Folha de S. Paulo / O Globo
Depois da nota do ministro da Defesa e dos três
comandantes militares contra o senador Omar Aziz, Brasil se aproxima das
milícias e dos generais de Hugo Chávez e Nicolás Maduro
A Venezuela das milícias e dos generais de Hugo Chávez e Nicolás
Maduro continua longe, mas ficou mais perto depois da nota do ministro da
Defesa e dos três comandantes militares contra o senador Omar Aziz.
Desde 2018,
quando o general Villas Bôas soltou seu famoso tuíte prensando o Supremo
Tribunal Federal, a cúpula militar mudou de passo. Naquela ocasião, tomando-se
a intenção do general, ele se alinhava com o modo de combate à corrupção do
juiz Sergio Moro. A nota de quarta-feira teve sentido diverso.
Presidindo a CPI
da Covid, o senador Omar Aziz disse que há muito tempo “não via membros do lado
podre das Forças Armadas envolvidos com falcatrua dentro do governo”. O senador
acabara de dar voz de prisão a um ex-sargento da Força Aérea acusado por um
cabo da Polícia Militar de ter pedido um pixuleco de US$ 400 milhões para
comprar uma vacina indiana. Em torno do negócio, farfalhavam, dois oficiais da
reserva do Exército.
Como o senador explicou, foi uma observação pontual. Quem viu o coronel da
reserva e ex-deputado José Costa Cavalcanti construir a hidrelétrica de Itaipu
sem mudar seu padrão de vida sabe do que o senador fala.
O ministro da
Defesa e os três comandantes responderam com uma veemente rajada de adjetivos:
vil, leviana, infundada, grave, irresponsável.
Até aí poderiam
ser salvas trocadas, ainda que com exagero. O passo em falso esteve nas 20
palavras da última frase:
“As Forças
Armadas não aceitarão qualquer ataque leviano às Instituições que defendem a
democracia e a liberdade do povo brasileiro.”
Ganha um fim de semana em Caracas quem souber o que quiseram dizer. No limite, bastaria um cabo para fechar a CPI, o Congresso e os tribunais que se pusessem no caminho.
Feito isso, o que
as Forças Armadas fariam com elas e com o país? Se a passagem do general da
ativa Eduardo Pazuello com seu pelotão de militares for uma amostra, as coisas
que vão mal haveriam de piorar.
Nos rolos das
vacinas, salvo o cabo da PM mineira, não há militares em funções profissionais
de suas Forças. Estão todos da reserva ou ocupavam cargos da administração
civil.
Faz tempo, quando
viu as instituições democráticas ameaçadas, o general Castelo Branco, então
chefe do Estado-Maior do Exército, disse:
“Não sendo milícia, as
Forças Armadas não são armas para empreendimentos antidemocráticos. Destinam-se
a garantir os Poderes constitucionais e sua coexistência.”
Mais perto
Repetindo: a
Venezuela continua longe, mas vai ficando mais perto.
Circula na Câmara
um anteprojeto de Emenda Constitucional que altera a relação das Polícias
Militares com os governos estaduais.
Elas ganhariam
autonomia financeira, administrativa e funcional.
Hoje, a maior
patente das PMs é a de coronel. Elas passariam a ter três tipos de generais:
tenente-general, major-general e brigadeiro-general.
Os comandantes
das polícias militares são coronéis escolhidos pelos governadores. Passariam a
ser escolhidos a partir de uma lista tríplice elaborada pelo terço dos oficiais
mais antigos, com curso de estado-maior. Escolhido, o comandante terá um
mandato de dois anos e para demiti-lo o governador deverá justificar o motivo
relevante, “devidamente comprovado”.
O presidente da
República pode nomear um procurador-geral que não está na lista tríplice de
seus pares. Assim se deu com a escolha do doutor Augusto Aras. Os governadores
não poderiam fazer o mesmo.
Caracas fica
longe, e nada indica que essa mudança será aprovada pelo Congresso, mas ela
existe.
Mais longe
Quando Bolsonaro
diz que “ou fazemos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições”, ele se
afasta de qualquer modelo venezuelano.
À maneira deles,
Hugo Chávez e Nicolás Maduro realizaram todas as eleições determinadas pelo
calendário.
O sono do presidente
Saiu nos Estados
Unidos o livro “King Richard — Nixon and Watergate an American Tragedy”, do
jornalista americano Michael Dobbs (nada a ver com o homônimo inglês, autor de
“House of Cards”).
É mais uma boa
tentativa de contar o escândalo do Watergate, que em 1974 custou a presidência
dos Estados Unidos a Richard Nixon.
Ele cuida de um
aspecto da ruína do doutor: a insônia. Nixon foi do Valium para o Seconal,
noves fora o uísque, quando as coisas pioraram.
Dobbs cita um
estudo do psicoterapeuta de Nixon, que cuidou do sono de muitos clientes
poderosos. Segundo o médico, neurose todo mundo tem, mas seus clientes padeciam
de um tipo de “agressão interna”, fruto de traumas de infância, que os levava a
uma obsessiva necessidade de se desafiarem. Daí resultaria uma paixão pelo
poder que deveria ser canalizada numa direção positiva. Para isso, o primeiro
passo seria pedir ajuda a um psiquiatra.
Novos tempos
De uma víbora que
já viu de tudo.
“Antigamente havia alguma
conexão entre roubalheira e progresso. Com o Juscelino, construíram Brasília,
com o PT avançaram em cima de refinarias e plataformas de exploração de
petróleo. Agora, estavam mordendo vacinas.”
O oligopólio se
defende
Tramita no Senado
um projeto aprovado em regime de urgência na Câmara, mexendo com as concessões
de transportes públicos.
De um lado, ele
mexe com a concessão de 14 mil linhas concedidas nos últimos anos. Essa
abertura veio em nome da liberalização de um mercado que se blindou ao longo
das décadas e desagradou as grandes empresas.
De outro, fecha o
sistema de transportes ao novo: proibindo a operação de empresas de ônibus
fretados por meio de aplicativos como o Buser.
Algo como proibir
o Uber no nicho dos ônibus.
Uma coisa nada
tem a ver com a outra, mas ambas protegem os interesses dos donos de grandes
empresas, e a iniciativa é amparada por parlamentares ligados a elas.
Tudo no escurinho
de Brasília.
Basta
O doutor Roberto
Dias, ex-sargento da FAB e ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde, pode
ou não ter pedido o pixuleco de US$ 400 milhões ao cabo Dominguetti.
É certo, contudo,
que ele entrou no serviço público se valendo do sistema de cotas para
afrodescendentes.
Namorando um vexame
Nos bastidores da
CPI, namora-se a possibilidade de incluir no relatório do senador Renan
Calheiros uma denúncia contra Jair Bolsonaro ao Tribunal Internacional de Haia
por genocídio ou seja lá o que for.
Se essa ideia
prosperar, acabará em espetáculo e vexame.
A ideia de
associar Bolsonaro a um genocídio pode ser boa para gritar na rua, mas
mistificação e a inépcia nada têm a ver com esse tipo de crime.
No genocídio, há
um alvo específico: os judeus para os nazistas, os armênios para os turcos, os
tútsis para os hutus de Ruanda.
O negacionismo do capitão, como o de Donald Trump nos Estados Unidos, matou indiscriminadamente, aliados e adversários.
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