sábado, 9 de abril de 2022

Dora Kramer: Horizonte perdido

Revista Veja

A ‘terceira’ não soube pavimentar sua via e hoje respira por aparelhos ligados à esperança

A possibilidade de vingar uma candidatura alternativa ao embate entre Jair Bolsonaro e Luiz Inácio da Silva hoje respira por aparelhos. Todos eles ligados à expectativa do chamado centro democrático de que as manhas do imprevisível possam produzir uma boa surpresa. A esperança, sabemos, é a última a aderir a cerimônias de adeus.

Por isso o pessoal empenhado na construção de uma outra via não desiste, se movimenta e tenta de tudo para ver se há um caminho que evite a entrega da toalha de véspera. É provável? Difícil. É possível? Tudo na vida é, ainda mais na política brasileira, cujo histórico apresenta um robusto tributo ao inesperado, sempre à espera na esquina.

Se deslanchar, esse projeto terá desmentido as análises de cenário em vigor no mundo político. Já aconteceu algumas vezes. O exemplo mais recente ocorreu em 2018. No início daquele ano ninguém de bom senso apostava em Bolsonaro presidente.

Ainda assim, sejamos realistas. No mundo político, a avaliação corrente dá conta de um jogo sem volta. Tais análises não dão a Lula vitória certa. Já houve essa convicção. Na atual conjuntura, contudo, é tida como hipótese forte, mas incerta.

Por vários motivos, sendo o principal deles a exitosa entrega da articulação política nas mãos de Ciro Nogueira, ministro-chefe da Casa Civil e comandante do PP. O partido ganhou deputados, o PL atraiu Bolsonaro, tornou-se a primeira bancada da Câmara e, junto ao PTB, ao Republicanos e a outros pequenos satélites, o centrão conseguiu reunir na janela partidária cerca de 200 deputados num universo de 513 parlamentares. Era forte, ficou fortíssimo.

Ganho inequívoco para quem não conseguiu criar um partido (Aliança pelo Brasil) e poucos meses atrás estava em dificuldade para se filiar a uma legenda. Até adversários admitem: Jair Bolsonaro está se deixando conduzir de modo eficiente — não necessariamente ético nem condizente com aquela conversa de “nova política” — pelos meios e modos da (triste) realidade brasileira no campo das concessões indevidas.

O presidente da República entregou o manejo do Orçamento da União e em troca obteve juras de fidelidade do Centrão com promessas de que na campanha o grupo não voltará a aderir a Lula. Pedra no caminho do PT, que, embora em posição menos confortável devido à queda no favoritismo, ainda segue no topo. Complicada mesmo tem sido a vida dos oponentes na luta para tentar se tornar minimamente competitivos. Basta ver o seguinte: as mexidas para cima e para baixo nos índices de Lula e Bolsonaro nas pesquisas não significaram transferência de intenções de voto para nenhum dos outros personagens citados nas consultas.

Isso não ocorre por falta de exposição. Com variação no entra e sai de nomes, esse grupo está sempre no noticiário. Mais visibilidade que a do governador João Doria durante a pandemia, impossível. No entanto, está ele empacado nos 2%, 3%, no máximo 4% se considerada a margem de erro. O assunto terceira via é manchete, rende notícia ao menor movimento. No entanto, esse pessoal está ali empacado sem passar dos 8%, 10% nos melhores dias.

Onde a coisa enrosca? Será na falta de interesse do público nesse momento? Será mesmo a ausência de unidade entre os pretendentes e o problema? Desataria esse nó o anúncio de um nome com o apoio dos demais? O gesto teria o condão de conquistar o eleitorado, hoje refém de dois caminhos cheios de rejeição e sinais de que a guerra continuará com a reeleição de Bolsonaro ou a volta de Lula?

Respostas certeiras não existem. Razões isoladas tampouco. Menos arriscado seria apostar no conjunto da obra com um adendo crucial: a ausência de construção de um diálogo identificado com as demandas do público. Lula e Bolsonaro falam cada qual a bordo do capital amealhado no exercício das respectivas Presidências. Nesse aspecto, aos oponentes falta patrimônio, marca própria.

Tiveram tempo, mas nenhum deles seguiu por trilha inovadora e atrativa. Ficaram todos — os desistentes e os persistentes — prisioneiros de expectativas: de um lado que o telhado de vidro e o antipetismo engolisse Lula e, de outro, que Bolsonaro fosse vítima de suas perniciosas circunstâncias.

A “terceira” não pavimentou a sua via, atuou referida nos dois personagens que por esta e algumas outras não lideram as pesquisas por acaso.

Publicado em VEJA de 13 de abril de 2022, edição nº 2784

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