federal encaminhou ofício a todas as superintendências estaduais solicitando
que encaminhassem todas as denúncias de fraudes recebidas ou apuradas desde
1996, quando se adotou o sistema de votação eletrônica.
Segundo apurou o Estado, a Polícia
Federal não recebeu até o momento nenhum indício de fraude envolvendo a urna
eletrônica. Apenas um único inquérito sobre o tema foi encontrado. Realizada em
2012, esta investigação da Polícia Federal concluiu que não houve fraude
eleitoral, e sim tentativa de estelionato.
Na busca de alguma prova da suposta fraude
eleitoral, o bolsonarismo também não encontrou indícios de manipulação do
resultado das urnas eletrônicas. Encontrou apenas e tão somente um acusado de
estelionato. A coincidência com o trabalho da Polícia Federal seria cômica, se
não fosse trágica, mostrando a falta de limites - e de qualquer bom senso - da
turma de Jair Bolsonaro.
Para difundir desconfiança contra o atual
sistema de votação, o relator da PEC do voto impresso, deputado Filipe Barros
(PSL-PR), enviou uma equipe ao presídio Professor Jacy de Assis, em Minas
Gerais, para entrevistar o hacker Marcos Roberto Correia da Silva, preso por
invadir sites e aplicar golpes na internet. Depois, com o material obtido no
presídio, foi feito um vídeo de denúncia sobre a suposta fragilidade do sistema
eleitoral. Compartilhado pelas redes bolsonaristas, o filme repleto de
informações falsas e enganosas foi visto mais de 500 mil vezes.
Eis a grande prova do bolsonarismo para a
suposta fraude das urnas eletrônicas. Um acusado da prática do crime previsto
no art. 171 do Código Penal – “obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita,
em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício,
ardil, ou qualquer outro meio fraudulento” – afirma que é capaz de “invadir o
sistema eleitoral” e de inserir votos artificialmente nos servidores da Justiça
Eleitoral.
“Manipularia tudinho”, diz o hacker Marcos
Roberto Correia da Silva no vídeo do deputado Filipe Barros. Preso em 2019, o
hacker foi solto, sob a condição de usar tornozeleira eletrônica. Em março
deste ano, Marcos Roberto Correia da Silva voltou a ser preso, na Operação
Deepwater, que investiga o vazamento de dados pessoais. Nas redes sociais, o
hacker oferecia informações financeiras roubadas em troca de bitcoins.
No vídeo do deputado Filipe Barros, Marcos
é apresentado como um hacker ativista. Na denúncia feita pelo Ministério
Público de Minas, o seu perfil é menos sofisticado, sendo citado em mais de 200
tentativas de compras fraudulentas na internet, com cartões de crédito de
terceiros. O bolsonarismo não tem nenhum pudor de se superar na falta de
credibilidade.
Incivilidade e desinformação
O Estado de S. Paulo
Queimar monumentos não apaga o passado, mas exalta a ignorância que grassa no presente
Pela quarta vez em dois meses, milhares de
manifestantes saíram às ruas de cerca de 300 cidades do País para protestar
contra o presidente Jair Bolsonaro e pedir a sua cassação. A agenda dos
protestos no sábado passado foi marcada, novamente, pela crítica à gestão
temerária da pandemia de covid-19 pelo governo federal, ao desemprego e à alta
dos preços dos alimentos. A combinação nociva destes três fatores ilustra bem a
inépcia do pior presidente da história, cuja ergofobia tem levado milhões de
brasileiros ao estado de insegurança alimentar, além da insegurança sanitária à
qual toda a população já está submetida.
A nova jornada de protestos fechou uma
semana particularmente negativa para Bolsonaro, em intempestiva – e ilegal –
campanha pela reeleição. Novas manifestações contra o governo já estão marcadas
para os meses de agosto e setembro. Ligadas a movimentos de centro,
centro-direita e direita, estas têm potencial para atrair ainda mais
manifestantes, até aqui restritos, principalmente, a movimentos e partidos de
esquerda e extrema-esquerda.
Em São Paulo, o protesto no dia 24 passado
reuniu menos gente do que o observado nos três anteriores, embora o que se viu
na Avenida Paulista está longe de representar uma manifestação inexpressiva.
