O Globo
Qualquer movimento que tente serenar as
coisas tem que ser visto positivamente. Mas o correto a se fazer, a solução
definitiva, será processar, julgar e afastar Bolsonaro das suas funções
A carta de desculpas
de Jair Bolsonaro ressalta o enorme esforço feito pelos que querem tão somente
que a vida política volte ao normal. O objetivo é claro e até digno. Ninguém
suporta mais ouvir os berros idiotas do presidente. Sua retórica
antidemocrática passou do limite. Por isso, qualquer movimento que tente
serenar as coisas tem que ser visto positivamente. Mas o correto a se fazer, a
solução definitiva, será processar, julgar e afastar Bolsonaro das suas
funções, além de cassar por oito anos os seus direitos políticos. Pedido de desculpas
não inocenta criminoso. E Bolsonaro cometeu mais de um crime no dia 7 de
setembro.
Perdoá-lo seria como
soltar o curandeiro João de Deus se ele pedisse desculpas às dezenas de
mulheres que violentou. O pedido de perdão feito na carta pacifica os espíritos,
mas não apaga os crimes de responsabilidade perpetrados pelo presidente. Eles
são muitos, se multiplicam a cada fala de Bolsonaro e chegaram ao ponto sem
retorno nos discursos que proferiu nas manifestações da Esplanada dos
Ministérios e da Avenida Paulista. Desculpar a incitação que fez a milhares de
pessoas contra o Supremo apenas dará a ele a chance de voltar logo adiante ao
ataque.
É tolice imaginar que Bolsonaro parou, que não vai recrudescer. Na primeira live pediu “uns dois dias” aos fanáticos que o seguem e voltou a atacar a urna eletrônica. O presidente não sabe fazer outra coisa. Ele não resistirá. De outro modo, como vai continuar manipulando seus zé trovões? Como vai olhar nos olhos dos três zerinhos? Aliás, um dos objetivos da ira presidencial contra Alexandre de Moraes era exatamente por medo de ver preso um dos seus filhos. E como se explicará aos weintraubs, damares e olavos da sua entourage? Não, caro leitor, Bolsonaro não virou bonzinho. Não acredite nele, você vai quebrar a cara.
Bolsonaro fez o maior
cavalo de pau da política nacional porque percebeu que perdeu o controle da
situação. Fora o impeachment, não havia alternativa a não ser o recuo
dramático. Ouviu isso de Michel Temer, Arthur Lira e Ciro Nogueira. A escalada
das manifestações contra o seu golpismo, sobretudo os discursos dos presidentes
do STF e do TSE, mostrara que se avolumava o desejo político de afastá-lo. Fora
Braga Netto, Heleno e Luiz Ramos, que não contam, nem entre os generais ele
conseguiu encontrar respaldo para o atentado criminoso que intentou contra a
democracia no dia 7.
A quinta foi repleta
em sua tentativa de passar panos quentes sobre a porcariada que fizera dois
dias antes. Tanto que, de graça, fez um elogio à China, reconhecendo que mais
da metade das vacinas aplicadas no Brasil é chinesa. Faltou enaltecer João
Doria. Mais uma hora ou duas de tensão talvez ele tivesse chegado a esse ponto.
Poderia também ter pedido de volta a MP inconstitucional que altera o Marco
Legal da internet. Mas esta ele receberá de retorno, com certeza, pelas mãos do
presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, ou por determinação do Supremo.
O homem ficou nu. O que se viu foi
sua vergonha. Não havia com o que se proteger, fora o espetacular giro de 180
graus. Traiu e deixou muito mal os golpistas que tostaram ao sol de cerrado ou
paulistano para ver seu mito fechar o Supremo. Mas estes merecem estar mal,
como Bolsonaro está mal. Compraram um discurso ultrapassado, doentio e
autoritário sem entender bem o porquê. Além da morte, que mais cedo ou mais
tarde o contemplará, da prisão, que está logo ali na esquina, a derrota o
alcançou.
Mas derrotá-lo numa
tentativa de golpe não basta. O necessário é impedi-lo de voltar à carga contra
as instituições. O caminho é um só, seu impeachment e a destituição de seus
direitos políticos. Um homem grotesco, intolerante e estúpido como Jair
Bolsonaro não merece fazer política no Brasil. E o Brasil não merece castigo
tamanho.
Quem é o farsante?
