O Estado de S. Paulo
No próximo já vamos saber se haverá uma
candidatura de centro apta a ganhar a eleição
A maioridade do Real e os próximos 18 anos foi
o título de artigo que publiquei neste espaço em julho de 2012. Passados nove
anos, o Real completa seus primeiros 27 anos de vida. Brasileiros que têm hoje
menos de 46 anos de idade (a maioria de nossa população) não têm lembrança
relevante sobre a marcha da insensatez que foi a evolução do processo
inflacionário no Brasil pré-Real. Muito menos memória vivida das
disfuncionalidades econômicas e sociais de uma inflação crônica, alta e
crescente como a que por décadas nos assolou.
Já os brasileiros que tinham menos de 46
anos em 1989 (a maioria da população) jamais haviam votado em eleições diretas
para presidente da República; a última havia sido em 1960. O Real já dura seis
anos mais do que os 21 que durou o regime militar. Esperemos que tenha vindo para
ficar como a definitiva moeda nacional com poder de compra estável. E que,
apesar dos desejos explícitos de alguns nostálgicos, o Brasil tenha aprendido
que regimes militares não são solução política para nossos inúmeros problemas.
O título do artigo de 2012 também se referia aos 18 anos seguintes, porque propunha olhar à frente, até 2030. Seriam nada menos que cinco eleições presidenciais nesse período. As duas primeiras não foram animadoras. A de 2014, por motivos sobejamente conhecidos. A de 2018, por questões que vêm ficando cada vez mais claras: a falência do presidencialismo de confrontação permanente e sua incapacidade (evidente na pandemia) de governar para o conjunto dos brasileiros, e não apenas para sua aguerrida militância. A eleição do próximo ano será fundamental para definir o restante desta década e, quem sabe, acalentar a esperança de que não vamos, mais uma vez, adiar nosso futuro.
Reli minhas memórias de julhos passados
pensando em julhos futuros. Hoje, o mais importante é o do próximo ano.
Saberemos ali se haverá possibilidade crível de uma candidatura de um centro
ampliado, apta a ganhar as eleições e governar o País no quadriênio 2023-2026.
Isso exigirá compromissos de pessoas e partidos dispostos a participar de um
futuro governo, com o Congresso que resulte das urnas. Pessoas capazes de
mobilizar equipes com competências técnicas, profissionais e políticas que
possam inspirar confiança no Brasil e seu futuro.
Salto para julho de 2024. O Real alcançará
o seu 30.º ano e o governo eleito daqui a 15 meses (parece muito, mas
não é) terá tido a oportunidade de dizer a que veio em seus primeiros 18 meses
(parece pouco, mas não é), ou 40% do tempo que terá até as eleições de 2026.
Meu artigo de julho de 2017 reproduz
observação do economista Larry Summers relevante para o Brasil: “É preciso
estar preparado para observar longas cadeias de causas e consequências ...
pensar e debater sobre um problema ... considerar propostas para sua solução
não significa que o problema será rapidamente resolvido. Mas o debate
afeta o clima de opiniões e as coisas podem evoluir da condição de
inconcebíveis para a condição de inevitáveis”. Evoluir de uma condição para a
outra é o grande desafio político e técnico de qualquer governo democrático, se
é verdade que a política é a arte de tornar possível amanhã aquilo que parece
difícil ou impossível hoje.
Uma coisa é a eloquência dos discursos
eleitorais, marcados por certezas e propostas de soluções gerais. Outra, à qual
o discurso eleitoral precisa (por vezes penosamente) adequar-se, é o
pragmatismo responsável. A que estão obrigados aqueles que têm de lidar com
recursos escassos, conflitos de interesse e as incertezas, os riscos e as
consequências (intencionais ou não) de suas decisões.
Esse é o grande desafio, que no Brasil é
ainda maior por duas razões. Primeiro, porque somos a terceira maior democracia
de massas urbanas do mundo, com inúmeras demandas postas por uma sociedade
muito injusta, com carências e mazelas sociais incompatíveis com o grau de
civilização que acreditamos haver alcançado. Segundo, porque vários governos,
no curso de sua caminhada antes de chegar ao poder, exacerbaram muitas dessas
demandas, criando a expectativa de que seriam atendidas no espaço de sua
gestão. Não há aqui crítica ao legítimo processo democrático. Há a constatação
de situação objetiva que um novo governo estará sempre obrigado a enfrentar. O
desenvolvimento econômico e social, que parecia – no discurso – simples
consequência do exercício de “vontade política”, revela-se sempre muito mais
complexo, à luz de conflitos de interesses e da capacidade de vocalização dos
setores mais organizados da sociedade. Que raramente representam a
desorganizada, esperançosa e carente maioria.
É o processo pelo qual o Brasil vem passando e no qual terá de avançar. Como encerrei o artigo de julho de quatro anos atrás: “Sem maniqueísmos, sem ilusões. Sem busca de atalhos, sabendo que não é fácil lidar com interesses corporativos longamente constituídos. Mas o País não tem alternativa se deseja crescer de forma sustentada a taxas mais elevadas, com justiça social, estabilidade macroeconômica e menos ineficiência em seu setor público. Não é fácil. Nunca foi. Nunca será. Mas há que acreditar que é possível – e procurar trabalhar para tal”.
*Economista, foi ministro da Fazenda no
governo FHC.
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