quarta-feira, 30 de abril de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Maré favorável à ultradireita reflui com ‘efeito Trump’

O Globo

Vitória de liberais no Canadá depois de campanha antitrumpista traz inspiração a outros países

A vitória de Donald Trump no ano passado parecia prenunciar o avanço da ultradireita populista no mundo todo. Antes mesmo da posse, Elon Musk, arauto do trumpismo, não perdeu tempo para tentar influenciar eleições na Alemanha e pelo mundo. Parecia que as democracias seriam varridas pelo populismo da direita radical. Passados três meses, Trump começa a surtir o efeito oposto nas disputas eleitorais.

Nas eleições de segunda-feira no Canadá, Mark Carney liderou a vitória do Partido Liberal, de centro-esquerda, para mais um mandato — o quarto consecutivo. O fator determinante na campanha foi a bandeira anti-Trump. Se o estilo errático e caótico que impera na Casa Branca persistir, é bastante provável que outras eleições mundo afora tenham desfecho semelhante.

Em tempos de incerteza, os canadenses correram para a opção mais segura e sensata. Carney é um novato na política. Nunca concorrera a cargo eletivo. Assumiu o posto de primeiro-ministro em março, ao vencer a disputa no partido após a desistência do impopular Justin Trudeau. Sem carisma, com francês deficiente, tem um currículo em que se destacam dois postos de natureza técnica, a presidência dos bancos centrais de Canadá e Inglaterra. O conhecimento técnico e o estilo sereno, muitas vezes vistos como desvantagens em tempos de polarização, se converteram em atributos fundamentais para enfrentar o trumpismo.

No Canadá, Trump se tornou radioativo. O caos dos primeiros cem dias de governo assustou a opinião pública canadense. A guerra tarifária e a intenção de tornar o Canadá o 51º estado americano uniram os eleitores em torno da defesa nacional. O líder dos conservadores, Pierre Poilievre, era franco favorito até o fim do ano passado. As pesquisas apontavam vantagem de 24 pontos. Elogiado por Musk, festejado pela base trumpista e adepto de políticas similares às de Trump, ele contava os dias para sentar-se na cadeira de primeiro-ministro. Diante do refluxo da maré, até tentou se desvincular de Trump, mas a tarefa se provou impossível. Não conseguiu nem ser reeleito para o Parlamento em seu próprio distrito.

Embora a votação dos conservadores tenha sido significativa, a nova derrota para os liberais traz maus presságios para a direita radical. No primeiro discurso após a vitória, Carney manteve o tom da campanha: “Os Estados Unidos querem nossa terra, nossos recursos, nossa água. O presidente Trump tenta nos destruir para nos possuir. Isso nunca acontecerá”. Uma vez no poder, ele terá a oportunidade de exibir todo o seu pragmatismo. Oito em dez produtos exportados pelo Canadá vão para os Estados Unidos. Um em dez empregos está ligado ao comércio com o vizinho ao Sul. As conexões se estendem às áreas militar e de espionagem.

O mundo todo sente os efeitos da política protecionista de Trump, da instabilidade e da incerteza que emanam de sua personalidade errática e de sua gestão caótica. Se continuar a gerar confusão, a tendência é o apoio aos populistas da ultradireita ser posto em xeque também noutros países. Pelo menos no curto prazo, é difícil que Trump se torne um cabo eleitoral poderoso. A estratégia de oposição aguerrida ao caos trumpista, adotada por Carney, deverá inspirar candidatos mundo afora. Eleições como as deste ano no Chile e do ano que vem no Brasil permitirão saber se ela se tornará uma nova tendência.

Embates políticos prejudicam a recuperação do Rio Grande do Sul

O Globo

Um ano após tragédia das enchentes, choque eleitoral de petistas e governo tucano atrasa obras e apoio a vítimas

Um ano depois do desastre ambiental que atingiu 2 milhões em quase 500 municípios do Rio Grande do Sul, o enfrentamento entre o governador Eduardo Leite (PSDB) e o PT gaúcho tem prejudicado a recuperação do estado e o apoio às vítimas da tragédia. Várias obras de comportas, diques e proteção contra enchentes ainda não saíram do papel. Das casas prometidas aos desabrigados, mais da metade nem sequer foi contratada. Repasses estão parados na burocracia estatal, enquanto os mais vulneráveis sofrem as consequências dos embates políticos.

