Valor Econômico
Transferência de renda pode virar o jogo a
favor de Bolsonaro
Observadores atentos têm dúvidas sobre a
avaliação de que o presidente Jair Bolsonaro é carta fora do baralho para as
eleições de 2022. É verdade que uma minoria de corajosos seguidores ainda se
atreve a defender o governo dele, que vai deixar, entre outras sequelas, um
assustador passivo de mortes para a história da pandemia deste início de Século
XXI.
Mas memória de eleitor é curta, e o governo
sempre tem cartas na manga. Uma parte da fala do ministro da Economia, Paulo
Guedes, em Live do Valor,
no dia 14, passou sem repercussão, porque pareceu um discurso repetitivo ou
porque havia outros temas em destaque. Mas, para esses observadores atentos,
ele deu dicas objetivas sobre como os princípios liberais podem ser mandados às
favas para turbinar Bolsonaro na eleição de 2022.
Perto do fim da entrevista, o ministro disse que a pandemia nos deu a lição de que podemos erradicar a miséria rapidamente no Brasil. Ele disse isso porque, com o pagamento do auxílio emergencial de R$ 600, no ano passado, houve forte impacto positivo na vida dos brasileiros pobres.
Entre parêntesis, é estranho que o ministro
economista, com doutorado e mestrado na Universidade de Chicago, tenha demorado
tanto para chegar à conclusão de que dinheiro no bolso reduz imediatamente a
pobreza. Muitos dados do passado recente também indicam a efetividade dessas
políticas de transferência de renda. Com a adoção do Bolsa Família, junto com o
aumento do salário mínimo real, houve uma forte diminuição da pobreza nos
governos Lula e Dilma. Todos os indicadores mostram isso - os do Ipea, por
exemplo, revelam que o número de pobres no país, aqueles que, pelo critério do
Banco Mundial, ganham menos de US$ 5,5 por dia, caiu de 35,75% da população em
2003 para 13,29% em 2014. A partir de 2015, com a semiestagnação da economia, a
pobreza voltou a aumentar e só passou novamente a cair no ano passado, com o
auxílio emergencial de R$ 600 oferecido a 68 milhões de brasileiros. Os dados
sobre a pobreza extrema, daquelas pessoas que vivem com menos de US$ 1,90 por
dia, também mostram a queda brusca da miséria na primeira década do século, o
aumento com a estagnação pós-2015 e os efeitos do auxílio e de sua extinção
temporária durante a pandemia (ver Voltemos
à reflexão inicial. Ao citar a lição da pandemia sobre o efeito positivo do
auxílio emergencial, Paulo Guedes estava pensando nas eleições de 2022, embora
tenha sugerido mais de uma vez que todos deveríamos deixar a disputa eleitoral
para o ano que vem.
Cada vez menos poderoso - acaba de perder a
área do Trabalho -, Guedes não consegue fazer tudo o que quer no governo. Ele
admite isso. Queria, por exemplo, zerar o déficit público em um ano, vender
todas as estatais, assim como pretendia ressuscitar a CPMF e tomar outras
medidas liberais. Não conseguiu, porque enfrentou tiroteio de vários setores,
inclusive o fogo amigo do governo. Aliás, não se pode negar que o ministro tem
grande capacidade de aceitar críticas e voltar atrás em algumas decisões, como
está ocorrendo na reforma tributária.
A ideia que Guedes reforçou na entrevista
ao Valor,
porém, é eleitoralmente poderosa, e ele certamente não encontrará resistência
ao tentar convencer o presidente Bolsonaro a adotá-la.
Ele quer ir além da “transferência de
renda” e fazer “transferência de riqueza”. Gostaria de vender estatais e
imóveis pertencentes à União, operações com um potencial de arrecadação
estimado em R$ 2 trilhões, e destinar parte dessa receita para um fundo que
pagaria “dividendos sociais” semestrais aos pobres. Os beneficiários do Bolsa
Família poderiam receber no ano eleitoral de 2022, por exemplo, além das
mensalidades reajustadas do Bolsa Família, uma “bolada” de até R$ 3 mil a cada
seis meses.
A sacada é inteligente pelo menos por duas
razões. Primeiro, porque assumiria a agenda do provável principal adversário de
Bolsonaro em 2022, Lula, defensor intransigente das políticas de transferência
de renda. Segundo, porque atropelaria o discurso antiprivatização do
ex-presidente, que condena a venda de estatais por “dilapidar o patrimônio” dos
brasileiros. Lula e as esquerdas não teriam como ser contra a privatização,
porque os recursos, ou partes deles, estariam sendo destinados à transferência
do patrimônio aos cidadãos brasileiros mais frágeis.
O discurso faria sucesso porque, como disse
Guedes, “o Estado brasileiro é uma fábrica de desigualdades”. O mundo enxerga o
Brasil exatamente dessa forma, a ponto de o aumento do fosso entre pobres e
ricos em todo o mundo durante a pandemia ter sido chamado de “The
Brazilianization of the World” em artigo de Alex Hochuli, na revista “American
Affairs”.
Será que o ministro Guedes vai tentar
inaugurar esse programa de dividendos sociais no ano eleitoral? O ambiente é
propício. Hoje, Lula lidera as pesquisas de intenção de voto. Ganharia de 58% a
31% em eventual segundo turno contra Bolsonaro, de acordo com o Datafolha. No
Nordeste, tradicional reduto eleitoral de Lula, onde se concentra a população
mais pobre, Bolsonaro tem rejeição de 70%.
Com um programa como esse, uma “chuva de
dividendos sociais”, será que a opinião pública não muda? Foi a pergunta que
Guedes deixou no ar no fim da entrevista ao jornalista Cristiano Romero, na
Live do Valor,
indicando que 2022 será um ano de grandes emoções eleitorais.
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