Antonio Lavareda, sociólogo e cientista político
‘Partidos
e Judiciário vão aguardar para ver o quanto dura o Bolsonaro amante da
Constituição’, afirma cientista político
Tulio Kruse /O Estado de S. Paulo
O ápice da narrativa antidemocrática do
presidente Jair Bolsonaro durante as manifestações do 7 de Setembro produziu um
efeito imediato que, na avaliação do sociólogo e cientista político Antonio
Lavareda, pode levar à unidade de seus adversários contra o governo. Segundo
ele, políticos e partidos, da esquerda à centrodireita, podem deixar de lado
rivalidades para se concentrar na discussão do impeachment.
Para Lavareda, mesmo com o recuo de
Bolsonaro – anteontem o presidente divulgou um comunicado em tom conciliador e
elogiou o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes –,
essa mobilização deve permanecer. “Levantada a bandeira branca, os espíritos relaxam
em certa medida. Mas não se imagine que os Poderes e os políticos vão
simplesmente esquecer o que passou”, disse.
A seguir, os principais trechos da entrevista ao Estadão.
• Como o sr. interpreta a nota do presidente na qual ele atribui suas declarações antidemocráticas ao “calor do momento”?
Provavelmente, ele fez um balanço do 7 de Setembro e avaliou que deu
tudo, ou quase tudo, diferente do pretendido. Deu errado. No dia seguinte,
acordou com uma base política menor, com a hipótese do impeachment ganhando
tamanho, com o Judiciário reagindo num tom excepcionalmente elevado e com
agentes do mercado demonstrando na Bolsa e no dólar que havia sido desastroso
para a economia. Resultado: vários passos atrás, com a ajuda decisiva do
ex-presidente Michel Temer, cujo perfil avulta nas crises.
• Ainda é possível recuar?
Recuos de
atitudes como aquela, de agressão aos limites constitucionais, são sempre
saudados. Recebidos com alívio. A República estava com a respiração em
suspenso, mergulhada na incerteza. Foram 48 horas de muita tensão e ansiedade.
Mobilizou-se um notável conjunto de forças
dispostas à resistência diante do que pareceu ao País uma clara ofensiva
autocrática. Levantada a bandeira branca, os espíritos relaxam em certa medida.
Mas não se imagine que os Poderes e os políticos vão simplesmente esquecer o
que passou. Quanto ao presidente, lhe compete agora retomar a agenda do governo
e pô-la em sintonia com os problemas e as crises reais que assolam o País.
Partidos e Judiciário vão dar tempo ao tempo. Aguardar para ver o quanto dura o
“Bolsonaro amante da Constituição”.
• O que os últimos dias apontam para as consequências da mobilização do 7 de Setembro?
Independentemente do recuo, o
ato inaugurou uma nova conjuntura. Isso envolve um reposicionamento dos atores,
um certo reembaralhamento das cartas do jogo político. Nessa nova fase, pelo
menos no seu início, o presidente começa politicamente enfraquecido. A
radicalização não despertou o medo que supostamente intimidaria os outros
atores político-institucionais. Pelo contrário. Temos agora um processo em que
os Poderes e os atores político-partidários já estão elaborando estratégias
para bloquear qualquer “passo adiante” do presidente. É preciso levar em conta
que, quando o presidente diz que descumprirá decisões judiciais, ele está
contribuindo de forma extremamente grave para a insegurança jurídica na
sociedade. Tudo o que os agentes econômicos mais prezam é segurança jurídica.
Se o presidente diz que pode não cumprir as leis, o que vai impedir um cidadão
comum de seguir esse exemplo? Estaremos no terreno do salve-se quem puder.
• Há impactos dessa última semana para a disputa eleitoral?
Em certa medida, o pronunciamento do presidente no 7 de
Setembro interrompeu a campanha eleitoral dos outros candidatos. De repente,
eles perceberam que não se trata de discutir posicionamento em relação a 2022,
trata-se de tentar conter o ânimo do presidente. Ele ajuda a produzir unidade
de atores que, até a véspera, estavam divididos naturalmente, discutindo e
disputando apoio eleitoral, a viabilidade de uma terceira via, etc. Ele
produziu uma aglutinação de forças políticas, contribuindo para unificar as
oposições. O presidente fez soar a “corneta” da necessidade de unir as forças
de oposição ou pelo menos diminuir o grau de conflito entre elas para poderem,
unidas, resistirem a esse avanço do presidente.
• Apesar de organizada por bolsonaristas, a paralisação de caminhoneiros não teria efeitos negativos no próprio governo?
Aparentemente, esse estímulo à paralisação não foi iniciativa do governo, mas do próprio presidente e do seu círculo mais próximo. Ao governo, não interessa um movimento que prospere em causar pânico na população, com filas nos postos de gasolina, nem o óbvio impacto de tudo isso na inflação. Tudo isso tumultua a atividade econômica, deprime o interesse dos investidores. Ou seja, prejudica a possibilidade de uma retomada econômica mais rápida. Isso pode interessar ao governo? Óbvio que não. Nesse momento, o projeto do presidente, do seu círculo próximo e de sua família descola dos objetivos do seu próprio governo. Agrava-se a crise político-institucional, que, por sua vez, evolui pelas mãos da crise econômica. Nessa ciranda, o País vai regredindo a olhos vistos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário