domingo, 11 de julho de 2021

Paulo Fábio Dantas Neto* - Maquiavelianas e maquiavelismos (ou, não haverá “nós” sem “eles”)

Lances mais recentes do processo político brasileiro (na sociedade política e na sociedade civil) e as mais atuais mensurações da percepção do eleitorado desdobram-se na direção do que essa coluna vinha cogitando há vários meses. Bolsonaro é, cada dia menos, um ator decisivo na competição política prévia a 2022 e, cada dia mais, um intruso nesse processo.

Adversários e aliados providos de senso realista já não contam com ele como alternativa e o contencioso eleitoral de 2022 tende a se organizar em torno dos campos da esquerda e da centro-direita. O primeiro já se encarnou numa candidatura forte, com jeito de favorita. O segundo caminha nessa direção e é questão de tempo a sua encarnação também.

Sem prognósticos, esses dois campos disputarão, democraticamente, o centro político, condição para qualquer deles chegar ao governo. Para o bem da democracia e alívio do país e de suas instituições tudo caminha para a disputa de 2022 ter essa feição centrípeta, politicamente agregadora, sem prejuízo de intenso e necessário debate sobre diferentes visões do mundo, do país e da política. Divisa-se no horizonte que, com qualquer resultado, num cenário desse o pluralismo democrático sairá vencedor.  Que assim seja!

Como também essa coluna vem insistindo desde que surgiu, em dezembro de 2020 - e como este colunista e muitos outros argumentam bem antes disso -, o atual derretimento eleitoral e o previsível isolamento político radical de Bolsonaro não significam que ele tenha deixado de ser um problema sério e um perigo real para o país e para a democracia. À medida em que caminha, agora a passos largos, para a sua irrelevância eleitoral, a fera acuada tende a aumentar sua truculência verbal (e virtualmente prática) e a emissão de gases venenosos contra a Constituição, as instituições em geral e as eleições, em particular.

Ainda que não existam – como, de fato, não existem - atores relevantes dispostos a acompanhá-lo numa aventura subversiva e ainda que não existam – como, de fato, não existem - instituições dispostas a se dobrar a seus planos ou a seus impulsos reativos, dois fatores de risco não podem ser subestimados. Primeiro, sua disposição, já comprovada e potencializada pelos seus sucessivos fracassos, de não respeitar limites do jogo político, seja quando atua na defesa, seja no ataque. Isso pode provocar erosão grave da credibilidade das instituições democráticas. Segundo a possibilidade, que ele ainda tem, de provocar caos social pelo fomento do medo e do desespero através do uso da violência, para, em seguida, usar a mesma violência como argumento para uma solução autoritária.

As mesmas forças políticas e sociais que farão o debate eleitoral democrático em torno das suas diferenças precisam permanecer atentas e unificadas (como mostram já em grande parte estar) em torno de uma plataforma mínima de relevância máxima: conter o intruso e defender positivamente a Constituição, as instituições, o calendário e o processo eleitorais.

Serão várias as armadilhas no caminho dessa unidade política imprescindível a que tenhamos, daqui a um ano, uma eleição plural. Desde a exumação de conflitos do passado recente até a antecipação de um tom exacerbado de desconstrução mútua entre os dois campos políticos. Eles precisam, ao contrário, entender-se bem agora para competirem, civilizadamente, depois. Esse é o óbvio e complexo mapa da mina para superar as crises do presente, aliviar duros sofrimentos do povo, salvar e fazer avançar a democracia. Ser leão para afugentar uma fera já acuada e raposa para desarmar as armadilhas inerentes a uma transição de poder é uma sugestão maquiaveliana de validade recorrente, que não pode ser confundida com o “maquiavelismo” tosco do raciocínio de um eu fantasiado de “nós” contra o resto, desqualificado como “eles”. É preciso desatar os nós e valorizar os eles.

*Cientista político e professor da UFBa

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