Folha de S. Paulo
Alta é disseminada entre produtos e deve
elevar juros além do previsto pelo BC
A inflação
é a maior em quase 20 anos —19 anos e três meses, para ser preciso.
Bateu em 11,3% ao ano em março. É a segunda maior desde 1999, desde o início
do sistema
de metas para a inflação, e é o segundo surto de preços mais duradouro
desde então.
Ainda vai durar mais: deve ficar acima de
10% até pelo menos agosto. Assim, a taxa básica de juros deve ir além dos 12,75%
projetados pelo Banco Central. É possível que o IPCA de 2022 fique entre
7,5% e 8%.
Para falar francamente, o futuro da
inflação até 2023 depende de quase sorte: do preço
do dólar. Isto é, da sorte e de não se aprontar mais desastre até lá, como
uma campanha eleitoral louca na economia e na política.
O arrocho monetário vai tornar ainda mais difícil a vida do próximo governo. O povo já sabe que a vida está ainda mais difícil do que de costume. O surto de inflação da comida é também o maior desde 2003. A inflação dos "alimentos no domicílio" voltou a acelerar, em termos anuais, indo a 13,7%. Já foi a 21,1% em novembro de 2020. Mas o preço da comida sobe a partir de um degrau já muito alto.
A inflação geral, o IPCA, acumulada em 12 meses até março deste ano perde apenas para a carestia dos meses entre de fins de 2002 e meados de 2003, provocada por uma grande desvalorização do real, por sua vez causada pelo pânico da eleição de Lula 1.
A carestia de agora também foi causada por
uma desvalorização
relevante do real (o dólar ficou 30% mais caro entre fevereiro de 2020
a dezembro de 2021). Os preços também pularam por causa de um choque mundial,
recentemente agravado pela guerra na
Ucrânia, e, em parte menor, mas relevante, pelo desgoverno.
A alta de preços dos anos de Jair
Bolsonaro também está no pódio quando se trata de difusão dos aumentos
(quantos produtos subiram de preço em certo mês, como proporção do total de
preços pesquisados). Em março, o índice de difusão foi de mais de 76%. Perde
apenas para a inflação causada pela eleição de 2002 e pelo choque do governo
Dilma 2 (2015-2016), que liberou preços antes tabelados e também enfrentou uma
desvalorização forte da moeda, provocada pelo tumulto político.
Além de difusa pela medida da quantidade
relativa de produtos que encarecem, a inflação se espalha segundo também outros
critérios. A inflação anual de bens comercializáveis era de 10,4% em março de
2021; foi a 12,5% em março deste ano. A de bens não-comercializáveis foi de
2,7% a 8,2% nesse período.
"Bens não-comercializáveis" são
aqueles que, em geral ou por algum bom tempo, não são negociados no mercado
externo (exportados ou importados): em geral serviços, alguns alimentos, por
exemplo. Os "comercializáveis" são em geral os que têm seus preços
determinados diretamente no mercado mundial, grosso modo (combustíveis, grãos,
minérios, carnes, produtos industriais etc.).
Os preços dos "não-comercializáveis"
costumam ser pressionados quando há aumentos rápidos de salário. Não é o caso
no momento.
O choque de combustíveis contamina outros
preços. Há mais inflação com a retomada
da atividade do setor de serviços, em boa parte inativo no pior momento da
epidemia. Pode ser ainda que já exista alguma "inércia" (reajuste
quase automático pela inflação passada ou também por expectativa de inflação
duradoura).
A inflação do setor de serviços era de 1,7%
ao ano em março de 2021; em março de 2022, de 6,3%. Nesse período, o IPCA
passou de 6,1% para 11,3%, sempre na medida acumulada em 12 meses.
A indústria, além do mais, tem custos
aumentados por causa da escassez de muito insumo, ainda devido a oferta
reduzida ou procura alta, depois do pior da epidemia, além de problemas de
transportes. O problema não vai passar tão cedo.
A redução
do preço da energia elétrica, a partir de metade de abril, deve conter um
pouco da alta do IPCA (que deve continuar). Caso o real se valorize ou
permaneça no atual preço, deve haver alguma ajuda também (isto é, "tudo
mais constante").
No entanto, mesmo com a valorização da
moeda brasileira neste 2022 e alguma moderação na carestia do petróleo, o preço
do barril em reais ainda é cerca de 16% maior do que no início do ano. Tem
gordura para queimar aí.
Uma campanha eleitoral com muitos
disparates econômicos ou tumultuada por Bolsonaro pode encarecer o dólar. De
mais certo é que a carestia continuará reduzindo o valor real do salário até
bem entrado 2023.
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