O Estado de S. Paulo
Hoje o Brasil só ocupa o espaço nobre de canais internacionais com notícias ruins
No dia em que o presidente Jair Bolsonaro
subiu num carro de som para afrontar um ministro do Supremo Tribunal Federal (e
depois se arrependeu), as manchetes nos canais internacionais de notícias foram
um terremoto na Cidade do México, o incêndio num presídio na Indonésia e as
eleições no Marrocos. Como já escrevi neste espaço, emissoras como BBC,
Deutsche Welle, CNN, CGTN e Aljazira têm reduzido o Brasil às letrinhas miúdas
do gerador de caracteres – onde desfilam os assuntos irrelevantes ou curiosos.
Existem dois Brasis, o das letrinhas e o
das manchetes. O interesse internacional sobre nosso país se concentra em dois
temas: economia e meio ambiente. Somos manchete positiva quando cuidamos de
nossas contas públicas – o que traz recursos para investir na área social – e
quando preservamos nossas florestas. Hoje só ocupamos o espaço nobre com
notícias ruins: desmatamento na Amazônia e insegurança institucional que
espanta investidores.
O Brasil que ocupou o espaço nobre nos noticiários da semana passada nada tinha a ver com brados golpistas na Avenida Paulista. As imagens em que populações tradicionais se manifestavam na Esplanada dos Ministérios, defendendo seu direito à terra, se espalharam pelas emissoras e sites internacionais.
O movimento indígena brasileiro tem
repercussão no mundo inteiro. Ele se beneficia há muito tempo da conexão com
redes religiosas. Organizações brasileiras como o Conselho Indigenista
Missionário (Cimi, católico) e o Conselho de Missão Entre Povos Indígenas
(Comin, evangélico) mantêm intercâmbio com movimentos similares da Holanda,
Alemanha e Noruega, entre outros países.
O apoio também vem das redes
ambientalistas. “Demarcar terras e valorizar seus habitantes originais é uma
das melhores maneiras de preservar ecossistemas”, diz Adriana Ramos, uma das
coordenadoras do Instituto Socioambiental, entrevistada no minipodcast da
semana. O combate às mudanças climáticas exige a cooperação de todos os países.
Nessa área, o Brasil tem uma oportunidade única de se tornar uma voz relevante
no mundo globalizado.
Temos a maior floresta equatorial do
planeta, grande parte de nossa matriz energética é renovável e nossa
agricultura é inovadora. Ela se expande com ganhos de produtividade, sem
precisar aumentar a área plantada. Discussões
sobre segurança jurídica na posse da terra
são sempre pertinentes – mas devem levar em consideração, entre outras coisas,
nossa oportunidade de ganhar voz no mundo. Seremos párias globais se não
combatermos o desmatamento da Amazônia de forma radical – e se não respeitarmos
incondicionalmente o direito dos povos indígenas.
O mundo monitora tais questões, pois delas
depende a sobrevivência do planeta. O conhecimento hoje se dá em rede. O
intercâmbio global entre universidades, centros de estudo e organizações
cívicas é um fenômeno típico do mundo moderno, que os especialistas chamam de
“transnational advocacy networks” (voltarei ao assunto nas próximas colunas).
O Brasil das letrinhas e o Brasil das
manchetes são, respectivamente, o Brasil das bravatas e o Brasil dos
resultados. Enquanto o governo não fizer algo de concreto pela economia e no
combate ao desmatamento – área em que todos olham para nós – seguiremos sendo
uma piada sem graça varrida para o rodapé dos noticiários. Nossa voz no mundo
nada terá de relevante: será apenas um grito sem sentido do alto de um carro de
som.
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