Fora os abobados que vão às ruas pedir o
fechamento do Supremo e do Congresso, os que festejam pateticamente informação
falsa, os que se enrolam em bandeiras do Brasil e gritam contra ministros do
STF sem sequer saber com clareza quem são e o que fazem. Fora os estrupícios, os desvalidos intelectualmente,
as abjetas marias vão com as outras. Fora esses, todos os outros sabem quem é o
farsante. No reino animal, fora os burros, os asnos, os jumentos e as mulas, os
demais bichos reconhecem de longe o farsante.
Ouro ou democracia
Por que Arthur Lira não se mexe? Não dá
mais para dizer que não há clima para impeachment, que vai ser traumático para
o país. Trauma
causa o presidente, diariamente, e clima contra o golpismo é
como a seca em Brasília. Tampouco serve o argumento de que faltam votos, usado
por Rodrigo Maia nos dois primeiros anos de mandato do já então multicriminoso
Jair Bolsonaro. Até o MDB passou a cogitar o afastamento do presidente. Vamos
ser francos, o que segura o presidente da Câmara é dinheiro. Mais especialmente
os bilhões das emendas secretas e do Fundo Eleitoral. Depois desse desembolso,
ou embolso, quem sabe?!
Discurso
Discurso não basta. Pedir serenidade é
bobagem em se tratando de Bolsonaro. Seu atual estado de tranquilidade e paz
não vai durar. Ele mesmo já anunciou que volta em dois dias. Ontem, Lira falou
em recomeço, depois da carta-perdão. Daqui a pouco, o deputado vai ter
que pensar em seu próprio futuro.
Ele quer novo termo na presidência da Câmara, mas antes terá que renovar seu
mandato. Se bobear, pode perder a relevância e acabar em 2023 ocupando uma
Secretaria de Estado em Alagoas. Isso, se Renan deixar. Claro.
O perfil dos golpistas
O Monitor do Debate Político da USP
(monitordigital.org) fez uma enquete que revela quem são os manifestantes que
foram à Avenida Paulista no dia 7. O dado mais importante mostra que 88% dos
presentes votaram em Bolsonaro já no primeiro turno. Trata-se de gente que não
quis, em momento algum, dar uma
chance à moderação, mesmo que fosse de direita ou liberal.
Agressão a jornalistas
Militantes da gangue bolsonarista atacaram
jornalistas em Brasília no dia 7 de setembro. Perseguiram, cercaram, deram
bandeiradas e chutes em repórteres. Jornalistas repudiam essas agressões,
embora já estejam acostumados a elas. No passado, não podíamos subir nas
favelas dominadas por traficantes ou entrar nas áreas da milícia, agora está
ficando difícil
cobrir manifestações políticas. Nas jornadas de 2013 e no fim
do governo de Dilma Rousseff, militantes atacaram jornalistas com o mesmo ódio
de agora. Lembram Caco Barcellos sendo agredido por sindicalistas no Rio? A
verdade incomoda.
Despirocou
Míriam Leitão ouviu de uma autoridade a
seguinte definição sobre os discursos de Bolsonaro nas manifestações de 7 de
setembro: “Ele deu uma despirocada”. A novidade é que a fonte da colunista
explicitou o verbo, até aquele dia pouco pronunciado. De resto, todo mundo
sabe, inclusive o caro leitor, que o
presidente é um despirocado desde que tentou explodir uma
bomba na adutora do Guandu para conseguir aumento salarial.
Testemunha do maluco
A própria Míriam é testemunha das muitas
despirocadas do presidente. Em seu livro “A democracia na armadilha: crônicas
do desgoverno”, recém-lançado pela Intrínseca, estão coletados os principais
artigos da colunista que mostram o desenrolar da tragédia deste governo.
Trata-se de leitura
estarrecedora, porque elenca todas as maluquices de Bolsonaro,
uma depois da outra.
Consular
O Itamaraty informa que mantém consulados itinerantes para atender brasileiros localizados em cidades estrangeiras distantes de sede diplomática nacional. A situação descrita em nota aqui na semana passada, segundo a Divisão de Imprensa do Ministério, ocorreu apenas na Austrália e de forma excepcional no primeiro ano da pandemia. De todo modo, em razão da Covid, o Judiciário institucionalizou o atendimento remoto pelos cartórios. O 15º Ofício de Notas do Rio já efetivou 1.937 atos pela via digital desde abril do ano passado, quando a medida entrou em vigor. Até divórcios já foram feitos pela via remota. Neste caso, deve ser até melhor e mais prudente.
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