Ainda nos primeiros dias da tragédia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva nomeou como secretário para Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul um adversário político de Eduardo Leite, o deputado petista Paulo Pimenta, então secretário de Comunicação da Presidência (Secom) e pré-candidato petista ao governo gaúcho. Leite passou a tratar de questões referentes ao apoio federal com um potencial adversário de seu grupo político na eleições do ano que vem. Em setembro, Pimenta foi substituído em Porto Alegre por outro petista, Maneco Hassen. Era grande o risco de que os planos eleitorais para 2026 prejudicassem o entendimento entre as burocracias de Porto Alegre e Brasília. É o que tem ocorrido.

O mais recente motivo de reclamações de Leite envolve a liberação de R$ 3 bilhões do fundo federal extraordinário de R$ 6,5 bilhões, criado para atender ao estado. Petistas justificam o atraso alegando falta de projetos. Hassen afirma que foi preciso “cobranças mais incisivas e públicas” para que o governo estadual atendesse às exigências necessárias para a contratação das empresas. O assunto é tema de conflito entre PT e a base de Leite na Assembleia Legislativa. “Eduardo Leite não se mexeu para elaborar os projetos necessários”, diz nota de deputados petistas. O governador acusa a bancada do PT de usar a questão “de forma desonesta com interesses meramente eleitorais”. “É do conhecimento do governo federal que o estado está buscando a atualização dos projetos para ter acesso aos recursos do fundo”, afirma.

Enquanto transcorre o entrevero, há ainda 383 desabrigados, nove abrigos estão ativos e falta concluir obras importantes. Das dez comportas do sistema anticheias de Porto Alegre, sete não foram fechadas nem substituídas. Dos reforços necessários em quatro diques na cidade, apenas um será concluído em maio, e outro está com obras paralisadas pela Justiça. De 24,8 mil casas prometidas pelo programa Minha Casa, Minha Vida, apenas 10,6 mil foram entregues, contratadas ou estão em construção. E apenas na segunda-feira o governo gaúcho publicou edital para atualizar o projeto de engenharia do sistema de proteção contra cheias de Eldorado do Sul (Leite diz que a própria enchente criou a exigência de novos estudos para mitigar os impactos ambientais). Trechos de rodovias alagadas continuam bloqueados ou em péssimo estado. Há muito trabalho ainda. Sem dúvida o primeiro passo para executá-lo é superar as desavenças políticas e os interesses eleitorais.

Política protecionista de Trump gera variedade de efeitos

Valor Econômico

Abrupta guinada nos EUA pode ter consequência indireta na política monetária brasileira, permitindo uma acomodação da taxa de juros em um primeiro momento e uma subsequente redução antes do previsto

Os efeitos da guerra tarifária dos Estados Unidos contra o mundo começam a ser sentidos, embora ainda não se saiba seu alcance, magnitude e permanência, que dependem das decisões do presidente Donald Trump. O retrato inicial indica enorme e previsível queda do comércio China-EUA, preços em baixa das commodities, especialmente do petróleo, menor crescimento global, valorização das moedas emergentes, bem como fortalecimento de iene, franco suíço e euro, pressões inflacionárias em alta nos EUA e deflacionárias na China, com disseminação possível no Brasil e países emergentes e fluxos instáveis de capitais para fora dos EUA, sem novo rumo claramente definido. Há dados positivos e negativos para o Brasil - por exemplo, avanço das exportações para a China, mas queda nas captações externas de empresas brasileiras.

Há uma enorme variedade de efeitos, diretos e colaterais, deslanchada pela política protecionista de Trump. No lado financeiro, Caixa Econômica Federal, Localiza e Prio suspenderam captações que estavam engatilhadas no exterior diante da volatilidade dos mercados internacionais. E, como ricochete do bloqueio das tarifas ao ingresso de mercadorias chinesas no maior mercado do mundo, a Usiminas antecipou que pode cortar os investimentos dado o avanço das importações do aço chinês, mais um sinal do temor de onda invasora de bens da China. A consultoria Eurasia prevê que os mercados brasileiros mais vulneráveis são, além do siderúrgico, os de produtos químicos, pneus, vestuários e veículos.

