O Globo
Vamos falar francamente: não há democracia
quando há corrupção. Já tivemos por aqui o conhecido “rouba, mas faz” — que
resultou em muito roubo e pouca estrada. Agora, parece estar surgindo o “rouba,
mas é democrata”. Não faz sentido.
A corrupção está longe de ser um problema
moral. Se fosse “apenas” uma questão ética, já estaria errado. Teríamos
corrompido os costumes sociais e políticos. Na verdade, temos muito disso por
aqui.
No caso do social, muita gente acha que não
tem nada demais dar uma caixinha para o policial do trânsito ou para o
burocrata que emperra uma demanda qualquer, como o registro de uma pequena
empresa. Resultado: mais burocracia, menos eficiência e impessoalidade do
serviço público.
Nos costumes políticos, são abundantes os
exemplos de tráfico de influência — caso dos pastores que iam rezar nas
reuniões do MEC com prefeitos e aproveitavam para negociar verbas e
“contrapartidas”. Eleito com a bandeira da moralidade, o presidente Bolsonaro,
aliado ao Centrão fisiológico, não apenas enfraqueceu as instituições de
combate à corrupção, como abriu as diversas instâncias de seu governo a balcões
de negócios.
Se bem que, no caso de Bolsonaro, esse é o
menor desvio antidemocrático. Ele vai direto ao ponto, tentando solapar as
instituições políticas e o sistema eleitoral, além de pregar abertamente a
volta da ditadura militar.
Sim, é preciso montar um polo democrático
para barrar a reeleição do aspirante a ditador.
Mas quem pode entrar nesse polo?
Comecemos por quem não pode. Primeiro,
todos aqueles políticos para os quais o partido no governo pode arrecadar
dinheiro de empresas que vivem de negócios com o próprio governo. Dizem que o
dinheiro é para defender boas políticas públicas, mas a corrupção original não
tem conserto.
Como já demonstraram os estudos da
professora Maria Cristina Pinotti, esse tipo de corrupção — pois é disso que se
trata, um roubo —solapa a democracia e a competitividade da economia.
A democracia, porque tem mais chances
eleitorais o partido que mais arrecada — sempre, claro, o partido que está em
alguma esfera de governo. E a economia, porque vão para a frente as empresas
que pagam as campanhas, e não aquelas mais eficientes.
Há também um efeito negativo sobre a
administração pública. O governo precisa ter grandes projetos — de refinarias a
estradas e metrôs — para formar aquele bolo de dinheiro de que se pode retirar
um naco.
Não é de hoje, claro. No tempo da ditadura
militar, o sábio professor Mário Henrique Simonsen, ministro da Fazenda e do
Planejamento, comentava quando deparava com alguns grandes projetos: melhor
pagar a comissão e não fazer a obra. Não conseguiu — largou o governo, por esse
motivo entre outros.
Já perceberam, claro, aonde queremos
chegar. Lula pretende ser o polo democrático sem acertar as contas com a grossa
corrupção dos governos petistas, do mensalão ao petrolão.
Uma ampla aliança da esquerda à direita —
na verdade, uma associação dos apanhados na roubalheira — colocou em curso o
desmonte do combate à corrupção. Está todo mundo sendo liberado. Mais que isso.
Estão simplesmente numa negação da realidade.
Ficamos mal nessa polarização: um nega a
ditadura que quer implantar; o outro lado nega a corrupção, entretanto evidente
em vários processos locais e internacionais.
Há episódios deprimentes. No último dia 30,
o MDB selou aliança com o PT na Bahia. Quem apareceu por lá, articulando? Sim,
Geddel Vieira Lima, aquele que tinha R$ 51 milhões em dinheiro vivo escondidos
num apartamento em Salvador. Foi preso, cumpriu pena, mas, na onda do “liberou
geral”, ganhou liberdade condicional.
Geddel foi ministro de Lula e vice da Caixa
no governo Dilma. Lula já reclamou, no passado, que a imprensa dava mais
atenção ao triplex do Guarujá que ao apartamento de Geddel.
E agora, tudo bem?
Não, né!?
Lula não pode negar a corrupção e seus
efeitos danosos, que quase quebraram a Petrobras, e, ao mesmo tempo,
proclamar-se democrata da gema.
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