Adversários e aliados providos de senso
realista já não contam com ele como alternativa e o contencioso eleitoral de
2022 tende a se organizar em torno dos campos da esquerda e da centro-direita.
O primeiro já se encarnou numa candidatura forte, com jeito de favorita. O
segundo caminha nessa direção e é questão de tempo a sua encarnação também.
Sem prognósticos, esses dois campos disputarão, democraticamente, o centro político, condição para qualquer deles chegar ao governo. Para o bem da democracia e alívio do país e de suas instituições tudo caminha para a disputa de 2022 ter essa feição centrípeta, politicamente agregadora, sem prejuízo de intenso e necessário debate sobre diferentes visões do mundo, do país e da política. Divisa-se no horizonte que, com qualquer resultado, num cenário desse o pluralismo democrático sairá vencedor. Que assim seja!
Como também essa coluna vem insistindo
desde que surgiu, em dezembro de 2020 - e como este colunista e muitos outros
argumentam bem antes disso -, o atual derretimento eleitoral e o previsível
isolamento político radical de Bolsonaro não significam que ele tenha deixado
de ser um problema sério e um perigo real para o país e para a democracia. À medida
em que caminha, agora a passos largos, para a sua irrelevância eleitoral, a
fera acuada tende a aumentar sua truculência verbal (e virtualmente prática) e
a emissão de gases venenosos contra a Constituição, as instituições em geral e
as eleições, em particular.
Ainda que não existam – como, de fato, não
existem - atores relevantes dispostos a acompanhá-lo numa aventura subversiva e
ainda que não existam – como, de fato, não existem - instituições dispostas a
se dobrar a seus planos ou a seus impulsos reativos, dois fatores de risco não
podem ser subestimados. Primeiro, sua disposição, já comprovada e
potencializada pelos seus sucessivos fracassos, de não respeitar limites do
jogo político, seja quando atua na defesa, seja no ataque. Isso pode provocar
erosão grave da credibilidade das instituições democráticas. Segundo a
possibilidade, que ele ainda tem, de provocar caos social pelo fomento do medo
e do desespero através do uso da violência, para, em seguida, usar a mesma
violência como argumento para uma solução autoritária.
As mesmas forças políticas e sociais que farão
o debate eleitoral democrático em torno das suas diferenças precisam permanecer
atentas e unificadas (como mostram já em grande parte estar) em torno de uma
plataforma mínima de relevância máxima: conter o intruso e defender
positivamente a Constituição, as instituições, o calendário e o processo
eleitorais.
Serão várias as armadilhas no caminho dessa
unidade política imprescindível a que tenhamos, daqui a um ano, uma eleição plural.
Desde a exumação de conflitos do passado recente até a antecipação de um tom
exacerbado de desconstrução mútua entre os dois campos políticos. Eles precisam,
ao contrário, entender-se bem agora para competirem, civilizadamente, depois.
Esse é o óbvio e complexo mapa da mina para superar as crises do presente,
aliviar duros sofrimentos do povo, salvar e fazer avançar a democracia. Ser
leão para afugentar uma fera já acuada e raposa para desarmar as armadilhas
inerentes a uma transição de poder é uma sugestão maquiaveliana de validade
recorrente, que não pode ser confundida com o “maquiavelismo” tosco do
raciocínio de um eu fantasiado de “nós” contra o resto, desqualificado como
“eles”. É preciso desatar os nós e valorizar os eles.
*Cientista político
e professor da UFBa
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