A forte volatilidade dos títulos do Tesouro americano, do dólar e do mercado de ações freou os projetos de captação de recursos em moeda estrangeira. Há também incerteza sobre os ingressos de investidores estrangeiros em ações e na produção. O mercado de lançamento de ações teve o pior início do ano em duas décadas (Valor, 23/4), com só um follow-on de empresa listada, a Caixa, que movimentou R$ 1,22 bilhão. Por outro lado, a insegurança que começou a afetar os títulos do Tesouro dos EUA criou a expectativa de reprecificação do risco, com alguma melhoria dos títulos e demais ativos de países emergentes, entre os quais os do Brasil estariam bem posicionados.

O futuro da economia global dependerá da performance de suas duas principais economias. As projeções para o desempenho americano são de um encolhimento forte, embora ainda não uma recessão, com o PIB avançando abaixo de 1% e sujeito a piora, dependendo dos próximos passos de Trump. No caso da China, cujo dinamismo em 2024 esteve fortemente ligado a exportações, as gigantescas tarifas impostas pelos EUA tornam extremamente difícil que atinja sua meta de crescimento de 5% neste ano. Previsões, como as da consultoria Oxford Economics, se situam em torno de 4%. EUA e China puxaram para cima a expansão mundial no ano passado. Agora, ao que tudo indica, agirão em sentido contrário, para deprimi-la.

A significativa perda de ritmo das economias da China e dos EUA arrefecerá os preços do petróleo e das commodities, como aço, metais básicos e bens agrícolas, o que vem ocorrendo desde que Trump começou a elevar as tarifas em 2 de abril. Com o declínio do dólar, a desvalorização das commodities ganhou tração desinflacionária, o que, se por um lado, reduz receitas de países emergentes altamente endividados, o que não é o caso do Brasil, por outro pode ser um auxílio não desprezível contra as pressões inflacionárias, o que pode ser o caso do Brasil.

O Brasil deve ter alguma vantagem nas exportações da agropecuária. Embora ganhos no mercado americano sejam possíveis, a depender da calibragem das “tarifas recíprocas” que Trump adiou até 9 de julho, eles são certos com a China, que aumentou suas compras de soja, em detrimento do produto americano, e deve fazer o mesmo com o sorgo e as carnes. No primeiro trimestre, o Brasil exportou US$ 1,36 bilhão de carne bovina fresca refrigerada ou congelada para a China, o maior número para o período desde 2022 e quase um quarto do total exportado em 2024. Outros países da Ásia, como o Japão e Vietnã, também podem importar mais do Brasil nesse rearranjo do comércio. Ganhos maiúsculos e permanentes advirão do acordo entre o Mercosul e a União Europeia, com o grande empurrão dado pelo protecionismo de Trump.

A abrupta guinada de rota da economia, que prejudica todos os países, pode ter consequência indireta na política monetária brasileira, permitindo uma acomodação da taxa de juros em um primeiro momento, e uma subsequente redução antes do previsto, depois, com a ajuda providencial da queda do dólar. Os sinais domésticos de inflação e expectativas continuam tão ruins quanto antes, mas o balanço dos riscos tende a se tornar equilibrado. Por motivos ruins, a inflação deve perder ímpeto, embora isso já devesse estar ocorrendo por atitudes positivas do governo de conter os gastos públicos.

Todo esse quadro, porém, é tão confiável quanto a disposição de Trump de manter seus planos comerciais. A eventual disposição de negociar exceções com a China, por exemplo, pode mudar muito as perspectivas

Lupi perdeu as condições de seguir no governo

Folha de S. Paulo

Ministro foi omisso ante fraude no INSS; sob Lula, descontos subiram 273% em 2024 em relação ao último ano de Bolsonaro

O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) forçou a saída do presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, apenas quando a Polícia Federal bateu às portas da instituição. O ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, não havia se prontificado a demitir o auxiliar nem quando o escândalo enfim aflorou.

Havia indícios de escândalos ao menos desde 2019. Foi naquele período que a Procuradoria da República no Paraná recomendou ao INSS a revisão das autorizações de descontos de benefícios previdenciários em favor de entidades que dizem prestar serviços a seus associados.

No cargo desde o início deste governo, em 2023, Lupi foi omisso quanto a denúncias e recomendações de órgãos de controle a respeito de inoperâncias e sinais de malfeitos justamente na administração do que é a essência do seu ministério, o instituto responsável pelo pagamento de aposentadorias, pensões e auxílios.

Como se não bastasse, não deu conta também de reduzir a fila de pedidos de benefícios.
Investigações policiais indicam que os desvios podem ter começado durante o governo de Michel Temer (2016-2018), explodindo sob Lula. Os descontos cresceram 84% em 2023 e 273% em 2024, na comparação com o último ano de Jair Bolsonaro (PL).

Ao passo que aumentavam o valor total dos descontos e o número de reclamações dos beneficiários, acumulavam-se alertas e pedidos de providências por parte de instituições como Ministério Público, Tribunal de Contas da União (TCU) e Controladoria-Geral da União (CGU). O que não funcionou foi a pasta da Previdência.

Em 2023, o problema fora levado ao Conselho Nacional da Previdência Social, presidido por Lupi. Em meados de 2024, a CGU enviou ao INSS versão preliminar de sua auditoria sobre os descontos, com evidências de desvios e recomendações de medidas.

Em setembro daquele ano, em relatório final, a CGU afirmava que a instituição era negligente desde 2019, por saber desde então de denúncias de fraudes e da falta de capacidade operacional para supervisionar processos e autorizações de descontos.

Lupi, defendendo-se, disse ter demitido um diretor que haveria retardado auditoria interna, em julho de 2024. Foi nesse ano que a instituição criou a norma de autorizar descontos apenas com documentação mais rigorosa, biometria inclusive, decisão implementada apenas neste 2025.

O que foi feito sobre denúncias e avisos de tantos órgãos de controle? Houve tentativa de recuperar o dinheiro do cidadão?

À Folha, Lupi disse que "não é simples investigar" e que "a administração pública é demorada". Seu ministério e o INSS, especialistas no assunto, encarregados de controles e detentores dos dados, não teriam mais meios de averiguação do que, por exemplo, a CGU?

De mais evidente, não faz sentido que o responsável administrativo e político pelo descalabro continue no ministério.

Jogo virado no Canadá

Folha de S. Paulo

Mark Carney vence contra conservador trumpista; conflito promovido pelo presidente americano contribuiu para o resultado

O candidato Pierre Poilievre, do Partido Conservador, é conhecido como o "Trump canadense". Mas tudo o que o presidente americano fez foi ajudar seu parceiro ideológico a perder a eleição nacional do Canadá, realizada na segunda (28).

Com 99,8% das urnas apuradas, o partido conservador de Poilievre havia obtido 41,2% dos votos, ante 43,7% dos liberais liderados pelo primeiro-ministro Mark Carney, que permanecerá no comando do país.

O resultado apertado reflete uma virada impressionante que teve início após a tresloucada imposição de tarifas de Trump que impactou o comércio global, tendo o Canadá como um dos países mais prejudicados.

Segundo o instituto Ipsos, em janeiro, Carney tinha 20% das intenções de voto, e Poilievre, 46%. Um dia após a taxação de 25% pelos Estados Unidos, em fevereiro, o candidato do Partido Liberal passou a 28%, ante 41% do adversário conservador. Um mês antes do pleito a liderança se inverteu, com 42% e 36%, respectivamente.

O ex-premiê Justin Trudeau renunciou ao cargo e à direção do Partido Liberal em março, após 10 anos no poder e 12 anos à frente da legenda. Antes, havia proferido discurso contundente contra a guerra comercial de Trump.

Carney assumiu os dois postos e deu início a uma campanha baseada na exaltação da soberania canadense contra as investidas do mandatário americano —que ainda se arvora a defender a anexação da nação vizinha.

As dificuldades enfrentadas pelo Partido Liberal vieram do desgaste de Trudeau, cuja popularidade estava em queda.

Canadenses reclamam do aumento de preços, principalmente relacionados à habitação, e da sobrecarga da imigração nos serviços públicos, como o de saúde —de fato, em 2024, o próprio governo anunciou medidas para limitar a entrada de residentes estrangeiros temporários no país.

O currículo de Carney pode ter influenciado a escolha do eleitor. Formado em Harvard, o economista foi presidente dos bancos centrais do Canadá, de 2008 a 2013, e do Reino Unido, de 2013 a 2020 (único estrangeiro em mais de 300 anos a exercer tal função). É conhecido por atuações eficientes em momentos de crise e vendeu essa imagem durante a campanha eleitoral.

Poilievre nem sequer conseguiu manter seu assento no Parlamento, que ocupou por 20 anos. Trump mirou nos importados canadenses, mas acertou na vitória de um premiê que representa ideologia oposta à sua —o que, de certa forma, é mais um sinal da insensatez de suas medidas.

Cem dias de bagunça na Casa Branca

O Estado de A. Paulo

Trump apequena o país que prometeu tornar ‘grande de novo’ ao ameaçar os fundamentos da democracia liberal, aqueles que fizeram a grandeza dos EUA. Quem preza a liberdade deve reagir

Tudo aquilo que fez os Estados Unidos grandes pode ser resumido numa fórmula: democracia liberal. Sempre que o país se desviou do respeito à divisão dos Poderes, às liberdades civis, ao livre comércio e à ordem internacional baseada em regras, apequenou-se. Nunca o risco de ruptura desses fundamentos foi tão grande como nos cem primeiros dias do segundo mandato do bagunceiro Donald Trump.

Internamente, seu populismo iliberal se manifesta na concentração desmedida dos poderes do Executivo. Reprimindo contrapesos e governando por decretos, Trump desafia a autoridade do Congresso e do Judiciário, mina instituições independentes e desmantela freios internos do próprio Executivo. A vingança contra instituições consideradas adversárias, como universidades ou ONGs, é indisfarçável. Trump já não se contenta em desmoralizar o establishment, quer tomar seu lugar.

No plano internacional, ele substituiu a diplomacia pela chantagem comercial e a ameaça militar velada. Sua “nova ordem mundial” é uma tentativa de girar o relógio da História rumo ao velho mundo das potências imperiais. Trump crê que um mundo regido pelo poder bruto, pela soberania absoluta e pelo unilateralismo – ao invés da democracia, dos direitos humanos e das alianças multilaterais – lhe dá melhores condições de fazer “negócios”. O outrora autoproclamado “líder do mundo livre” se transformou num Estado desonesto, imprevisível e predatório.

Os riscos são maiores do que em 2017: Trump não pode mais se reeleger e age mais por instinto e ideologia do que por cálculos eleitorais; afastou quadros republicanos moderados, cercando-se de militantes; e o contexto internacional está muito mais instável. Sua hubris autodestrutiva não é estranha à História: potências como a China sob Mao ou a URSS sob Stalin se debilitaram pelas políticas desastrosas de líderes inflexíveis com poder excessivo e visões ideológicas totalizantes.

Não cabe pessimismo, contudo. Primeiro, porque a estratégia trumpista tem limites. Visto como revolucionário por seus correligionários e como tirano por seus adversários, Trump é, antes de tudo, um narcisista indisciplinado e temperamental. Brigas internas e negociações improvisadas revelam um padrão: proclamações grandiloquentes seguidas de recuos humilhantes. A teoria do “líder louco” – intimidar inimigos com reações imprevisíveis – é insustentável quando aplicada a aliados. A reafirmação do peso geopolítico dos Estados Unidos sem coordenação com a Europa ou parceiros asiáticos cria vácuos que China e Rússia exploram. Domesticamente, a tática de governar com dramas e polêmicas multiplica sinais de exaustão e medo mesmo entre apoiadores.

De resto, os Estados Unidos não são a URSS ou a China, muito menos a Venezuela ou a Hungria. Sua cultura democrática lhes dá reservas morais de outra ordem para reafirmar os valores constitucionais de liberdade de expressão, independência judicial e profissionalismo da burocracia pública. Setores da sociedade já reagem com ações na Justiça, mas precisam suplantar iniciativas isoladas com uma coordenação cívica. Sobretudo, não devem confundir a defesa das instituições com a defesa do status quo pré-Trump. Restaurar a confiança exige humildade e autocrítica para propor reformas que enfrentem as desigualdades e os ressentimentos que abastecem o movimento Maga.

A reação internacional tampouco deve ser “contra” os Estados Unidos, mas a favor da ordem liberal: europeus, asiáticos e latino-americanos precisam reforçar sua integração econômica, tecnológica e de defesa, através de acordos de livre comércio, parcerias de inovação e capacidades multilaterais de dissuasão militar.

Democracias não sucumbem apenas a golpes de força, mas podem ser lentamente corroídas pela apatia e a normalização do abuso de poder. Eventuais recuos de Trump sob a pressão dos mercados não significam que seus impulsos autoritários serão erradicados – podem até ser intensificados. Mais do que indignação ocasional, resistir a eles exige coordenação, perseverança e a coragem de defender os princípios que tornaram grandes não só a América, mas todo o mundo democrático liberal.

A dívida fala mais alto

O Estado de S. Paulo

Governo Lula alardeia o cumprimento da meta fiscal e exalta o arcabouço, mas a trajetória da dívida bruta nos últimos anos e os gastos com pagamento de juros ilustram um cenário desafiador

A dívida bruta deve ultrapassar a marca de R$ 10 trilhões em 2026, segundo reportagem publicada pelo Estadão/Broadcast, e o gasto com o pagamento dos juros deve chegar a R$ 1 trilhão ainda neste ano, cifra inédita na série de estatísticas fiscais do Banco Central (BC) iniciada em 2001. Os dados ilustram a escalada do endividamento público e provam a insuficiência do arcabouço fiscal como instrumento para estabilizar sua trajetória.

Nos últimos dez anos, a dívida bruta mais que dobrou. De R$ 3,252 trilhões em 2014, o endividamento atingiu R$ 8,984 trilhões no fim do ano passado. Na proporção do Produto Interno Bruto (PIB), por sua vez, o avanço foi de cerca de 20 pontos porcentuais, de 56,28% para 76,50% do PIB. Em 2028, a projeção é de que ela atinja R$ 11,314 trilhões, o equivalente a 89,27% do PIB, segundo previsões do mercado coletadas pelo BC.

O governo Lula da Silva sustenta não haver riscos de insolvência, cenário com o qual ninguém, de fato, trabalha no mercado financeiro. Mas isso não significa que não haja problemas, pois uma dívida elevada é, por óbvio, cara. Segundo o BTG Pactual, apenas a Bolívia precisa captar mais dinheiro que o Brasil para rolar sua dívida.

Ainda que não haja expectativa de calote, o aumento da dívida causa impactos na inflação e exige do Banco Central que mantenha a taxa básica de juros elevada por mais tempo, o que afasta investimentos e dificulta o crescimento econômico.

Não é por outra razão que economistas cobram do governo que faça um ajuste fiscal e volte a alcançar superávits primários, ou seja, um saldo positivo entre receitas e despesas, com exceção dos gastos com juros da dívida. Eis o único caminho para conter o endividamento e, consequentemente, os juros e a inflação de maneira sustentável.

Com uma meta de inflação a perseguir, o BC não pode simplesmente baixar os juros para impedir que a dívida e seu custo aumentem mais. O governo, no entanto, ajudaria muito se trabalhasse em conjunto com o BC para fazer da política fiscal uma aliada da política monetária, e não sua oponente.

Seria, ademais, uma maneira de desobstruir os canais de transmissão da política monetária, que hoje, nas palavras do presidente do BC, Gabriel Galípolo, exigem que “as doses do remédio sejam mais elevadas para que você consiga atingir o mesmo efeito”.

Mas o governo já deu mostras suficientes de que não fará nada nesse sentido. A ministra do Planejamento, Simone Tebet, reconheceu que o arcabouço fiscal terá de ser modificado, mas afirmou que isso só será possível em 2027 – ou seja, depois das eleições presidenciais de outubro do ano que vem.

Uma vez que se coloca de forma tão contrária à revisão de gastos, o governo deveria ao menos preservar a arrecadação para impedir a piora da dívida até lá. Mas não é o que tem ocorrido. A prometida reforma do Imposto de Renda foi abandonada para dar lugar a um projeto cujo principal objetivo é isentar todos aqueles que ganham até R$ 5 mil mensais.

O governo tampouco conseguiu encontrar espaço para incluir programas prioritários em sua agenda no Orçamento, como o Pé-de-Meia, que paga bolsas para incentivar estudantes de baixa renda a concluírem o ensino médio. Até agora, também não encontrou uma forma de financiar o Auxílio Gás, que terá o alcance quadruplicado até o ano que vem.

E, enquanto o BC aumenta os juros para conter a demanda e a inflação, o governo abre a torneira para ampliar o crédito consignado privado e criar mais uma faixa para financiar a aquisição de moradias pela classe média no Programa Minha Casa Minha Vida.

Culpar o ex-presidente do BC foi a estratégia do governo enquanto a instituição esteve sob a liderança de Roberto Campos Neto, e na falta de um discurso melhor a ladainha foi repetida depois das reuniões do Copom de janeiro e março.

É por essas e outras que o mercado financeiro passou a acompanhar a evolução da dívida bruta com lupa nos últimos meses. Pouco importa alardear o cumprimento da meta de déficit zero quando várias despesas são excluídas do cálculo. A dívida fala mais alto.

