domingo, 11 de julho de 2021

Elio Gaspari - A Venezuela ficou mais perto

Folha de S. Paulo / O Globo

Depois da nota do ministro da Defesa e dos três comandantes militares contra o senador Omar Aziz, Brasil se aproxima das milícias e dos generais de Hugo Chávez e Nicolás Maduro

A Venezuela das milícias e dos generais de Hugo Chávez e Nicolás Maduro continua longe, mas ficou mais perto depois da nota do ministro da Defesa e dos três comandantes militares contra o senador Omar Aziz.

Desde 2018, quando o general Villas Bôas soltou seu famoso tuíte prensando o Supremo Tribunal Federal, a cúpula militar mudou de passo. Naquela ocasião, tomando-se a intenção do general, ele se alinhava com o modo de combate à corrupção do juiz Sergio Moro. A nota de quarta-feira teve sentido diverso.

Presidindo a CPI da Covid, o senador Omar Aziz disse que há muito tempo “não via membros do lado podre das Forças Armadas envolvidos com falcatrua dentro do governo”. O senador acabara de dar voz de prisão a um ex-sargento da Força Aérea acusado por um cabo da Polícia Militar de ter pedido um pixuleco de US$ 400 milhões para comprar uma vacina indiana. Em torno do negócio, farfalhavam, dois oficiais da reserva do Exército.

Como o senador explicou, foi uma observação pontual. Quem viu o coronel da reserva e ex-deputado José Costa Cavalcanti construir a hidrelétrica de Itaipu sem mudar seu padrão de vida sabe do que o senador fala.

O ministro da Defesa e os três comandantes responderam com uma veemente rajada de adjetivos: vil, leviana, infundada, grave, irresponsável.

Até aí poderiam ser salvas trocadas, ainda que com exagero. O passo em falso esteve nas 20 palavras da última frase:

“As Forças Armadas não aceitarão qualquer ataque leviano às Instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro.”

Ganha um fim de semana em Caracas quem souber o que quiseram dizer. No limite, bastaria um cabo para fechar a CPI, o Congresso e os tribunais que se pusessem no caminho.

Feito isso, o que as Forças Armadas fariam com elas e com o país? Se a passagem do general da ativa Eduardo Pazuello com seu pelotão de militares for uma amostra, as coisas que vão mal haveriam de piorar.

Nos rolos das vacinas, salvo o cabo da PM mineira, não há militares em funções profissionais de suas Forças. Estão todos da reserva ou ocupavam cargos da administração civil.

Faz tempo, quando viu as instituições democráticas ameaçadas, o general Castelo Branco, então chefe do Estado-Maior do Exército, disse:

 “Não sendo milícia, as Forças Armadas não são armas para empreendimentos antidemocráticos. Destinam-se a garantir os Poderes constitucionais e sua coexistência.”

Mais perto

Repetindo: a Venezuela continua longe, mas vai ficando mais perto.

Circula na Câmara um anteprojeto de Emenda Constitucional que altera a relação das Polícias Militares com os governos estaduais.

Elas ganhariam autonomia financeira, administrativa e funcional.

Hoje, a maior patente das PMs é a de coronel. Elas passariam a ter três tipos de generais: tenente-general, major-general e brigadeiro-general.

Os comandantes das polícias militares são coronéis escolhidos pelos governadores. Passariam a ser escolhidos a partir de uma lista tríplice elaborada pelo terço dos oficiais mais antigos, com curso de estado-maior. Escolhido, o comandante terá um mandato de dois anos e para demiti-lo o governador deverá justificar o motivo relevante, “devidamente comprovado”.

O presidente da República pode nomear um procurador-geral que não está na lista tríplice de seus pares. Assim se deu com a escolha do doutor Augusto Aras. Os governadores não poderiam fazer o mesmo.

Caracas fica longe, e nada indica que essa mudança será aprovada pelo Congresso, mas ela existe.

Mais longe

Quando Bolsonaro diz que “ou fazemos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições”, ele se afasta de qualquer modelo venezuelano.

À maneira deles, Hugo Chávez e Nicolás Maduro realizaram todas as eleições determinadas pelo calendário.

O sono do presidente

Saiu nos Estados Unidos o livro “King Richard — Nixon and Watergate an American Tragedy”, do jornalista americano Michael Dobbs (nada a ver com o homônimo inglês, autor de “House of Cards”).

É mais uma boa tentativa de contar o escândalo do Watergate, que em 1974 custou a presidência dos Estados Unidos a Richard Nixon.

Ele cuida de um aspecto da ruína do doutor: a insônia. Nixon foi do Valium para o Seconal, noves fora o uísque, quando as coisas pioraram.

Dobbs cita um estudo do psicoterapeuta de Nixon, que cuidou do sono de muitos clientes poderosos. Segundo o médico, neurose todo mundo tem, mas seus clientes padeciam de um tipo de “agressão interna”, fruto de traumas de infância, que os levava a uma obsessiva necessidade de se desafiarem. Daí resultaria uma paixão pelo poder que deveria ser canalizada numa direção positiva. Para isso, o primeiro passo seria pedir ajuda a um psiquiatra.

Novos tempos

De uma víbora que já viu de tudo.

 “Antigamente havia alguma conexão entre roubalheira e progresso. Com o Juscelino, construíram Brasília, com o PT avançaram em cima de refinarias e plataformas de exploração de petróleo. Agora, estavam mordendo vacinas.”

O oligopólio se defende

Tramita no Senado um projeto aprovado em regime de urgência na Câmara, mexendo com as concessões de transportes públicos.

De um lado, ele mexe com a concessão de 14 mil linhas concedidas nos últimos anos. Essa abertura veio em nome da liberalização de um mercado que se blindou ao longo das décadas e desagradou as grandes empresas.

De outro, fecha o sistema de transportes ao novo: proibindo a operação de empresas de ônibus fretados por meio de aplicativos como o Buser.

Algo como proibir o Uber no nicho dos ônibus.

Uma coisa nada tem a ver com a outra, mas ambas protegem os interesses dos donos de grandes empresas, e a iniciativa é amparada por parlamentares ligados a elas.

Tudo no escurinho de Brasília.

Basta

O doutor Roberto Dias, ex-sargento da FAB e ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde, pode ou não ter pedido o pixuleco de US$ 400 milhões ao cabo Dominguetti.

É certo, contudo, que ele entrou no serviço público se valendo do sistema de cotas para afrodescendentes.

Namorando um vexame

Nos bastidores da CPI, namora-se a possibilidade de incluir no relatório do senador Renan Calheiros uma denúncia contra Jair Bolsonaro ao Tribunal Internacional de Haia por genocídio ou seja lá o que for.

Se essa ideia prosperar, acabará em espetáculo e vexame.

A ideia de associar Bolsonaro a um genocídio pode ser boa para gritar na rua, mas mistificação e a inépcia nada têm a ver com esse tipo de crime.

No genocídio, há um alvo específico: os judeus para os nazistas, os armênios para os turcos, os tútsis para os hutus de Ruanda.

O negacionismo do capitão, como o de Donald Trump nos Estados Unidos, matou indiscriminadamente, aliados e adversários.

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