O Globo
À primeira vista, o prefeito do Rio,
Eduardo Paes, matou a charada. Conforme registramos aqui na semana passada,
Paes acreditava que não aconteceria nada no 7 de Setembro. Muito barulho de um
bando de irresponsáveis e ignorantes — e só.
É verdade que não foi propriamente só
barulho. Os caminhoneiros bolsonaristas interromperam estradas, provocaram
algum desabastecimento, acharam que o golpe estava em curso, mas recuaram,
entre perplexos e atônitos, depois da carta à nação escrita por Temer e
assinada por Bolsonaro.
De todo modo, voltaram para casa. E os bolsonaristas se dividiram entre os que dizem “confiem no capitão” e os que se decepcionaram. Afinal, na quinta-feira, o chefe deles arregou duas vezes. Primeiro, na reunião do Brics, elogiou a China por seus esforços na confecção da vacina. Depois, divulgou a carta em que chega perto de pedir desculpas ao STF e, em particular, ao ministro Alexandre de Moraes — chamado de canalha apenas 48 horas antes.
O primeiro grupo acredita que Bolsonaro
está fazendo uma grande jogada estratégica. O segundo ameaça desistir do
bolsonarismo. Mas nenhum deles tem capacidade de ação sem o comando de
Bolsonaro e sem o uso da máquina governamental, travada por decisões do próprio
Alexandre de Moraes.
Acrescente-se ao quadro a manifestação de
apoio à tolerância e harmonia entre Poderes, feita por diversas lideranças
políticas, econômicas e sociais — e pode parecer que tudo se acalmou. Bolsonaro
amansado e as pautas políticas e econômicas retomadas.
Falsa impressão.
Na quinta-feira mesmo, numa live, o
presidente Bolsonaro já começou a voltar a ser ele mesmo. Atacou de novo as
urnas eletrônicas e o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís
Roberto Barroso, como um cafajeste da mais baixa espécie. “As urnas são
penetráveis, viu Barroso?”, repetiu Bolsonaro, com uma expressão nervosa.
Falta pouco, muito pouco, para ele tentar
de novo as manobras golpistas.
Nesse ponto, pode-se dizer que o prefeito
Eduardo Paes não está tão certo assim. Sim, não aconteceu nada, mas Bolsonaro
tentou o golpe — e isso é a única coisa que ele tem para fazer.
Sem governar, sem ter a menor noção das
dificuldades econômicas que se agravam a cada dia, ele não tem outra pauta
senão atacar o STF e o TSE.
É de uma estupidez monumental. Então fechar
as Cortes superiores derrubará o preço da gasolina ou fará chover sobre os
reservatórios das hidrelétricas?
Na verdade, não existe um Bolsonaro não
golpista. Não dando certo o golpe, tudo o que lhe resta é tentar emparedar as
instituições, atrasar o andamento dos inquéritos contra ele, seus filhos e
aliados e adiar o impeachment.
Assim, ele cai num impasse. Se radicalizar
de novo, se voltar ao golpismo, acelera o impeachment e as ações que correm contra
ele e sua turma. Se assumir o figurino Bolsonaro/Temer, perde sua base de raiz
e se torna uma marionete nas mãos do Centrão.
Isso até abril do ano que vem, quando o
Centrão, vendo o desgaste de Bolsonaro, desembarcará do governo para se
acomodar com as forças dominantes para as eleições de outubro, Lula incluído.
Na política, portanto, ficamos assim:
Bolsonaro se enfraquecendo, voltando para o grupinho radical e medíocre de onde
nunca deveria ter saído; a terceira via a cada dia se torna a segunda via,
sendo Lula a primeira.
O movimento nos próximos meses será nessa
direção: Lula tentando se consolidar na esquerda e tomar uns nacos do Centrão,
enquanto o grupo que reúne conservadores e liberais busca um nome viável para
enfrentar o petista. Na conta, o entendimento de que Bolsonaro derrete e, se
chegar às eleições, chega nanico.
Enquanto isso, a economia afunda: inflação
muito elevada, derrubando a renda real das famílias; juros em alta, encarecendo
crédito para consumo e investimento; desemprego persistentemente elevado; dólar
caro; grupos políticos avançando no Orçamento.
Deu ruim. Vai ter de consertar tudo de
novo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário