O Globo
Jair Bolsonaro levou a cultura das milícias
para o Planalto. Antes de chegar lá, o capitão já defendia a solução de
conflitos no grito e nas armas. Eleito, transformou o autoritarismo e a
truculência em modo de governar.
Não é preciso ir a Caracas para entender o
projeto bolsonarista. Basta passar em Rio das Pedras, a três quilômetros em
linha reta do condomínio Vivendas da Barra. A favela foi o berço das máfias que
se infiltraram na polícia e na política fluminenses. Quando o esquema da
rachadinha veio à tona, foi lá que se escondeu Fabrício Queiroz, o faz-tudo da
família presidencial.
No livro “A república das milícias”, Bruno
Paes Manso sustenta que o milicianismo está na raiz da extrema direita no
poder. Ele desenvolve a tese no ensaio “República Federativa de Rio das
Pedras”, que será publicado na próxima edição da revista “Serrote”.
O texto traça semelhanças entre o modelo
econômico das milícias e as práticas do governo atual. Nas favelas, os
paramilitares começaram extorquindo moradores com a conivência das autoridades.
Depois passaram a contrabandear mercadorias, negociar drogas e invadir áreas
verdes para construir à margem da lei.
Em escala nacional, o bolsonarismo também incentiva um capitalismo predatório e sem controle. Estimula a destruição de florestas e a invasão de terras indígenas, favorece o garimpo ilegal, protege grileiros e madeireiros. “Tudo em benefício do lucro de quadrilhas simpáticas aos valores milicianistas, sempre passando por cima do interesse das minorias ou de valores coletivos democráticos”, escreve o pesquisador.
Na cabeça do miliciano, as instituições só
atrapalham. A fiscalização ambiental atravanca o progresso. A imprensa e a
sociedade civil querem se meter no governo. O Legislativo e o Judiciário
impedem o presidente de trabalhar. Quem contesta os desmandos do capitão é
comunista ou inimigo do país.
“Bolsonaro não interpreta o revoltado: ele
acredita em sua raiva e a remói em tempo integral”, escreve Paes Manso. Ele
lembra que o presidente passou 28 anos no Congresso, mas nunca se se dedicou ao
debate de políticas públicas. “No máximo, voltava a obsessões que parecem
sinceras: armar a população, deixar a polícia mais livre para matar, explorar o
nióbio, relaxar o controle sobre o garimpo”, afirma.
O descaso com a pandemia espelha essa visão
de mundo. Bolsonaro incitou os brasileiros a enfrentarem o vírus “de peito
aberto”. Chamou a preocupação com a doença de “mimimi” e coisa de “maricas”. A
novidade da CPI da Covid foi mostrar que o boicote às vacinas não foi ditado
apenas pelo negacionismo. Havia civis e militares interessados em faturar com o
morticínio.
O derretimento nas pesquisas gerou um
impasse para o governo miliciano. Se as eleições fossem hoje, o “Mito” seria
derrotado no primeiro turno. Isso explica a escalada golpista que dominou o
noticiário nos últimos dias.
A cúpula das Forças Armadas atacou a CPI. O
capitão xingou um ministro do Supremo e ameaçou impedir a realização das
eleições de 2022. Bolsonarista de carteirinha, o novo comandante da Aeronáutica
mostrou que também segue o estilo Rio das Pedras. Em tom de ultimato, avisou
que “homem armado não ameaça”.
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