O prejuízo com a insegurança

O Estado de S. Paulo

Bem-vinda, a Trilha Interparques precisa oferecer sensação de segurança para vingar

Carente de áreas verdes, São Paulo ganhou recentemente uma trilha urbana de 182 quilômetros, a maior da cidade, que conecta unidades de conservação, represas e parques naturais na zona sul da capital. É, portanto, uma excelente notícia, festejada pelos paulistanos, como pudemos verificar nas manifestações de leitores deste jornal reunidas no Tema do Dia da edição de 20 de abril passado. No entanto, todos esses leitores foram unânimes em dizer que, apesar de felizes com a iniciativa, não pretendiam usufruir da novidade, por uma razão fundamental: a insegurança.

“A região é linda, mas o extremo da zona sul é muito violento, não tenho coragem”, escreveu a leitora Sheila Bitencourt. Outra leitora, Edilaine Bompani, também lamentou: “Deve ser lindo, mas com certeza a segurança é zero”.

Esse é um bom retrato da sensação de vulnerabilidade que muitos paulistanos têm em sua cidade. Ainda que a Trilha Interparques, como é chamado o circuito, tenha sido entregue com a promessa de vigilância 24 horas em alguns pontos, os moradores da capital desconfiam – um sentimento que só será mitigado quando o policiamento se fizer mais efetivo e presente e quando andar com o celular na mão deixar de ser perigoso.

É uma pena que o medo impeça o paulistano de usufruir de tudo o que a cidade tem para o lazer de seus moradores, como é o caso da Trilha Interparques, que oferece píeres com vista para a Represa Billings, um dos principais reservatórios de água da região metropolitana, torre de observação panorâmica para outra represa, a Guarapiranga, e áreas para piquenique.

O visitante também pode ver a transição da Mata Atlântica, bioma caracterizado por mata densa e exuberante, para o Cerrado, de vegetação mais baixa e esparsa. Acessível por diversos pontos, a Trilha Interparques pode ser percorrida a pé ou de bicicleta. De acordo com a Prefeitura, o percurso é sinalizado de modo que ninguém se perca em área de mata.

Ademais, projetos como a Trilha Interparques podem estimular a preservação ambiental. Nessa região específica, de grandes represas, um ganho potencial é a conscientização sobre a necessidade de fontes de água livres de poluição. E para a população local um parque desse tipo pode representar oportunidades econômicas que, como se sabe, não são abundantes nos extremos da capital paulista. Ou seja, todos têm a ganhar.

Para que todo esse potencial se realize, contudo, o poder público precisa atuar de maneira mais firme para dar aos usuários a segurança que eles esperam. A Secretaria Municipal de Segurança Urbana afirmou que intensificou o patrulhamento da Guarda Civil Metropolitana em pontos estratégicos do parque, mobilizando 29 viaturas e 87 agentes. Parece insuficiente para uma rota de mais de 180 quilômetros, que atravessa regiões com altos índices de criminalidade.

Seria uma pena que a Trilha Interparques fosse preterida como programa familiar de lazer dos paulistanos em razão do medo.

INSS e conta de luz mobilizam o governo

Correio Braziliense

Governo encara uma nova onda de críticas por conta do escândalo de fraudes no INSS e apresenta projeto para zerar a conta de luz para cerca de 16 milhões de brasileiros

O noticiário político e econômico, nas últimas semanas, apresenta um cenário intrigante para o governo federal. A administração enfrenta um panorama de decisões importantes que podem definir o futuro da percepção da sociedade sobre a segunda metade da gestão lulista.

Por um lado, o governo encara uma nova onda de críticas por conta do escândalo do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Por outro lado, tem a possibilidade de melhorar os índices de aprovação por meio do projeto de lei de reforma do setor elétrico que prevê zerar a conta de luz de milhões de brasileiros.

 É necessário destacar que a fraude no INSS acontecia em gestões anteriores, mais precisamente a partir de 2016, mas quem está com a caneta nas mãos tende a ser colocado na mira da desaprovação popular. Até porque o atual ministro da Previdência, Carlos Lupi, admitiu que tinha conhecimento sobre os cortes irregulares desde o segundo semestre do ano passado.

O caso não expõe apenas o INSS. Também coloca em posição ainda mais sensível a relação entre o trabalhador e os sindicatos, criticados por categorias desde a reforma trabalhista de Michel Temer, que tornou a contribuição a essas entidades não obrigatória. Isso porque o esquema que retirava ilegalmente o dinheiro dos aposentados foi arquitetado por meio dos Acordos de Cooperação Técnica (ACT), assinados por essas entidades diretamente com o INSS. Há de se destacar que as investigações indicam que houve falsificação de documentos, já que a maioria dos aposentados afirma não ter autorizado os descontos. 

