O Estado de S. Paulo.
Ao contrário do que especialistas previram,
radicais como Orbán ganharam apoio
Quando a Rússia invadiu a Ucrânia, inúmeros
comentaristas acreditaram que ao menos uma coisa boa decorreria dessa nuvem de
catástrofe. O ataque de Vladimir Putin contra a ordem liberal, esperavam eles,
exporia e deslegitimaria forças iliberais populistas que têm surgido há anos.
Um deles especulou que a guerra na Ucrânia
poria fim à era do populismo. Outro, o acadêmico Francis Fukuyama, considerou o
episódio uma oportunidade para as pessoas finalmente rejeitarem o nacionalismo
de direita. Contudo, passadas seis semanas do início deste conflito, tais
noções parecem ilusões otimistas.
ELEIÇÕES. Na Europa, duas eleições cruciais
– na Hungria e na França – revelam a verdade. Até poucos dias atrás, era
possível sugerir, como o fez um artigo da Atlantic, que a guerra na Ucrânia
estava “agitando a política europeia” ao expor registros iliberais e próPutin
da líder francesa de extrema direita Marine Le Pen e do primeiro-ministro da
Hungria, Viktor Orbán.
Esses especialistas foram citados afirmando
que Orbán “estava tentando desesperadamente reformular os acontecimentos da
guerra” e prevendo que os franceses veriam o presidente, Emmanuel Macron, neste
momento, “provavelmente como a única pessoa capaz de liderá-los através desta
crise”.
Na realidade, Orbán acaba de ser reeleito – e para o quarto mandato consecutivo – por uma margem conveniente, com sua coalizão obtendo cerca de 53% dos votos e os opositores, aproximadamente 34%. No mesmo dia, eleitores da Sérvia reelegeram um presidente populista, convictamente próPutin, que venceu de lavada.
LE PEN. Na França, onde o primeiro turno da
eleição presidencial ocorre amanhã, pesquisas sugerem que a liderança de Macron
tem evaporado e Le Pen cresceu significativamente. Conforme afirmou a manchete
do New York Times: “Mesmo antes de a França votar, a direita francesa é a
grande vencedora”. Na Europa, pelo menos, o populismo de direita continua a
prosperar.
Isso não significa que as ações da Rússia
na Ucrânia sejam populares, mas elas não dominam a visão de mundo das pessoas.
As reputações de políticos pró-putin não sofreram com a guerra da maneira que
muitos esperavam.
Frustrado com o líder húngaro se
aconchegando com Putin, Volodmir Zelenski apostou num ataque direto a Orbán,
afirmando que ele é “virtualmente o único na Europa a apoiar Putin
abertamente”. Isso não funcionou.
Nos EUA, é possível observar forças
similares em ação, apesar de não serem tão fortes. Nas primeiras semanas da
guerra, o Partido Republicano parecia ter revertido sua histórica belicosidade
em política externa. Muitos republicanos da velha-guarda são veementemente
anti-putin e próUcrânia.
Mas essa posição não descreve as opiniões
do homem que continua sendo o líder mais popular do partido: Donald Trump, que
tem elogiado Putin desde o início da invasão. O âncora mais graduado da Fox
News, Tucker Carlson, que mais de dois anos atrás declarou que estava do lado
da Rússia em sua batalha contra a Ucrânia, passou recentemente a repetir
propaganda russa a respeito da existência de supostos laboratórios de armas
biológicas na Ucrânia.
VANTAGENS. Vale notar alguns matizes. Orbán
manipulou a democracia da Hungria de maneiras que lhe proveram vantagens
estruturais. Em 2010, ele se movimentou para conceder cidadania a 2,4 milhões
de húngaros étnicos que viviam no exterior e se retratou como o único defensor
de seus direitos, o que lhe garantiu amplo apoio desses novos eleitores. Ele
esmagou quase todos os meios de comunicação independentes.
O governo húngaro promove a imagem de
Orbán, distribuindo pôsteres financiados com dinheiro público. Esse tipo de
prática levou a Freedom House a classificar a Hungria como o único país da
Europa que é “parcialmente livre”.
POPULISMO. Mesmo assim, o populismo de
direita é genuinamente popular na Hungria e em outros países. Ainda que Le Pen
tenha tirado vantagem da inflação em alta, culpando o governo de Macron por
todo e qualquer aumento de preços, o magnetismo fundamental dela emana de seu
estridente nacionalismo cultural. Orbán, Le Pen e outras personalidades da
direita vociferam constantemente contra imigrantes, multiculturalismo e
“lacração”, a nova palavra que aflora na França.
Ao mesmo tempo, esses líderes deixam de
lado a economia de livre mercado da velha direita. Le Pen criticou muitas das
reformas neoliberais de Macron e abraçou antigas políticas estatizantes da
esquerda, como jornada de trabalho de 35 horas e aposentadoria antecipada. Ela
especulou publicamente que poderia trazer membros da esquerda que concordem com
suas ideias a respeito de protecionismo e política industrial. Orbán tem
praticado há muito tempo um tipo de populismo estatizante que distribui
generosos subsídios estatais para grupos que seu partido favorece.
Na França, Marine Le Pen, de extrema
direita, subiu nas pesquisas às vésperas das eleições
ULTRAJES. Nos EUA, Carlson gasta pouco
tempo com a guerra na Ucrânia, preferindo em vez disso colocar o foco de seu
programa num cardápio diário de ultrajes contra políticas lacradoras e a
cultura do cancelamento. Republicanos proeminentes, como o governador da
Flórida, Ron Desantis, fazem o mesmo. Se você ouvisse a direita americana, você
acreditaria que os temas mais prementes do mundo atual são diretorias de escolas
que doutrinam crianças com ideias de fluidez de gênero.
É verdade que essas ideias atraem apenas
parte do eleitorado – especialmente os eleitores mais velhos, mais rurais e
menos educados. Mas já deveria estar claro que esses eleitores são numerosos o
suficiente e apaixonados o suficiente para vencer eleições – nos dois lados do
Atlântico.(Tradução de Guilherme Russo)
*É colunista do ‘Washington Post’
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