Valor Econômico
Ressarcimento aos aposentados lesados no escândalo do INSS é só uma das despesas que precisam ser encaixadas no orçamento deste ano
Nos próximos dias, será travada nos
bastidores do governo uma batalha de R$ 30,9 bilhões. O governo divulgará, no
dia 22, as novas projeções para receitas e despesas deste ano e, por
consequência, o valor dos gastos que precisarão ser congelados para alcançar a
meta fiscal do ano, o déficit zero. E aí está a disputa: mirar no zero ou mirar
na parte de baixo da margem de tolerância, R$ 30,9 bilhões abaixo?
A primeira opção serviria para fortalecer o compromisso do governo com o arcabouço fiscal. A segunda evitaria cortes impopulares nas despesas e atenderia outra frente de batalha do governo: a baixa popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que se disse “candidatíssimo” à reeleição.
No momento, o arcabouço está desenganado, e
um reforço lhe faria bem. Os números apresentados no Projeto de Lei de
Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2026, divulgado em 15 de abril, mostram uma
situação difícil em 2026, quando será necessário reforçar as receitas em R$ 118
bilhões para atingir a meta de superávit de 0,25% do Produto Interno Bruto
(PIB).
Já em 2027 o quadro é de colapso nos chamados
gastos discricionários. Poderá não haver dinheiro para pagar a conta de luz dos
órgãos públicos, por exemplo. Se nada for feito, faltarão R$ 10,9 bilhões para
cumprir a regra constitucional que estabelece gastos mínimos para as áreas de
saúde e educação.
Para 2025, o quadro não é tão dramático. É
praticamente consenso entre especialistas que a meta será cumprida, mas não no
seu centro, o zero. Ficará na margem de tolerância e se valerá do desconto de
parte da conta de precatórios.
Nos cálculos da Instituição Fiscal
Independente (IFI), haverá déficit de R$ 64,2 bilhões. Felipe Salto, sócio da
Warren Rena, calcula R$ 75,1 bilhões. Os dois os valores, embora negativos, são
compatíveis com o cumprimento da meta.
Mas, para atingi-los, seria necessário cortar
de R$ 22,4 bilhões em despesas e abrir um crédito adicional de R$ 12,4 bilhões,
calcula a IFI. Para Salto, seria necessário reduzir gastos em R$ 35,4 bilhões.
A questão é se haverá condições políticas
para tanto. No momento, a pressão é por mais gastos, e não menos. Os bastidores
da área econômica estão agitados com a decisão de ressarcir os descontos
indevidos nas aposentadorias pagas pelo Instituto Nacional do Seguro Social
(INSS). Fala-se em R$ 6,3 bilhões, mas o valor exato ainda é desconhecido. O
receio nos bastidores é que aumente.
É uma despesa que vai disputar espaço com
outras que já estão no Orçamento. A menos que seja possível remanejar recursos
do próprio INSS, como indicou ontem o secretário do Tesouro, Rogério Ceron.
Outra hipótese seria pagar com um crédito
extraordinário, como o das calamidades, fora das regras fiscais. Seria mau
sinal para o arcabouço.
O ressarcimento aos aposentados é só uma das
despesas que precisam ser encaixadas no Orçamento deste ano. Há outras, como o
Pé-de-Meia e o vale-gás. E não será surpresa para ninguém se os gastos com o
pagamento de aposentadorias, pensões e Benefícios de Prestação Continuada (BPC)
forem revisados para cima. A IFI calcula que as despesas com Previdência
estejam subestimadas em R$ 16 bilhões, e com benefícios assistenciais, R$ 6,6
bilhões.
Há, ainda, preocupação com a recente decisão
do Supremo Tribunal Federal (STF) que mandou retirar, do limite de despesas do
arcabouço, aquelas custeadas com receitas próprias dos tribunais e órgãos do
Judiciário da União. Na visão de um técnico, o perigo é a prática se espalhar.
Em seu relatório de abril, a IFI aponta para
riscos fiscais dessa decisão. Um é a possibilidade de despesas custeadas com
receitas próprias crescerem acima do limite do arcabouço. Outro é “o aumento da
percepção de fragilidade das regras previstas no arcabouço fiscal, com
possíveis consequências na avaliação do risco país, causando impactos negativos
no endividamento público e nas taxas de juros e câmbio, por exemplo”.
Em julho passado, Lula deu sinal verde para
três medidas de ajuste fiscal: o pente-fino, a realização de bloqueios (feitos
quando as despesas tendem a ultrapassar o limite estabelecido no arcabouço) e
contingenciamentos (feitos quando o resultado fiscal projetado para o ano fica
abaixo da meta) no valor que fosse necessário para atingir a meta e os estudos
para cortes estruturais nos gastos do governo.
O pente-fino não vai produzir a economia de
R$ 25,9 bilhões anunciada no ano passado, como mostramos aqui. No INSS, a
frustração é de R$ 4,7 bilhões. Já se sabe, pelo desempenho visto até março,
que os R$ 6,4 bilhões esperados com a cessação de benefícios irregulares do BPC
não serão atingidos.
Os cortes estruturais nas despesas, que
concentraram as atenções do governo no fim do ano passado, ficaram aquém do que
desejava a área econômica.
A ver o que acontecerá com os bloqueios e
contingenciamentos diante das pressões da ala política.
A batalha dos R$ 30,9 bilhões ocorre num
momento em que o mundo se prepara para abrir os cofres e injetar dinheiro na
economia, em resposta à recessão que as políticas do presidente dos Estados
Unidos, Donald Trump, colocaram no horizonte. As implicações disso para o
Brasil e seu arcabouço fiscal ainda estão em aberto.
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