Em outra frente, o governo tem munição para melhorar sua percepção perante a opinião pública a partir da proposta do Ministério de Minas e Energia (MME) de zerar a conta de luz para os cerca de 16 milhões de brasileiros que se enquadram na tarifa social. 

O governo federal defende que a proposta é uma forma de promover "justiça tarifária", em convergência à proposta do Ministério da Fazenda para isentar o pagamento do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, endurecendo a cobrança para os mais ricos. 

A ideia do MME é isentar o pagamento da energia elétrica para famílias inscritas no CadÚnico com renda mensal de até meio salário mínimo (per capita); indígenas e quilombolas; pessoas com deficiências e/ou idosos inscritos no Benefício de Prestação Continuada (BPC); e famílias do CadÚnico atendidas em sistemas isolados por módulo de geração. Em todos os casos, a conta não pode superar 80 quilowatts-hora (kWh) por mês. Se ultrapassar, esses consumidores só pagarão aquilo que exceder o limite citado.

A proposta pode, e deve, sofrer alterações no Congresso Nacional, mas o texto de largada certamente agrada a população mais pobre, que verá seu poder de compra aumentar sem a tarifa da energia. Bola dentro, mas que precisa chegar ao conhecimento das pessoas a partir de campanhas publicitárias efetivas.

 Tanto no projeto de isenção da conta de luz quanto no caso das fraudes no INSS, a capacidade de comunicação do governo será testada novamente: ponto-chave para a percepção pública sobre a administração do terceiro mandato de Lula.

Negociação indevida

O Povo

O Supremo Tribunal Federal envolveu-se em acordos políticos para superar um impasse que ele mesmo criou

A pressão do Partido Liberal (PL) pela anistia aos envolvidos nas manifestações de 8 de janeiro de 2023, benefício que incluiria o ex-presidente Jair Bolsonaro, levaram a uma negociação entre o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) para escapar do impasse.

Segundo a jornalista Mônica Bergamo (Folha de S.Paulo), os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), e da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), estariam concluindo negociação com o STF para aprovar uma lei que diminua as penas dos condenados que tiveram participação menos gravosa no 8/1, aumentando a punição para os líderes do movimento golpista.

De acordo com a jornalista, o ministro do STF Alexandre de Moraes seria o principal interlocutor com o Congresso, com a concordância do presidente da Corte, Luís Roberto Barroso. Seguindo esse possível acordo, Motta e Alcolumbre ficariam encarregados de propor essa nova legislação. O governo federal concorda com essas negociações.

Assim, os manifestantes presos, considerados somente "massa de manobra" dos comandantes da tentativa de golpe de Estado, já poderiam ser soltos ou cumprirem pena no regime semiaberto, ou em prisão domiciliar. A decisão caberia ao STF, analisando caso a caso.

O objetivo dessa negociação, como fica claro, é esvaziar o movimento em favor da anistia aos sublevados, mantendo a possibilidade de aplicar penas severas aos que comandaram a tentativa de golpe.

Ao mesmo tempo, ofereceria uma saída ao STF para reduzir as penas consideradas excessivas contra manifestantes que tiveram participação secundária no ataque de 8 de janeiro.

Essa visão estaria, inclusive, mais próxima das expectativas da sociedade, que se manifesta contra a anistia, porém resguarda um sentimento de que as punições, em alguns casos, foram muito rigorosas.

No entanto, soa estranho que o STF se disponha avocar a prerrogativa de "negociar" com outro poder para interferir em uma competência, a criação de leis, que não diz respeito ao Judiciário.

Se o STF entende que errou ao aplicar punições excessivas, a correção deve ser feita a partir de seus próprios instrumentos, pois, ao se envolver em articulações políticas para corrigir eventuais falhas, expõe o STF.

É de se lembrar que o próprio Supremo, anteriormente, dera sinais de que não aceitaria uma lei para anistiar os participantes da tentativa de golpe, pois seria inconstitucional. No entanto, agora, o próprio tribunal, segundo informações disponíveis, se envolve em acordos políticos para superar um impasse que ele mesmo criou. Além disso, pode sugerir uma capitulação ao bolsonarismo. E, ainda, resta o problema de que, ao abrir uma porta para a política, haverá dificuldade em fechá-la depois.

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