quarta-feira, 30 de abril de 2025

Por que os EUA perderão para a China - Martin Wolf*

Valor Econômico

A China também tem cartas poderosas na manga

O “dia da libertação” do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, com suas supostas “tarifas recíprocas” contra o resto do mundo - possivelmente as propostas de política comercial mais excêntricas já feitas), tornou-se, depois de um recuo precipitado diante do fogo cerrado dos mercados, uma guerra comercial contra a China. Isso pode (ou não) ter sido o que se pretendia desde o início. Então, será que Trump conseguirá vencer? Mais do que isso, os EUA, como são agora, depois da segunda chegada de Trump à Casa Branca, podem ter a esperança de triunfar em sua rivalidade mais geral com a China? A resposta, nos dois casos, é “não”. E não porque a China seja invencível, longe disso. Mas porque os EUA estão jogando fora todos os ativos de que precisam para manter seu status no mundo contra uma potência tão enorme, capaz e determinada quanto a China.

“Guerras comerciais são boas e fáceis de vencer”, postou Trump em 2018. Como uma proposição geral, é falsa: estas guerras prejudicam os dois lados. Pode-se conseguir um acordo que deixe ambos em melhor situação do que antes. O mais provável é que qualquer acordo deixe um lado em uma situação melhor do que antes e o outro em uma situação pior. Este último tipo de acordo é, presume-se, o que Trump espera que surja: os EUA vencerão; a China perderá.

Neste momento, os EUA impõem uma tarifa de 145% sobre as importações chinesas, enquanto a China impõe uma tarifa de 125% sobre as dos EUA. A China também restringiu as exportações de “terras raras” para os EUA. Essas são barreiras comerciais muito fortes, na verdade efetivamente proibitivas. Isso se parece a um “impasse mexicano” entre as duas superpotências, um confronto que nenhuma pode vencer.

Dá-se a entender que o plano dos EUA (se é que existe um plano) é “persuadir” os parceiros comerciais a impor pesadas barreiras às importações da China em troca de um acordo comercial favorável (e talvez acordos em outras áreas, como a da segurança) com os EUA. Esse desfecho é verossímil? Não.

Os EUA não conseguirão os acordos que na aparência buscam e a vitória sobre a China que almejam. À medida que isso se tornar evidente, Trump recuará, pelo menos em parte, de suas guerras comerciais, declarará vitória e seguirá em outra direção

Uma das razões é que a China também tem cartas poderosas na manga. Muitas potências relevantes já têm um volume de comércio maior com a China do que com os EUA: entre elas estão Austrália, Brasil, Índia, Indonésia, Japão e Coreia do Sul. Sim, os EUA são um mercado de exportação mais importante do que a China para muitos países expressivos, em parte por causa dos déficits comerciais de que Trump reclama. Mas a China também é um mercado considerável para muitos. Além disso, a China é uma fonte de produtos importados essenciais, muitos dos quais não podem ser substituídos com facilidade. As importações são, no fim das contas, o propósito do comércio.

Acima de tudo, os EUA se tornaram pouco confiáveis. Um EUA “transacional” é um EUA que está sempre em busca de um acordo melhor. Nenhum país sensato deveria apostar seu futuro em um parceiro assim, em especial contra a China. O tratamento que Trump deu ao Canadá foi o momento de definição. Os canadenses responderam com a reeleição dos liberais. Será que Trump aprenderá algo com isso? Uma pessoa pode mudar radicalmente o que ela é? Isso é o que Trump é. Ele também é um homem que os eleitores americanos elegeram duas vezes. Além do mais, romper com a China seria arriscado: a China não esquecerá e dificilmente perdoará.

Não menos importante, a China acredita que seu povo pode aguentar o sofrimento econômico melhor do que os americanos. Além disso, para ela a guerra comercial é principalmente um choque de demanda, enquanto para os EUA é sobretudo um choque de oferta. É mais fácil repor a demanda perdida do que a oferta desaparecida.

Em suma, os EUA não conseguirão os acordos que aparentemente buscam e a vitória sobre a China que almejam. Minha suposição é que, à medida que isso se tornar evidente para a Casa Branca, Trump recuará, pelo menos em parte, de suas guerras comerciais, e declarará vitória ao mesmo tempo em que seguirá em outra direção.

Mas isso não muda a realidade de que os EUA estão de fato competindo com a China por influência mundial. Infelizmente, os EUA que muitos querem que tenham êxito nisso não são estes EUA.

Além do mais, os EUA de Trump não serão bem-sucedidos. Sua população é um quarto da China. Sua economia é praticamente do mesmo tamanho, porque o país é muito mais produtivo. Sua influência, cultural, intelectual e política, ainda é bem maior do que a da China, porque seus ideais e ideias são mais atraentes. Os EUA foram capazes de criar alianças poderosas com países que pensam do mesmo modo, o que reforça essa influência. Em resumo, os EUA herdaram e, assim, foram abençoados com ativos imensos.

Agora, considere o que acontece sob o regime de Trump: tentativas de transformar o Estado de Direito em um instrumento de vingança; o desmantelamento do governo dos EUA; desprezo pelas leis que são o fundamento de um governo legítimo; ataques à pesquisa científica e à independência das grandes universidades americanas; guerras contra estatísticas confiáveis; hostilidade em relação a imigrantes (e não apenas aos ilegais), embora eles tenham sido a base do sucesso dos EUA em todas as gerações; um repúdio total à medicina e às ciências do clima; a rejeição completa das ideias mais básicas sobre a economia do comércio; uma equiparação ou (muito pior do que isso) uma preferência por Vladimir Putin, o tirano da Rússia, com relação a Volodymyr Zelensky, o presidente da Ucrânia democrática; e o desprezo aberto pelo conjunto de alianças e instituições de cooperação internacional em que a ordem mundial construída pelos EUA se apoia. Tudo isso nas mãos de um movimento político que adotou a insurreição de janeiro de 2021.

Sim, a ordem econômica mundial de fato precisava de melhorias. Os argumentos em favor de uma transição da China para um crescimento impulsionado pelo consumo são irresistíveis. Também é evidente que muitas reformas são necessárias dentro dos EUA. Mas o que está acontecendo hoje não é uma reforma e sim a ruína dos alicerces do sucesso dos EUA, no âmbito interno e no exterior. Será difícil reverter os danos. Será impossível para as pessoas esquecerem quem e o que os causou.

Uns EUA que tentam substituir o Estado de Direito e a Constituição por um capitalismo de compadrio corrupto não superarão a China. Uns EUA puramente transacionais não terão o apoio incondicional de seus aliados. O mundo precisa de uns EUA que concorram e cooperem com a China. Os EUA que temos hoje, infelizmente, não conseguirão fazer nenhuma das duas coisas. (Tradução de Lilian Carmona)

*Martin Wolf é o principal comentarista econômico do Financial Times.

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