Revista Veja
A ‘terceira’ não soube pavimentar sua via e
hoje respira por aparelhos ligados à esperança
A possibilidade de vingar uma candidatura
alternativa ao embate entre Jair Bolsonaro e Luiz Inácio da Silva hoje
respira por aparelhos. Todos eles ligados à expectativa do chamado centro
democrático de que as manhas do imprevisível possam produzir uma boa surpresa.
A esperança, sabemos, é a última a aderir a cerimônias de adeus.
Por isso o pessoal empenhado na construção
de uma outra via não desiste, se movimenta e tenta de tudo para ver se há um
caminho que evite a entrega da toalha de véspera. É provável? Difícil. É
possível? Tudo na vida é, ainda mais na política brasileira, cujo histórico
apresenta um robusto tributo ao inesperado, sempre à espera na esquina.
Se deslanchar, esse projeto terá desmentido
as análises de cenário em vigor no mundo político. Já aconteceu algumas vezes.
O exemplo mais recente ocorreu em 2018. No início daquele ano ninguém de bom
senso apostava em Bolsonaro presidente.
Ainda assim, sejamos realistas. No mundo político, a avaliação corrente dá conta de um jogo sem volta. Tais análises não dão a Lula vitória certa. Já houve essa convicção. Na atual conjuntura, contudo, é tida como hipótese forte, mas incerta.
Por vários motivos, sendo o principal deles
a exitosa entrega da articulação política nas mãos de Ciro Nogueira, ministro-chefe
da Casa Civil e comandante do PP. O partido ganhou deputados, o PL atraiu
Bolsonaro, tornou-se a primeira bancada da Câmara e, junto ao PTB, ao
Republicanos e a outros pequenos satélites, o centrão conseguiu reunir na
janela partidária cerca de 200 deputados num universo de 513 parlamentares. Era
forte, ficou fortíssimo.
Ganho inequívoco para quem não conseguiu criar um partido (Aliança pelo Brasil) e poucos meses atrás estava em dificuldade para se filiar a uma legenda. Até adversários admitem: Jair Bolsonaro está se deixando conduzir de modo eficiente — não necessariamente ético nem condizente com aquela conversa de “nova política” — pelos meios e modos da (triste) realidade brasileira no campo das concessões indevidas.
O presidente da República entregou o manejo
do Orçamento da União e em troca obteve juras de fidelidade do Centrão com
promessas de que na campanha o grupo não voltará a aderir a Lula. Pedra no
caminho do PT, que, embora em posição menos confortável devido à queda no
favoritismo, ainda segue no topo. Complicada mesmo tem sido a vida dos
oponentes na luta para tentar se tornar minimamente competitivos. Basta ver o
seguinte: as mexidas para cima e para baixo nos índices de Lula e Bolsonaro nas
pesquisas não significaram transferência de intenções de voto para nenhum dos
outros personagens citados nas consultas.
Isso não ocorre por falta de exposição. Com
variação no entra e sai de nomes, esse grupo está sempre no noticiário. Mais
visibilidade que a do governador João Doria durante a pandemia, impossível. No
entanto, está ele empacado nos 2%, 3%, no máximo 4% se considerada a margem de
erro. O assunto terceira via é manchete, rende notícia ao menor movimento. No
entanto, esse pessoal está ali empacado sem passar dos 8%, 10% nos melhores
dias.
Onde a coisa enrosca? Será na falta de
interesse do público nesse momento? Será mesmo a ausência de unidade entre os
pretendentes e o problema? Desataria esse nó o anúncio de um nome com o apoio
dos demais? O gesto teria o condão de conquistar o eleitorado, hoje refém de
dois caminhos cheios de rejeição e sinais de que a guerra continuará com a
reeleição de Bolsonaro ou a volta de Lula?
Respostas certeiras não existem. Razões
isoladas tampouco. Menos arriscado seria apostar no conjunto da obra com um
adendo crucial: a ausência de construção de um diálogo identificado com as
demandas do público. Lula e Bolsonaro falam cada qual a bordo do capital
amealhado no exercício das respectivas Presidências. Nesse aspecto, aos
oponentes falta patrimônio, marca própria.
Tiveram tempo, mas nenhum deles seguiu por
trilha inovadora e atrativa. Ficaram todos — os desistentes e os persistentes —
prisioneiros de expectativas: de um lado que o telhado de vidro e o antipetismo
engolisse Lula e, de outro, que Bolsonaro fosse vítima de suas perniciosas
circunstâncias.
A “terceira” não pavimentou a sua via,
atuou referida nos dois personagens que por esta e algumas outras não lideram
as pesquisas por acaso.
Publicado em VEJA de 13 de abril de
2022, edição nº 2784
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