Folha de S. Paulo
A truculência é coordenada e tem o
propósito de intimidação e censura
Às vésperas da Páscoa, o vírus se espalhava
com fúria entre nós. Março havia fechado com 320 mil brasileiros mortos, quase
4.000 por dia. E o que fez o ministro do Supremo Tribunal Federal Kássio Nunes
Marques? No Sábado de Aleluia, atendeu pedido de uma associação de juristas
evangélicos e liberou a presença dos
fieis em templos. Dias depois, o plenário derrubou a liminar.
Na época, a decisão do ministro foi criticada em artigo de Conrado Hübner Mendes, professor de direito constitucional da Universidade de São Paulo (USP) e colunista desta Folha. Hübner Mendes tem sido observador atento de desvios e falhas do Judiciário, em especial do STF, prestando serviço inestimável aos leitores, ajudando-nos a entender o funcionamento do mais opaco dos Poderes.
Sabe-se agora que Sua Excelência não gostou
do texto e pediu investigação
criminal ao procurador-geral da República, Augusto Aras, que já
persegue Hübner Mendes por contrariedade com outras publicações do colunista,
inclusive postagens em rede social. Aras entrou com uma ação na Justiça Federal
e com representação no Conselho de Ética da USP. A truculência é coordenada e
tem o propósito de intimidação e censura.
Autoridades deveriam entender que a
submissão ao escrutínio público é inseparável do exercício do poder. Não é o
caso, obviamente, do ministro e do procurador-geral, que agem como instrumentos
do bolsonarismo. Ambos desconhecem —ou fingem desconhecer— que a liberdade de
expressão é direito consagrado na Constituição e reafirmado pelo Supremo.
O cerco a Conrado Hübner Mendes fere também
a autonomia universitária. A representação contra ele está parada no âmbito da
Reitoria da USP. Investidas autoritárias têm que ser enfrentadas sem medo e
hesitação. O corpo docente precisa ter a certeza de que a universidade está do
seu lado contra qualquer tentativa de silenciamento.
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