O Globo
A democracia ficou sob claro ataque nos
últimos dias. Os comandantes militares e o ministro da Defesa fizeram manobras
de intimidação para fortalecer Bolsonaro no momento em que o governo está sendo
investigado no Senado. Em momentos assim, os meios-tons desaparecem. Todo
silêncio é cúmplice. O presidente da Câmara, Arthur Lira, usou rede social para
uma mensagem confusa, em que critica o “oportunismo”, mas não diz a quem se
refere. No único recado claro, Lira afirma que a Câmara “continuará com as
reformas” para o desenvolvimento do Brasil. Que reformas?
A proposta do Imposto de Renda é
desastrosa. Ataca da classe média às holdings, eleva a carga tributária,
complica o pagamento de impostos. Os números mutantes do ministro Paulo Guedes
comprovam a falta de solidez. A proposta reduz o IRPJ em cinco pontos em dois
anos, para compensar a taxação sobre dividendos. Dois dias depois, criticado,
Paulo Guedes disse que poderia ser num ano só. Mais algumas críticas e ele
falou em cortar 10 pontos. Não se improvisa sobre o sistema tributário, porque
erros ferem a economia ou o Tesouro nacional. Arthur Lira promete consertar o
projeto. Ora, ora. Devolva-se para melhores estudos e cálculos. A reforma
administrativa eleva o risco de aparelhamento do Estado. O projeto de
privatização da Eletrobras é um Frankenstein. Há propostas tramitando na Câmara
que são ataques diretos ao meio ambiente e aos povos indígenas. Não é com
ameaças aos contribuintes, servidores, indígenas e florestas que o Brasil terá
desenvolvimento econômico.
Bolsonaro no décimo quinto dia sem resposta sobre o que houve no encontro com os irmãos Miranda voltou a ofender os senadores da CPI e confessou a própria incompetência. “Não posso tomar providência de tudo que chega a mim.” O que chegou a ele foi a denúncia de corrupção em compra de vacina no meio de uma pandemia. Bolsonaro nunca desmentiu o relato do deputado Luis Miranda de que levantou a suspeita de ser coisa do seu líder na Câmara, deputado Ricardo Barros. A frase de ontem mostra que os seus palavrões e sua vulgaridade nada resolveram. Ele começou a assumir que ouviu o que ouviu. E nada fez. Prevaricou.
A crise que os militares criaram na última
semana continuará pesando sobre nós, porque eles não recuaram. A nota foi
escrita para tentar amedrontar a CPI, que acumula, a cada dia, provas de que as
decisões na gestão da pandemia levaram a um aumento do número de mortes em
centenas de milhares. O ministro da Defesa, Walter Braga Netto, esteve na
cadeia de comando de algumas dessas decisões, quando era chefe da Casa Civil.
Acima de Pazuello, estava Braga Netto coordenando o comitê da pandemia. E,
acima dele, Bolsonaro. Os três tomaram decisões, ou deixaram de tomar, que
levaram ao agravamento da tragédia brasileira.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, na
sexta-feira, fez um bom discurso e disse boas palavras. Sim, será inimigo da
Nação quem provocar um retrocesso na democracia brasileira. O recado era
necessário. Porém, Pacheco acha que a única coisa que faltou foi ele conversar
com o comandante da Aeronáutica. Não há conversa que apague as palavras da
entrevista do brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, na qual ele repetiu
as ameaças da nota da véspera e ainda entrou na briga política. “Alguns valores
como combate à corrupção, valores republicanos, foram a base da campanha do
presidente Bolsonaro, que o elegeram. Para que a oposição volte, ela tem que
combater esses valores.” Essas palavras são absurdas, vindas de um comandante
militar, que além disso lembra o que tem no coldre. “Um homem armado não
ameaça”, afirmou o brigadeiro. De noite, o comandante da Marinha em rede social
apoiou o brigadeiro, invocando o “espírito de corpo forte”. Os militares atacam
a CPI enquanto o presidente repete aos gritos que pode não haver eleições.
Felizmente, os ministros Luís Barroso e Alexandre de Moraes alertaram que
ameaçar as eleições é crime de responsabilidade.
Os sinais são inequívocos. Tentar pôr panos
quentes sobre o que os comandantes militares fizeram e disseram nos últimos
dias é contribuir para o aumento dos riscos institucionais. O presidente ataca
a democracia brasileira, os comandantes militares e ministro da Defesa estão
dando cobertura. Em momentos-limite assim não há espaço para o silêncio.
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