domingo, 11 de julho de 2021

Vinicius Torres Freire - Brasil se acomoda à ideia de golpe

Folha de S. Paulo

Destruição institucional avança com reação tímida a ameaças de Bolsonaro e militares

Em fins de 2017, donos do dinheiro e outras elites normalizavam Jair Bolsonaro. O capitão da extrema direita não se tornou apenas uma variável política do cálculo financeiro, mas uma alternativa aceitável, a segunda opção para derrotar o PT, e foi então tratado como alguém que pudesse integrar o convívio democrático.

Em meados de 2021, corremos o risco de normalizar a ideia de golpe contra a democracia, graças à omissão, à conivência ou à militância de parte dessas elites e também a outros problemas de uma sociedade politicamente desorganizada.

Não é o caso de alertar para a gestação de um golpe de fato, da mudança de instituições pela força bruta ou do fim da possibilidade de alternância de poder. Não há condições políticas, sociais e talvez nem mesmo militares para tanto, por ora. Trata-se de notar a inclusão definitiva da promessa de golpe no projeto bolsonarista de destruição do Estado. É mais do que desgoverno. Basta dar o exemplo da tentativa de Bolsonaro de arruinar duas competências emblemáticas do país, o sistema de vacinação e o voto pela urna eletrônica. Mais do que tentativas, já há sucessos, vide a partidarização das Forças Armadas.

Além dos oficiais embarcados no governo, agora também os comandantes militares subscrevem a baderna e a subversão de Bolsonaro, que engaja a tropa com salários, boquinhas e promoção da ditadura militar e da tortura. Como será possível governos democráticos conviverem com um Partido Militar?

O risco de normalização da ideia de golpe ficou evidente na fraqueza da reação à ameaça de Bolsonaro contra a eleição de 2022 e dos militares contra o Senado. Foram três dias de arreganhos autoritários. A única reação maior veio de Luís Barroso, ministro do Supremo e presidente do TSE. Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado e colaboracionista contumaz, levou uma prensa de senadores e foi obrigado a dar uma “declaração de repúdio”.

Afora o caso de Barroso, que falou em “crime de responsabilidade”, não houve atitude enérgica e menos ainda prática contra a promoção do golpe. Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara e ora cúmplice maior de Bolsonaro, sumiu até este sábado (10) para então aparecer com a desconversa hipócrita de que “o Brasil será sempre maior do que qualquer disputa política” (para Lira, golpe é “disputa política”).

Não houve reação organizada dos partidos, afora uma nota protocolar pusilânime de legendas em geral colaboracionistas. As elites das “cartas de repúdio” e os “empresários que articulam” calaram-se e nem têm organização para reagir.

Na semana passada, articulavam apenas a derrubada de mais uma incompetência grosseira de Paulo Guedes, essa reforma grotesca e daninha do Imposto de Renda (com o que querem, também, derrubar alta de impostos para ricos, item central do “Pacto do Pato Amarelo” que ajudou a depor Dilma Rousseff).

As “ruas” estão prejudicadas pela epidemia, mas também pela divisão partidária ou eleitoreira dos protestos. Além do mais, a ruína da intermediação política tradicional desorganiza ou dificulta a mobilização contra autoritarismos e abusos. A militância microcapilarizada nas mídias sociais ou de organizações sociais muito descentralizadas não dá conta de formar um movimento prático contra a maré autoritária.

Por um motivo ou outro, o Brasil se acomoda à ideia de que é possível empurrar com a barriga a ameaça golpista, até a eleição. Bolsonaro e militares, por sua vez, promovem a ideia de que o país deve “andar na linha” se não quiser levar um tiro. Isto já é golpe, destruição institucional, crime.

 

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