Ainda que de forma dispersa, os manifestantes ocuparam 8 dos 15 quarteirões da
via.
O receio do contágio pelo coronavírus ainda
desencoraja muitos cidadãos de aderir às manifestações de rua, em que pesem o
avanço da vacinação e o fato de os organizadores destes protestos garantirem a
oferta de máscaras e álcool em gel, além de recomendarem o distanciamento entre
os manifestantes. As imagens, porém, mostram que, na prática, o estrito
respeito às normas sanitárias ainda está muito longe do ideal.
Outro fator que contribui para repelir a
adesão dos muitos cidadãos moderados que se opõem ao governo Bolsonaro, tão ou
mais decisivo do que aquele, são os episódios de violência, quase sempre
praticados por vândalos que se aproveitam das manifestações ordeiras para fazer
valer sua pauta de reivindicações – se é que há uma – na base do grito, da
baderna, da quebradeira. Mais uma vez, ao final da manifestação na Avenida
Paulista, os baderneiros confrontaram policiais militares e se lançaram contra
vitrines, pontos de ônibus, estações de metrô e tudo o mais que pudesse ser rapidamente
destruído.
O episódio mais grave ocorreu a 10 km da
Avenida Paulista. Cerca de 20 pessoas, ligadas a um obscuro grupo chamado
Revolução Periférica, atearam fogo em pneus na base da estátua do bandeirante
Borba Gato, na Avenida Santo Amaro. O monumento foi danificado e, infelizmente,
ninguém foi detido, segundo a Polícia Militar.
A incivilidade criminosa foi o gatilho para
que uma onda de desinformação varresse as redes sociais, locus onde se travam
acalorados debates, nem sempre bem respaldados pela verdade factual. Basta
dizer que os defensores da assim chamada “reparação” classificaram o
bandeirante paulista como “genocida” e “fascista”, malgrado o genocídio e o
fascismo serem conceitos formulados mais de 200 anos após a morte de Borba
Gato.
Independentemente da visão que cada um
possa ter da história dos bandeirantes do século 17, e de Manuel de Borba Gato,
em particular, a história de um país não pode ser apagada. Em uma nação que se
pretende civilizada, a história é contada, contextualizada e aprendida. No
limite, a eliminação de símbolos de um passado que se pretende esquecer – ainda
que esta faina seja inútil – deve ser debatida pela sociedade no ambiente
próprio, qual seja, o Parlamento.
De tempos em tempos, sociedades no mundo inteiro se veem às voltas com o revisionismo histórico. Alguns pretendem assim justificar a sua sanha destruidora. Mas derrubar estátuas ou atear fogo em monumentos históricos – mesmo aqueles de valor estético bastante duvidoso – não têm o condão de apagar o passado como em um passe de mágica. Antes, exaltam a ignorância que grassa no presente
Fome de voto
Folha de S. Paulo
Desgaste de Bolsonaro entre pobres afeta
estratégia eleitoral e política pública
As pesquisas do Datafolha mostram com
clareza que a perda de popularidade de Jair Bolsonaro foi mais intensa entre os
eleitores de menor poder aquisitivo. Há, sem dúvidas, boas razões para tal.
Do início do ano para este mês de julho, a
taxa de aprovação ao governo se manteve estável, em torno de um terço dos
entrevistados, nas faixas de renda acima de cinco salários mínimos. Já no grupo
com renda até dois salários mínimos, os que consideram a administração ótima ou
boa caíram de 27% para 21% no período.
Mais: a maioria de 54% formada em defesa do
impeachment do presidente decorre basicamente da opinião dos mais pobres, dos
quais 60% são a favor do processo. Nos estratos mais abonados, esse apoio
limita-se a 37%.
Os dados indicam, pois, um componente
socioeconômico importante no desgaste de Bolsonaro, o que não exclui, claro, o
impacto de sua negligência mortal na gestão da pandemia e outros desmandos.
A população de baixa renda é a mais
afetada, obviamente, pelo desemprego decorrente da paralisação de atividades
para o combate à pandemia. Esse contingente padeceu, no primeiro trimestre, com
a interrupção do pagamento do auxílio emergencial, retomado em abril com
valores menores.
