terça-feira, 27 de julho de 2021

Pedro Cafardo - Dividendos sociais, uma sacada eleitoral para 22

Valor Econômico

Transferência de renda pode virar o jogo a favor de Bolsonaro

Observadores atentos têm dúvidas sobre a avaliação de que o presidente Jair Bolsonaro é carta fora do baralho para as eleições de 2022. É verdade que uma minoria de corajosos seguidores ainda se atreve a defender o governo dele, que vai deixar, entre outras sequelas, um assustador passivo de mortes para a história da pandemia deste início de Século XXI.

Mas memória de eleitor é curta, e o governo sempre tem cartas na manga. Uma parte da fala do ministro da Economia, Paulo Guedes, em Live do Valor, no dia 14, passou sem repercussão, porque pareceu um discurso repetitivo ou porque havia outros temas em destaque. Mas, para esses observadores atentos, ele deu dicas objetivas sobre como os princípios liberais podem ser mandados às favas para turbinar Bolsonaro na eleição de 2022.

Perto do fim da entrevista, o ministro disse que a pandemia nos deu a lição de que podemos erradicar a miséria rapidamente no Brasil. Ele disse isso porque, com o pagamento do auxílio emergencial de R$ 600, no ano passado, houve forte impacto positivo na vida dos brasileiros pobres.

Entre parêntesis, é estranho que o ministro economista, com doutorado e mestrado na Universidade de Chicago, tenha demorado tanto para chegar à conclusão de que dinheiro no bolso reduz imediatamente a pobreza. Muitos dados do passado recente também indicam a efetividade dessas políticas de transferência de renda. Com a adoção do Bolsa Família, junto com o aumento do salário mínimo real, houve uma forte diminuição da pobreza nos governos Lula e Dilma. Todos os indicadores mostram isso - os do Ipea, por exemplo, revelam que o número de pobres no país, aqueles que, pelo critério do Banco Mundial, ganham menos de US$ 5,5 por dia, caiu de 35,75% da população em 2003 para 13,29% em 2014. A partir de 2015, com a semiestagnação da economia, a pobreza voltou a aumentar e só passou novamente a cair no ano passado, com o auxílio emergencial de R$ 600 oferecido a 68 milhões de brasileiros. Os dados sobre a pobreza extrema, daquelas pessoas que vivem com menos de US$ 1,90 por dia, também mostram a queda brusca da miséria na primeira década do século, o aumento com a estagnação pós-2015 e os efeitos do auxílio e de sua extinção temporária durante a pandemia (ver Voltemos à reflexão inicial. Ao citar a lição da pandemia sobre o efeito positivo do auxílio emergencial, Paulo Guedes estava pensando nas eleições de 2022, embora tenha sugerido mais de uma vez que todos deveríamos deixar a disputa eleitoral para o ano que vem.

Cada vez menos poderoso - acaba de perder a área do Trabalho -, Guedes não consegue fazer tudo o que quer no governo. Ele admite isso. Queria, por exemplo, zerar o déficit público em um ano, vender todas as estatais, assim como pretendia ressuscitar a CPMF e tomar outras medidas liberais. Não conseguiu, porque enfrentou tiroteio de vários setores, inclusive o fogo amigo do governo. Aliás, não se pode negar que o ministro tem grande capacidade de aceitar críticas e voltar atrás em algumas decisões, como está ocorrendo na reforma tributária.

A ideia que Guedes reforçou na entrevista ao Valor, porém, é eleitoralmente poderosa, e ele certamente não encontrará resistência ao tentar convencer o presidente Bolsonaro a adotá-la.

Ele quer ir além da “transferência de renda” e fazer “transferência de riqueza”. Gostaria de vender estatais e imóveis pertencentes à União, operações com um potencial de arrecadação estimado em R$ 2 trilhões, e destinar parte dessa receita para um fundo que pagaria “dividendos sociais” semestrais aos pobres. Os beneficiários do Bolsa Família poderiam receber no ano eleitoral de 2022, por exemplo, além das mensalidades reajustadas do Bolsa Família, uma “bolada” de até R$ 3 mil a cada seis meses.

A sacada é inteligente pelo menos por duas razões. Primeiro, porque assumiria a agenda do provável principal adversário de Bolsonaro em 2022, Lula, defensor intransigente das políticas de transferência de renda. Segundo, porque atropelaria o discurso antiprivatização do ex-presidente, que condena a venda de estatais por “dilapidar o patrimônio” dos brasileiros. Lula e as esquerdas não teriam como ser contra a privatização, porque os recursos, ou partes deles, estariam sendo destinados à transferência do patrimônio aos cidadãos brasileiros mais frágeis.

O discurso faria sucesso porque, como disse Guedes, “o Estado brasileiro é uma fábrica de desigualdades”. O mundo enxerga o Brasil exatamente dessa forma, a ponto de o aumento do fosso entre pobres e ricos em todo o mundo durante a pandemia ter sido chamado de “The Brazilianization of the World” em artigo de Alex Hochuli, na revista “American Affairs”.

Será que o ministro Guedes vai tentar inaugurar esse programa de dividendos sociais no ano eleitoral? O ambiente é propício. Hoje, Lula lidera as pesquisas de intenção de voto. Ganharia de 58% a 31% em eventual segundo turno contra Bolsonaro, de acordo com o Datafolha. No Nordeste, tradicional reduto eleitoral de Lula, onde se concentra a população mais pobre, Bolsonaro tem rejeição de 70%.

Com um programa como esse, uma “chuva de dividendos sociais”, será que a opinião pública não muda? Foi a pergunta que Guedes deixou no ar no fim da entrevista ao jornalista Cristiano Romero, na Live do Valor, indicando que 2022 será um ano de grandes emoções eleitorais.

 

 

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