Revista Veja
A guerra de Bolsonaro durou menos de 24
horas. Escolheu recuar, para salvar o mandato. Nada de novo: fez isso várias
vezes, como militar e deputado federal
Jair Bolsonaro esgotou sua presidência no
espetáculo do confronto. Tenta agora
salvar os 14 meses de mandato que lhe restam.
A “Declaração à Nação” de ontem é uma
confissão, um desmentido público para uso em processos judiciais no futuro.
É, também, um recuo, um pedido formal de
trégua imediata, de alguém que
percebeu as consequências de rasgar a Constituição no confronto com o
Judiciário, recusando-se a cumprir decisões do Supremo Tribunal Federal —
como enunciou nas ruas de Brasília e de São Paulo, no dia da Independência.
Crimes de responsabilidade são puníveis com a perda do mandato.
Prisioneiro do próprio tumulto, viu-se
diante de um dilema: cumprir o que anunciara significava a sandice de cometer
um crime e arriscar o mandato; recuar era aceitar o risco do descrédito, da
desmoralização entre seus partidários.
A guerra de Bolsonaro durou menos de 24
horas. Ele escolheu recuar, surpreendendo os mais fiéis aliados, que entenderam
como uma capitulação, ou rendição sem resistência no campo de batalha.
“Nunca tive nenhuma intenção de agredir os Poderes”, diz na abertura da “declaração” de ontem. É variação de outra (“Não tenho qualquer intenção de fazer”) que escreveu numa noite de outubro de 34 anos atrás, ao renegar a autoria de um plano terrorista de explosão de bombas na Vila Militar, no Rio, a pretexto de pressionar o governo José Sarney por aumento na remuneração dos soldados.
Na época, o capitão do 8° Grupo de
Artilharia de Campanha Paraquedista tentava se livrar da ameaça de expulsão do
Exército. O plano e os manuscritos da Operação Beco Sem Saída foram revelados
pela repórter Cassia Maria em Veja (edição 999). Sobre eles há riqueza de
detalhes em dois excelentes livros dos repórteres Luiz Maklouf Carvalho (O
cadete e o capitão) e Thaís Oyama (Tormenta).
Negação é uma constante na biografia
militar e política de Bolsonaro. É comportamento padrão toda vez que se vê num
beco sem saída. Lamenta, sem se desmentir, e clama por tolerância. Fez isso
várias vezes na Câmara, onde esteve por 28 anos.
Em junho de 1993, deputado estreante, se
mostrava entusiasmado na defesa de “um curto período de exceção, que incluiria,
entre outras medidas, o fechamento temporário do Congresso e a suspensão das
prerrogativas do Legislativo por seis meses”. Ameaçado de cassação, explicou
que era “a favor, sim, de uma ditadura, de um regime de exceção”, mas se
desculpava à espera de condescendência.
Dois anos depois, repetiu a pregação
golpista, foi advertido pelo então presidente da Câmara Luis Eduardo Magalhães,
e pediu desculpas, contou repórter Rudolfo Lago, do Globo.
Em maio de 1999, propôs o fuzilamento do
presidente Fernando Henrique Cardoso e o fechamento do Congresso Nacional. Foi
salvo por Michel Temer, então presidente da Câmara, que deu-lhe a ideia de
apresentar uma carta de retratação — o episódio
está relatado pelo repórter Octavio Guedes, no G1.
Na noite da última quarta-feira, dia
seguinte aos comícios contra o Supremo em Brasília e no Rio, Bolsonaro
telefonou para Temer, com quem almoçou ontem no Palácio do Planalto.
Desse encontro saiu formatada a
“declaração” que pode salvá-lo de um processo de impeachment ou de
inelegibilidade, e assegurar sua presidência nos 14 meses que restam do
mandato.
Conseguir atravessar essa tormenta parece,
hoje, menos desafiante do que enfrentar a decepção de parte dos ex-fiéis
aliados. Ontem à noite, muitos vazavam ira nas redes sociais com uma mensagem:
“Bolsonaro-2022, game over”.
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