Além disso, sofre com uma escalada
inflacionária concentrada nos preços de alimentos e, assim, mais aguda para os
pobres. Como noticiou
a Folha com base em cálculos do Ipea, a inflação acumulada
em 12 meses é de 9,24% para consumidores com renda até R$ 1.650,50 mensais,
ante 6,45% para os que recebem acima de R$ 16.509,66.
Simbolicamente, itens tradicionais do
cardápio brasileiro ficaram inacessíveis para muitos, casos do arroz (alta de
46,21% no período) e do feijão (48,19%, o fradinho). Em maio, 36% dos
brasileiros na faixa até dois mínimos declararam que tiveram em casa comida
abaixo do suficiente.
Tal cenário faz com que se misturem
prioridades para a política pública e para a estratégia eleitoral de Bolsonaro
—o contingente mais pobre e hostil, afinal, representa 57% dos ouvidos pelo
Datafolha.
O governo fala abertamente na ampliação do
Bolsa Família a partir de 2022, mas não está claro como ficaria o desenho do
programa e qual seria a fonte dos recursos adicionais necessários. São decisões
que fazem a diferença.
Ainda que o fortalecimento da seguridade
social seja plenamente justificável neste momento, o enfraquecimento do
mandatário e a proximidade da disputa presidencial elevam o risco de medidas
demagógicas e imprudentes, que acabariam por prolongar a agonia econômica na
qual o país está mergulhado há quase uma década.
O ensino médio se move
Folha de S. Paulo
Cronograma da reforma é bem-vindo, mas
desigualdades desafiam as mudanças
Embora com certo atraso, o Ministério da
Educação definiu como
se dará a implantação do novo ensino médio, a meritória reforma
sancionada em 2017 com o objetivo precípuo de dar maior flexibilidade à essa
etapa do aprendizado, tornando-a mais atraente e próxima do cotidiano dos
estudantes.
É consenso entre os educadores que a
estrutura engessada e o conteúdo enciclopédico hoje vigentes estão entre as
principais causas do desinteresse dos jovens brasileiros pela escola, cujo
resultado se vê nas elevadas taxas de evasão registradas nessa fase.
No essencial, a reforma estabelece que os
alunos escolham uma entre cinco áreas de concentração (linguagens, matemática,
ciências da natureza, ciências humanas ou ensino técnico), à qual dedicarão 40%
de seu tempo.
Os 60% restantes serão organizados a partir
da Base Nacional Comum Curricular aprovada em 2018, uma relação detalhada de
temas, competências e habilidades a serem desenvolvidos.
Essas estratégias complementares, segundo o
cronograma do MEC, serão colocadas em prática a partir de 2022 de forma
escalonada, nas redes pública e privada.
Com as mudanças no currículo, mudará também
a avaliação dos alunos. O Enem, principal meio de acesso às universidades
federais, será atualizado ao longo dos próximos anos para que, em 2024, ocorra
conforme as novas diretrizes.
Outra alteração relevante é o aumento da
carga horária mínima, de 800 para 1.000 horas anuais, que encontra maiores
dificuldades de implementação no período noturno, onde estão mais de um quinto
dos alunos do ensino médio.
Na semana passada, o estado de São
Paulo anunciou que
poderá utilizar aulas remotas para cumprir a norma, um recurso
válido, mas que deve ser usado com cautela, com modelos pedagógicos
específicos, bem como professores preparados para essa modalidade.
O desafio que se coloca agora é o de
garantir, num país atravessado por disparidades regionais, que todos os estados
e municípios tenham condições de oferecer aos alunos a flexibilidade e a carga
horária prometidas.
Para tanto, serão necessários investimentos
em infraestrutura, além de recursos para contratação e formação de professores.
Espera-se que as autoridades ajam com responsabilidade para garantir tais
verbas em meio à penúria orçamentária do país.
Evitar o apagão da energia elétrica terá
preço elevado
Valor Econômico
O crescimento econômico é o principal
parâmetro para a expansão do consumo de energia
Menos de um mês depois de o ministro de
Minas e Energia, Bento Albuquerque, ter pedido à população que economizasse
água e energia elétrica, em rede de rádio e televisão, a crise hídrica subiu de
tom. O Operador Nacional do Sistema (ONS) soltou nota técnica, na semana
passada, alertando que prevê o “esgotamento de praticamente todos os recursos”
do sistema nacional de energia elétrica em novembro, fim do período sem chuvas.
