O Globo
Braga Netto, ministro da Defesa (e um dos
grandes salários de Brasília), mandou avisar que, sem o “voto eletrônico
auditável”, não haverá eleições em 2022. O recado destinara-se ao presidente da
Câmara. Assim informou o Estadão; que também descreveu a forma como Arthur Lira
recebera a mensagem: movimento grave, em função do qual procurou Bolsonaro para
lhe dizer que iria até o fim com o presidente, mesmo que para perder a eleição,
mas que não contasse com ele para qualquer ato de ruptura institucional.
A leitura do episódio propõe fotografia
fácil: o presidente da Câmara impondo limites ao general golpista. (Voltaremos
a isso.)
As reações à publicação da notícia a confirmaram. Lira, que em off negava a ameaça, publicamente ensaboava-se de nem-nem para declarar que, independentemente de qualquer intimidação, votaremos no ano que vem — um velho expediente de quem não quer ser desmentido. A foto estava boa para o deputado. A nota de Braga Netto a nos comunicar que ele, assumindo-se como agente político, move-se de maneira ainda mais ostensiva, que não precisa de intermediários para falar a outros Poderes e que é isto mesmo, asseverado por escrito: à vontade para disparar manifestos políticos e fazer carga sobre o Parlamento, com o peso de quem controla o paiol, por uma pauta — do populismo autoritário bolsonarista — que atribui ao governo federal e que, não havendo mais fronteiras entre Planalto e instituições impessoais de Estado, estende às Forças Armadas. Uma demonstração de musculatura. Estava bom para o general.
Braga Netto é o panfleto circunstancial a
defender uma compreensão viciada que circula desde o tuíte em que o general
Villas Bôas advertiu o Supremo (à véspera de o tribunal deliberar sobre habeas
corpus de Lula, em
2018), que contaminou o Exército e que avança por Aeronáutica e Marinha: que as
Armas, autorizadas por leitura doente da Constituição, comporiam espécie
enviesada de poder moderador — a serviço de Bolsonaro para tutelar Legislativo
e Judiciário.
O subserviente Braga Netto expressa o
comando golpista do presidente. Bolsonaro não manda recado por terceiros e está
diariamente dizendo, a quem quiser ouvir, que, sem a contagem de votos como
deseja, não haverá eleições. (Como é intelectualmente desonesto e depende do
conspiracionismo para existir, o bolsonarismo acusará fraude de qualquer
maneira, com ou sem voto impresso.) Nada pode ser mais grave; o general sendo
somente mais um estafeta muito bem aquinhoado para dispor as Forças Armadas aos
interesses autoritários do mito.
Voltemos a Arthur Lira. Saiu bem na
fotografia do episódio. Como democrata, garantidor da República contra a ameaça
de golpe. Contra a ameaça de um golpe que é a mais perfeita impossibilidade.
Lira reagindo a um golpismo do século XX, com tanques na rua para desfechar a
tal ruptura — o que, por absoluta falta de meios, não haverá. Lira reagindo,
pois, a um inimigo artificial, a um espantalho, fantasia que talvez ele próprio
tenha criado, enquanto se cala — mui bem acolhido pelo golpista — ante os modos
do verdadeiro ataque de Bolsonaro, aquele executado progressivamente, num
investimento constante para minar, por dentro, o equilíbrio institucional, para
esgarçar o tecido social, para destroçar a guarda constitucional, para
enfraquecer a confiança no sistema eleitoral, para dilapidar, carcomendo os
fundamentos, a democracia representativa e, mais amplamente, a democracia
liberal; para o que colabora o presidente da Câmara, passador agressivo de
boiada, atropelador dos instrumentos de defesa regimental das minorias
legislativas.
Golpe, aquele (impossível) com ruptura
institucional modelo 1964, é ruim para os negócios. Lira não aceita. Mas não só
compõe com o populismo autoritário, esse (real) que golpeia por desgaste, sem
tirar-lhe a fartura das tetas do Estado, como é sócio do governo militar de
Bolsonaro. Não apenas alguém que mama, mas que controla o destino e o ritmo da
ordenha. Governo militar do Centrão. Ou, como preferiria o professor Wilson
Gomes, já que Centrão seria figura amorfa que não se poderá punir nas urnas:
governo militar do Progressistas, com Ciro Nogueira, com general Heleno, com
tudo. Sócios.
Prudência, portanto, antes de olhar para
arranjo eventual do governo e logo supor que os militares perdem espaço para
Lira e turma. São sócios. E só reforçam a sociedade. O governo é militar; e são
os militares, os generais ramos e outros com teto duplex para remuneração, os
primeiros a compreender a importância do orçamento secreto e da necessidade
objetiva de ter a operação de um profissional tocada desde o Planalto. Os generais
investiram as próprias Forças Armadas no sucesso do governo. Precisam da
reeleição em 2022.
Nada mais representativo deste momento
decisivo do que o presidente falando — ocorrência raríssima — a verdade. Sim, o
capitão é — sempre foi — do Centrão. Um militar condicionado pela cultura do
Progressistas. Mas não da gema do Centrão. Bolsonaro é das bordas, catador de
migalhas, de rachadinhas. Um marginal do Centrão. Do Centrão ressentido.
Assentado — imaginemos uma daquelas pizzas gordurosas que levam recheio na
borda — dentro da casca, aboletado no catupiry da extremidade, condição ideal
para que constituísse bem-sucedida empresa familiar. Nunca esteve sozinho.
Se gritar “pega Centrão”, Ricardo Barros corre com Pazuello (e Elcio Franco) no colo.
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