domingo, 11 de julho de 2021

Pablo Ortellado - Reação corporativa

O Globo

O ministro da Defesa e os comandantes das Forças Armadas publicaram dura nota criticando o senador Omar Aziz, presidente da CPI da Covid, que disse que o “lado podre das Forças Armadas” estaria “envolvido com falcatrua dentro do governo”. Na nota, os militares consideraram a declaração de Aziz “grave”, “infundada” e “irresponsável”, porque seria generalizante.

A resposta da Defesa é preocupante de muitas maneiras. Em primeiro lugar, quando Aziz falou de “lado podre”, ele não generalizou. Referiu-se apenas a uma parte das Forças Armadas. Aparentemente, os militares não aceitam que se fale de banda podre; quando muito, admitem que existam “casos isolados”.

Além disso, a nota da Defesa conclui com uma ameaça, totalmente fora de tom, dizendo que “as Forças Armadas não aceitarão qualquer ataque leviano”. Em entrevista ao GLOBO, o brigadeiro Baptista Junior, comandante da Força Aérea, preferiu deixar no ar o que quis dizer com “não aceitar”.

Por fim, os militares preferiram atacar os críticos da corrupção a tomar distância daqueles que parecem ter tentado desviar dinheiro da compra de vacinas. É difícil entender como essa nota autoritária, arrogante e corporativa ajude a preservar a imagem das Forças Armadas.

Quando um grande número de militares entrou no governo em 2019, argumentou-se que havia nas Forças Armadas uma grande quantidade de talentos que não vinham sendo aproveitados pelo serviço público brasileiro por puro preconceito dos governos civis pós-1985.

O argumento dizia que os militares poderiam contribuir para o país muito além das áreas de defesa e segurança, emprestando suas competências para a infraestrutura ou para a comunicação —mais ou menos como o Itamaraty vinha fazendo em áreas como economia e cultura. Essa participação em governos civis poderia ajudar a superar os traumas do regime militar e normalizar a participação de ex-militares na vida nacional, como acontece nos EUA.

O que aconteceu com o governo Bolsonaro foi outra coisa. Ele trouxe um grande número de militares para o governo — cerca de 6 mil, mais do que o dobro de governos anteriores — e apresentou essa elevada participação como se a corporação estivesse diretamente engajada em seu projeto político.

Se as Forças Armadas não querem ser estigmatizadas como corruptas, não fazem um bom serviço publicando notas arrogantes e corporativas como a da última quarta-feira.

É do interesse de todos os brasileiros que as Forças Armadas tenham uma imagem consolidada como confiáveis e profissionais. Para isso, os militares precisam dissociar sua imagem daquela de parceiros e garantidores das aventuras radicais e autoritárias do governo Bolsonaro. Têm ainda de estar preparados para cortar na carne se confirmarem-se as gravíssimas acusações de que Pazuello ou Elcio Franco estiveram envolvidos em corrupção no Ministério da Saúde.

Quem tão efusivamente se indignou com a corrupção de governos passados não pode passar a mão na cabeça de escroque que desviou dinheiro de vacina.

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