Ou seja, os reservatórios estarão praticamente vazios.
No pior cenário previsto pelo ONS, que
implica o menor uso das termelétricas, o Brasil precisaria importar 2 gigawatts
de energia para garantir o abastecimento, o equivalente a nada menos do que
produzem Angra 1 e 2 juntas. No cenário mais otimista, com maior participação
das térmicas, haveria uma sobra de 144 MW, nem 1% da reserva de segurança com a
qual normalmente opera o sistema.
A situação estará crítica nos subsistemas
Sul e Nordeste. O ONS pediu o adiamento das paradas de manutenção de todas as
usinas do país, e para mudar a operação das usinas do Rio São Francisco para
guardar mais água para o fim do ano. Já ao fim deste mês, as hidrelétricas do
Nordeste devem estar com 54,6% dos reservatórios ocupados, volume que deve ser
de 80% no Norte. Mais crítica é a situação no Sudeste e Centro-Oeste, com
apenas 26% de sua capacidade de armazenamento, segundo o ONS. Entre outubro e
novembro, as hidrelétricas da região Sudeste, onde se concentram 45% da
população brasileira, poderão ter que praticamente interromper a operação das
turbinas pois terão atingido níveis de armazenamento inferiores a 10%.
O quadro indica que não foram bem-sucedidos
os apelos do ministro em favor da economia de água e de energia, e também que a
crise é bem mais severa do que se imaginava. Igualmente preocupante é o fato de
o ONS estar trabalhando com projeções defasadas. As estimativas levam em conta
o aumento do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano de 4,5%. O número está acima
dos 3% anteriormente estimados, mas está consideravelmente abaixo dos 5,3%
esperados pelo próprio Ministério da Economia. Há no mercado previsões ainda
maiores. O crescimento econômico é o principal parâmetro para a expansão do
consumo de energia, estimada em 7% este ano. Se a premissa está superada, a demanda
será ainda maior.
O fim do período de seca, em novembro, não
significa que as precipitações virão imediatamente, e nem que cairão nos
lugares certos, enchendo os reservatórios. Já se sabe que o próximo ano também
será de pouca chuva. Os problemas continuarão. O próprio Banco Central (BC)
informou que trabalha com a ocorrência de bandeira vermelha em patamar 1 em
dezembro deste ano e em 2022. O Relatório Trimestral de Inflação de junho prevê
influência da situação hídrica no preço da energia com reflexos até 2023.
Como disse o secretário de Política
Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, em Live do Valor (23/7), a
preocupação maior é com a inflação uma vez que o Ministério de Minas e Energia
tem sido enfático em rejeitar risco de racionamento. A aposta é na eficácia das
medidas até agora adotadas, como o acionamento de térmicas e restrição da vazão
de água nos reservatórios. Além disso, há conversas com representantes da
indústria para se reduzir o consumo na fase mais crítica da crise para evitar
“corte de carga” (blecaute) no horário de ponta. Até a volta do horário de
verão, abominado pelo presidente Jair Bolsonaro, já está sendo cogitada.
O ex-diretor da Aneel, Edvaldo Santana,
apoiou em artigo no Valor (23/7)
as negociações entre governo e empresários da indústria em torno da redução do
consumo nas horas de demanda máxima. Argumenta que “em lugar de acionar
termelétricas de R$ 1.700/ MWh, sai mais barato reduzir o consumo, na mesma
magnitude, em troca de R$ 1.200/MWh. Todo sistema é beneficiado”. Mas desconfia
que parte da conta será repassada aos demais consumidores, como de fato já está
acontecendo. O BC e o Ministério da Economia parecem conformados com os
reflexos sobre a inflação desde que não haja impacto no nível de atividade. A
Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aumentou a cobrança nas contas de
luz da bandeira vermelha 2 em julho e sinalizou que deve elevar essa cobrança
novamente em agosto, para fazer frente à elevação constante de gasto com
térmicas. O Brasil vai chegar à CoP 26, em novembro, com mais um ponto
negativo, ao aumentar o consumo de energia poluente, e vai pagar mais caro por
isso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário