Maré favorável à ultradireita reflui com ‘efeito Trump’
O Globo
Vitória de liberais no Canadá depois de
campanha antitrumpista traz inspiração a outros países
A vitória de Donald Trump no
ano passado parecia prenunciar o avanço da ultradireita populista no mundo
todo. Antes mesmo da posse, Elon Musk, arauto do trumpismo, não perdeu tempo
para tentar influenciar eleições na Alemanha e pelo mundo. Parecia que as
democracias seriam varridas pelo populismo da direita radical. Passados três
meses, Trump começa a surtir o efeito oposto nas disputas eleitorais.
Nas eleições de segunda-feira no Canadá, Mark Carney
liderou a vitória do Partido Liberal, de centro-esquerda, para mais um mandato
— o quarto consecutivo. O fator determinante na campanha foi a bandeira
anti-Trump. Se o estilo errático e caótico que impera na Casa Branca persistir,
é bastante provável que outras eleições mundo afora tenham desfecho semelhante.
Em tempos de incerteza, os canadenses correram para a opção mais segura e sensata. Carney é um novato na política. Nunca concorrera a cargo eletivo. Assumiu o posto de primeiro-ministro em março, ao vencer a disputa no partido após a desistência do impopular Justin Trudeau. Sem carisma, com francês deficiente, tem um currículo em que se destacam dois postos de natureza técnica, a presidência dos bancos centrais de Canadá e Inglaterra. O conhecimento técnico e o estilo sereno, muitas vezes vistos como desvantagens em tempos de polarização, se converteram em atributos fundamentais para enfrentar o trumpismo.
No Canadá, Trump se tornou radioativo. O caos
dos primeiros cem dias de governo assustou a opinião pública canadense. A
guerra tarifária e a intenção de tornar o Canadá o 51º estado americano uniram
os eleitores em torno da defesa nacional. O líder dos conservadores, Pierre
Poilievre, era franco favorito até o fim do ano passado. As pesquisas apontavam
vantagem de 24 pontos. Elogiado por Musk, festejado pela base trumpista e
adepto de políticas similares às de Trump, ele contava os dias para sentar-se na
cadeira de primeiro-ministro. Diante do refluxo da maré, até tentou se
desvincular de Trump, mas a tarefa se provou impossível. Não conseguiu nem ser
reeleito para o Parlamento em seu próprio distrito.
Embora a votação dos conservadores tenha sido
significativa, a nova derrota para os liberais traz maus presságios para a
direita radical. No primeiro discurso após a vitória, Carney manteve o tom da
campanha: “Os Estados Unidos querem nossa terra, nossos recursos, nossa água. O
presidente Trump tenta nos destruir para nos possuir. Isso nunca acontecerá”.
Uma vez no poder, ele terá a oportunidade de exibir todo o seu pragmatismo.
Oito em dez produtos exportados pelo Canadá vão para os Estados Unidos. Um em dez
empregos está ligado ao comércio com o vizinho ao Sul. As conexões se estendem
às áreas militar e de espionagem.
O mundo todo sente os efeitos da política
protecionista de Trump, da instabilidade e da incerteza que emanam de sua
personalidade errática e de sua gestão caótica. Se continuar a gerar confusão,
a tendência é o apoio aos populistas da ultradireita ser posto em xeque também
noutros países. Pelo menos no curto prazo, é difícil que Trump se torne um cabo
eleitoral poderoso. A estratégia de oposição aguerrida ao caos trumpista,
adotada por Carney, deverá inspirar candidatos mundo afora. Eleições como as
deste ano no Chile e do ano que vem no Brasil permitirão saber se ela se
tornará uma nova tendência.
Embates políticos prejudicam a recuperação do
Rio Grande do Sul
O Globo
Um ano após tragédia das enchentes, choque
eleitoral de petistas e governo tucano atrasa obras e apoio a vítimas
Um ano depois do desastre ambiental que
atingiu 2 milhões em quase 500 municípios do Rio Grande do
Sul, o enfrentamento entre o governador Eduardo Leite (PSDB)
e o PT gaúcho tem prejudicado a recuperação do estado e o apoio às vítimas da
tragédia. Várias obras de comportas, diques e proteção contra enchentes ainda
não saíram do papel. Das casas prometidas aos desabrigados, mais da metade nem
sequer foi contratada. Repasses estão parados na burocracia estatal, enquanto
os mais vulneráveis sofrem as consequências dos embates políticos.
Ainda nos primeiros dias da tragédia, o
presidente Luiz Inácio Lula da
Silva nomeou como secretário para Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul um
adversário político de Eduardo Leite, o deputado petista Paulo Pimenta, então
secretário de Comunicação da Presidência (Secom) e pré-candidato petista ao
governo gaúcho. Leite passou a tratar de questões referentes ao apoio federal
com um potencial adversário de seu grupo político na eleições do ano que vem.
Em setembro, Pimenta foi substituído em Porto Alegre por outro petista, Maneco
Hassen. Era grande o risco de que os planos eleitorais para 2026 prejudicassem
o entendimento entre as burocracias de Porto Alegre e Brasília. É o que tem
ocorrido.
O mais recente motivo de reclamações de Leite
envolve a liberação de R$ 3 bilhões do fundo federal extraordinário de R$ 6,5
bilhões, criado para atender ao estado. Petistas justificam o atraso alegando
falta de projetos. Hassen afirma que foi preciso “cobranças mais incisivas e
públicas” para que o governo estadual atendesse às exigências necessárias para
a contratação das empresas. O assunto é tema de conflito entre PT e a base de
Leite na Assembleia Legislativa. “Eduardo Leite não se mexeu para elaborar os
projetos necessários”, diz nota de deputados petistas. O governador acusa a
bancada do PT de usar a questão “de forma desonesta com interesses meramente
eleitorais”. “É do conhecimento do governo federal que o estado está buscando a
atualização dos projetos para ter acesso aos recursos do fundo”, afirma.
Enquanto transcorre o entrevero, há ainda 383 desabrigados, nove abrigos estão ativos e falta concluir obras importantes. Das dez comportas do sistema anticheias de Porto Alegre, sete não foram fechadas nem substituídas. Dos reforços necessários em quatro diques na cidade, apenas um será concluído em maio, e outro está com obras paralisadas pela Justiça. De 24,8 mil casas prometidas pelo programa Minha Casa, Minha Vida, apenas 10,6 mil foram entregues, contratadas ou estão em construção. E apenas na segunda-feira o governo gaúcho publicou edital para atualizar o projeto de engenharia do sistema de proteção contra cheias de Eldorado do Sul (Leite diz que a própria enchente criou a exigência de novos estudos para mitigar os impactos ambientais). Trechos de rodovias alagadas continuam bloqueados ou em péssimo estado. Há muito trabalho ainda. Sem dúvida o primeiro passo para executá-lo é superar as desavenças políticas e os interesses eleitorais.
Política protecionista de Trump gera
variedade de efeitos
Valor Econômico
Abrupta guinada nos EUA pode ter consequência
indireta na política monetária brasileira, permitindo uma acomodação da taxa de
juros em um primeiro momento e uma subsequente redução antes do previsto
Os efeitos da guerra tarifária dos Estados
Unidos contra o mundo começam a ser sentidos, embora ainda não se saiba seu
alcance, magnitude e permanência, que dependem das decisões do presidente
Donald Trump. O retrato inicial indica enorme e previsível queda do comércio
China-EUA, preços em baixa das commodities, especialmente do petróleo, menor
crescimento global, valorização das moedas emergentes, bem como fortalecimento
de iene, franco suíço e euro, pressões inflacionárias em alta nos EUA e
deflacionárias na China, com disseminação possível no Brasil e países
emergentes e fluxos instáveis de capitais para fora dos EUA, sem novo rumo
claramente definido. Há dados positivos e negativos para o Brasil - por
exemplo, avanço das exportações para a China, mas queda nas captações externas
de empresas brasileiras.
Há uma enorme variedade de efeitos, diretos e
colaterais, deslanchada pela política protecionista de Trump. No lado
financeiro, Caixa Econômica Federal, Localiza e Prio suspenderam captações que
estavam engatilhadas no exterior diante da volatilidade dos mercados
internacionais. E, como ricochete do bloqueio das tarifas ao ingresso de
mercadorias chinesas no maior mercado do mundo, a Usiminas antecipou que pode
cortar os investimentos dado o avanço das importações do aço chinês, mais um
sinal do temor de onda invasora de bens da China. A consultoria Eurasia prevê
que os mercados brasileiros mais vulneráveis são, além do siderúrgico, os de
produtos químicos, pneus, vestuários e veículos.
A forte volatilidade dos títulos do Tesouro
americano, do dólar e do mercado de ações freou os projetos de captação de
recursos em moeda estrangeira. Há também incerteza sobre os ingressos de
investidores estrangeiros em ações e na produção. O mercado de lançamento de
ações teve o pior início do ano em duas décadas (Valor, 23/4), com só um
follow-on de empresa listada, a Caixa, que movimentou R$ 1,22 bilhão. Por outro
lado, a insegurança que começou a afetar os títulos do Tesouro dos EUA criou a
expectativa de reprecificação do risco, com alguma melhoria dos títulos e
demais ativos de países emergentes, entre os quais os do Brasil estariam bem
posicionados.
O futuro da economia global dependerá da
performance de suas duas principais economias. As projeções para o desempenho
americano são de um encolhimento forte, embora ainda não uma recessão, com o
PIB avançando abaixo de 1% e sujeito a piora, dependendo dos próximos passos de
Trump. No caso da China, cujo dinamismo em 2024 esteve fortemente ligado a
exportações, as gigantescas tarifas impostas pelos EUA tornam extremamente
difícil que atinja sua meta de crescimento de 5% neste ano. Previsões, como as
da consultoria Oxford Economics, se situam em torno de 4%. EUA e China puxaram
para cima a expansão mundial no ano passado. Agora, ao que tudo indica, agirão
em sentido contrário, para deprimi-la.
A significativa perda de ritmo das economias
da China e dos EUA arrefecerá os preços do petróleo e das commodities, como
aço, metais básicos e bens agrícolas, o que vem ocorrendo desde que Trump
começou a elevar as tarifas em 2 de abril. Com o declínio do dólar, a
desvalorização das commodities ganhou tração desinflacionária, o que, se por um
lado, reduz receitas de países emergentes altamente endividados, o que não é o
caso do Brasil, por outro pode ser um auxílio não desprezível contra as
pressões inflacionárias, o que pode ser o caso do Brasil.
O Brasil deve ter alguma vantagem nas
exportações da agropecuária. Embora ganhos no mercado americano sejam
possíveis, a depender da calibragem das “tarifas recíprocas” que Trump adiou
até 9 de julho, eles são certos com a China, que aumentou suas compras de soja,
em detrimento do produto americano, e deve fazer o mesmo com o sorgo e as
carnes. No primeiro trimestre, o Brasil exportou US$ 1,36 bilhão de carne
bovina fresca refrigerada ou congelada para a China, o maior número para o
período desde 2022 e quase um quarto do total exportado em 2024. Outros países
da Ásia, como o Japão e Vietnã, também podem importar mais do Brasil nesse
rearranjo do comércio. Ganhos maiúsculos e permanentes advirão do acordo entre
o Mercosul e a União Europeia, com o grande empurrão dado pelo protecionismo de
Trump.
A abrupta guinada de rota da economia, que
prejudica todos os países, pode ter consequência indireta na política monetária
brasileira, permitindo uma acomodação da taxa de juros em um primeiro momento,
e uma subsequente redução antes do previsto, depois, com a ajuda providencial
da queda do dólar. Os sinais domésticos de inflação e expectativas continuam
tão ruins quanto antes, mas o balanço dos riscos tende a se tornar equilibrado.
Por motivos ruins, a inflação deve perder ímpeto, embora isso já devesse estar
ocorrendo por atitudes positivas do governo de conter os gastos públicos.
Todo esse quadro, porém, é tão confiável
quanto a disposição de Trump de manter seus planos comerciais. A eventual
disposição de negociar exceções com a China, por exemplo, pode mudar muito as
perspectivas
Lupi perdeu as condições de seguir no governo
Folha de S. Paulo
Ministro foi omisso ante fraude no INSS; sob
Lula, descontos subiram 273% em 2024 em relação ao último ano de Bolsonaro
O governo Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) forçou a
saída do presidente do INSS, Alessandro
Stefanutto, apenas quando a Polícia
Federal bateu às portas da instituição. O ministro da Previdência
Social, Carlos Lupi, não havia se prontificado a demitir o auxiliar nem
quando o escândalo enfim aflorou.
Havia indícios de escândalos ao menos desde
2019. Foi naquele período que a Procuradoria da República no Paraná recomendou
ao INSS a revisão das autorizações de descontos de benefícios previdenciários
em favor de entidades que dizem prestar serviços a seus associados.
No cargo desde o início deste governo, em
2023, Lupi foi omisso quanto a denúncias e recomendações de órgãos de controle
a respeito de inoperâncias e sinais de malfeitos justamente na administração do
que é a essência do seu ministério, o instituto responsável pelo pagamento de
aposentadorias, pensões e auxílios.
Como se não bastasse, não deu conta também de
reduzir a fila de pedidos de benefícios.
Investigações policiais indicam que os desvios podem ter começado durante o
governo de Michel Temer (2016-2018),
explodindo sob Lula. Os descontos cresceram 84% em 2023 e 273% em 2024, na
comparação com o último ano de Jair
Bolsonaro (PL).
Ao passo que aumentavam
o valor total dos descontos e o número de reclamações dos
beneficiários, acumulavam-se alertas e pedidos de providências por parte de
instituições como Ministério
Público, Tribunal de Contas da União (TCU) e
Controladoria-Geral da União (CGU). O que não
funcionou foi a pasta da Previdência.
Em 2023, o problema fora levado ao Conselho
Nacional da Previdência Social, presidido por Lupi. Em meados de 2024, a CGU
enviou ao INSS versão preliminar de sua auditoria sobre os descontos, com
evidências de desvios e recomendações de medidas.
Em setembro daquele ano, em relatório final,
a CGU afirmava que a instituição era negligente desde 2019, por saber desde
então de denúncias de fraudes e da falta de capacidade operacional para
supervisionar processos e autorizações de descontos.
Lupi, defendendo-se, disse ter demitido um
diretor que haveria retardado auditoria interna, em julho de 2024. Foi nesse
ano que a instituição criou a norma de autorizar descontos apenas com
documentação mais rigorosa, biometria inclusive, decisão implementada apenas
neste 2025.
O que foi feito sobre denúncias e avisos de
tantos órgãos de controle? Houve tentativa de recuperar o dinheiro do cidadão?
À Folha, Lupi
disse que "não é simples investigar" e que "a
administração pública é demorada". Seu ministério e o INSS, especialistas
no assunto, encarregados de controles e detentores dos dados, não teriam mais
meios de averiguação do que, por exemplo, a CGU?
De mais evidente, não faz sentido que o
responsável administrativo e político pelo descalabro continue no ministério.
Jogo virado no Canadá
Folha de S. Paulo
Mark Carney vence contra conservador trumpista; conflito promovido pelo presidente americano contribuiu para o resultado
O candidato Pierre Poilievre, do Partido
Conservador, é conhecido como o "Trump canadense". Mas tudo o que o
presidente americano fez foi ajudar
seu parceiro ideológico a perder a eleição nacional do Canadá,
realizada na segunda (28).
Com 99,8% das urnas apuradas, o partido
conservador de Poilievre havia obtido 41,2% dos votos, ante 43,7% dos liberais
liderados pelo primeiro-ministro Mark Carney, que permanecerá no comando do
país.
O resultado apertado reflete uma virada
impressionante que teve início após a
tresloucada imposição de tarifas de Trump que impactou o comércio
global, tendo o Canadá como um dos países mais prejudicados.
Segundo o instituto Ipsos, em janeiro, Carney
tinha 20% das intenções de voto, e Poilievre, 46%. Um dia após a taxação de 25%
pelos Estados
Unidos, em fevereiro, o candidato do Partido Liberal passou a 28%, ante 41%
do adversário conservador. Um mês antes do pleito a liderança se inverteu, com
42% e 36%, respectivamente.
O ex-premiê Justin Trudeau renunciou
ao cargo e à direção do Partido Liberal em março, após 10 anos no
poder e 12 anos à frente da legenda. Antes, havia proferido discurso
contundente contra a guerra
comercial de Trump.
Carney assumiu os dois postos e deu início a
uma campanha baseada na exaltação da soberania canadense contra as investidas
do mandatário americano —que ainda se arvora a defender a anexação da nação
vizinha.
As dificuldades enfrentadas pelo Partido
Liberal vieram do desgaste de Trudeau, cuja popularidade estava em queda.
Canadenses reclamam do aumento de preços,
principalmente relacionados à habitação, e da sobrecarga da imigração nos
serviços públicos, como o de saúde —de fato, em 2024, o próprio governo
anunciou medidas para limitar a entrada de residentes estrangeiros temporários
no país.
O currículo de Carney pode ter influenciado a
escolha do eleitor. Formado em Harvard, o economista foi presidente dos bancos
centrais do Canadá, de 2008 a 2013, e do Reino Unido, de 2013 a 2020 (único
estrangeiro em mais de 300 anos a exercer tal função). É conhecido por atuações
eficientes em momentos de crise e vendeu essa imagem durante a campanha
eleitoral.
Poilievre nem sequer conseguiu manter seu assento no Parlamento, que ocupou por 20 anos. Trump mirou nos importados canadenses, mas acertou na vitória de um premiê que representa ideologia oposta à sua —o que, de certa forma, é mais um sinal da insensatez de suas medidas.
Cem dias de bagunça na Casa Branca
O Estado de A. Paulo
Trump apequena o país que prometeu tornar
‘grande de novo’ ao ameaçar os fundamentos da democracia liberal, aqueles que
fizeram a grandeza dos EUA. Quem preza a liberdade deve reagir
Tudo aquilo que fez os Estados Unidos grandes
pode ser resumido numa fórmula: democracia liberal. Sempre que o país se
desviou do respeito à divisão dos Poderes, às liberdades civis, ao livre
comércio e à ordem internacional baseada em regras, apequenou-se. Nunca o risco
de ruptura desses fundamentos foi tão grande como nos cem primeiros dias do
segundo mandato do bagunceiro Donald Trump.
Internamente, seu populismo iliberal se
manifesta na concentração desmedida dos poderes do Executivo. Reprimindo
contrapesos e governando por decretos, Trump desafia a autoridade do Congresso
e do Judiciário, mina instituições independentes e desmantela freios internos
do próprio Executivo. A vingança contra instituições consideradas adversárias,
como universidades ou ONGs, é indisfarçável. Trump já não se contenta em
desmoralizar o establishment, quer tomar seu lugar.
No plano internacional, ele substituiu a
diplomacia pela chantagem comercial e a ameaça militar velada. Sua “nova ordem
mundial” é uma tentativa de girar o relógio da História rumo ao velho mundo das
potências imperiais. Trump crê que um mundo regido pelo poder bruto, pela
soberania absoluta e pelo unilateralismo – ao invés da democracia, dos direitos
humanos e das alianças multilaterais – lhe dá melhores condições de fazer
“negócios”. O outrora autoproclamado “líder do mundo livre” se transformou num
Estado desonesto, imprevisível e predatório.
Os riscos são maiores do que em 2017: Trump
não pode mais se reeleger e age mais por instinto e ideologia do que por
cálculos eleitorais; afastou quadros republicanos moderados, cercando-se de
militantes; e o contexto internacional está muito mais instável. Sua hubris autodestrutiva
não é estranha à História: potências como a China sob Mao ou a URSS sob Stalin
se debilitaram pelas políticas desastrosas de líderes inflexíveis com poder
excessivo e visões ideológicas totalizantes.
Não cabe pessimismo, contudo. Primeiro,
porque a estratégia trumpista tem limites. Visto como revolucionário por seus
correligionários e como tirano por seus adversários, Trump é, antes de tudo, um
narcisista indisciplinado e temperamental. Brigas internas e negociações
improvisadas revelam um padrão: proclamações grandiloquentes seguidas de recuos
humilhantes. A teoria do “líder louco” – intimidar inimigos com reações
imprevisíveis – é insustentável quando aplicada a aliados. A reafirmação do
peso geopolítico dos Estados Unidos sem coordenação com a Europa ou parceiros
asiáticos cria vácuos que China e Rússia exploram. Domesticamente, a tática de
governar com dramas e polêmicas multiplica sinais de exaustão e medo mesmo
entre apoiadores.
De resto, os Estados Unidos não são a URSS ou
a China, muito menos a Venezuela ou a Hungria. Sua cultura democrática lhes dá
reservas morais de outra ordem para reafirmar os valores constitucionais de
liberdade de expressão, independência judicial e profissionalismo da burocracia
pública. Setores da sociedade já reagem com ações na Justiça, mas precisam
suplantar iniciativas isoladas com uma coordenação cívica. Sobretudo, não devem
confundir a defesa das instituições com a defesa do status quo pré-Trump.
Restaurar a confiança exige humildade e autocrítica para propor reformas que
enfrentem as desigualdades e os ressentimentos que abastecem o movimento Maga.
A reação internacional tampouco deve ser
“contra” os Estados Unidos, mas a favor da ordem liberal: europeus, asiáticos e
latino-americanos precisam reforçar sua integração econômica, tecnológica e de
defesa, através de acordos de livre comércio, parcerias de inovação e
capacidades multilaterais de dissuasão militar.
Democracias não sucumbem apenas a golpes de
força, mas podem ser lentamente corroídas pela apatia e a normalização do abuso
de poder. Eventuais recuos de Trump sob a pressão dos mercados não significam
que seus impulsos autoritários serão erradicados – podem até ser
intensificados. Mais do que indignação ocasional, resistir a eles exige
coordenação, perseverança e a coragem de defender os princípios que tornaram
grandes não só a América, mas todo o mundo democrático liberal.
A dívida fala mais alto
O Estado de S. Paulo
Governo Lula alardeia o cumprimento da meta
fiscal e exalta o arcabouço, mas a trajetória da dívida bruta nos últimos anos
e os gastos com pagamento de juros ilustram um cenário desafiador
A dívida bruta deve ultrapassar a marca de R$
10 trilhões em 2026, segundo reportagem publicada pelo Estadão/Broadcast,
e o gasto com o pagamento dos juros deve chegar a R$ 1 trilhão ainda neste ano,
cifra inédita na série de estatísticas fiscais do Banco Central (BC) iniciada
em 2001. Os dados ilustram a escalada do endividamento público e provam a
insuficiência do arcabouço fiscal como instrumento para estabilizar sua
trajetória.
Nos últimos dez anos, a dívida bruta mais que
dobrou. De R$ 3,252 trilhões em 2014, o endividamento atingiu R$ 8,984 trilhões
no fim do ano passado. Na proporção do Produto Interno Bruto (PIB), por sua
vez, o avanço foi de cerca de 20 pontos porcentuais, de 56,28% para 76,50% do
PIB. Em 2028, a projeção é de que ela atinja R$ 11,314 trilhões, o equivalente
a 89,27% do PIB, segundo previsões do mercado coletadas pelo BC.
O governo Lula da Silva sustenta não haver
riscos de insolvência, cenário com o qual ninguém, de fato, trabalha no mercado
financeiro. Mas isso não significa que não haja problemas, pois uma dívida
elevada é, por óbvio, cara. Segundo o BTG Pactual, apenas a Bolívia precisa
captar mais dinheiro que o Brasil para rolar sua dívida.
Ainda que não haja expectativa de calote, o
aumento da dívida causa impactos na inflação e exige do Banco Central que
mantenha a taxa básica de juros elevada por mais tempo, o que afasta
investimentos e dificulta o crescimento econômico.
Não é por outra razão que economistas cobram
do governo que faça um ajuste fiscal e volte a alcançar superávits primários,
ou seja, um saldo positivo entre receitas e despesas, com exceção dos gastos
com juros da dívida. Eis o único caminho para conter o endividamento e,
consequentemente, os juros e a inflação de maneira sustentável.
Com uma meta de inflação a perseguir, o BC
não pode simplesmente baixar os juros para impedir que a dívida e seu custo
aumentem mais. O governo, no entanto, ajudaria muito se trabalhasse em conjunto
com o BC para fazer da política fiscal uma aliada da política monetária, e não
sua oponente.
Seria, ademais, uma maneira de desobstruir os
canais de transmissão da política monetária, que hoje, nas palavras do
presidente do BC, Gabriel Galípolo, exigem que “as doses do remédio sejam mais
elevadas para que você consiga atingir o mesmo efeito”.
Mas o governo já deu mostras suficientes de
que não fará nada nesse sentido. A ministra do Planejamento, Simone Tebet,
reconheceu que o arcabouço fiscal terá de ser modificado, mas afirmou que isso
só será possível em 2027 – ou seja, depois das eleições presidenciais de
outubro do ano que vem.
Uma vez que se coloca de forma tão contrária
à revisão de gastos, o governo deveria ao menos preservar a arrecadação para
impedir a piora da dívida até lá. Mas não é o que tem ocorrido. A prometida
reforma do Imposto de Renda foi abandonada para dar lugar a um projeto cujo
principal objetivo é isentar todos aqueles que ganham até R$ 5 mil mensais.
O governo tampouco conseguiu encontrar espaço
para incluir programas prioritários em sua agenda no Orçamento, como o
Pé-de-Meia, que paga bolsas para incentivar estudantes de baixa renda a
concluírem o ensino médio. Até agora, também não encontrou uma forma de
financiar o Auxílio Gás, que terá o alcance quadruplicado até o ano que vem.
E, enquanto o BC aumenta os juros para conter
a demanda e a inflação, o governo abre a torneira para ampliar o crédito
consignado privado e criar mais uma faixa para financiar a aquisição de
moradias pela classe média no Programa Minha Casa Minha Vida.
Culpar o ex-presidente do BC foi a estratégia
do governo enquanto a instituição esteve sob a liderança de Roberto Campos
Neto, e na falta de um discurso melhor a ladainha foi repetida depois das
reuniões do Copom de janeiro e março.
É por essas e outras que o mercado financeiro
passou a acompanhar a evolução da dívida bruta com lupa nos últimos meses.
Pouco importa alardear o cumprimento da meta de déficit zero quando várias
despesas são excluídas do cálculo. A dívida fala mais alto.
O prejuízo com a insegurança
O Estado de S. Paulo
Bem-vinda, a Trilha Interparques precisa
oferecer sensação de segurança para vingar
Carente de áreas verdes, São Paulo ganhou
recentemente uma trilha urbana de 182 quilômetros, a maior da cidade, que
conecta unidades de conservação, represas e parques naturais na zona sul da
capital. É, portanto, uma excelente notícia, festejada pelos paulistanos, como
pudemos verificar nas manifestações de leitores deste jornal reunidas no Tema
do Dia da edição de 20 de abril passado. No entanto, todos esses leitores
foram unânimes em dizer que, apesar de felizes com a iniciativa, não pretendiam
usufruir da novidade, por uma razão fundamental: a insegurança.
“A região é linda, mas o extremo da zona sul
é muito violento, não tenho coragem”, escreveu a leitora Sheila Bitencourt.
Outra leitora, Edilaine Bompani, também lamentou: “Deve ser lindo, mas com
certeza a segurança é zero”.
Esse é um bom retrato da sensação de
vulnerabilidade que muitos paulistanos têm em sua cidade. Ainda que a Trilha
Interparques, como é chamado o circuito, tenha sido entregue com a promessa de
vigilância 24 horas em alguns pontos, os moradores da capital desconfiam – um
sentimento que só será mitigado quando o policiamento se fizer mais efetivo e
presente e quando andar com o celular na mão deixar de ser perigoso.
É uma pena que o medo impeça o paulistano de
usufruir de tudo o que a cidade tem para o lazer de seus moradores, como é o
caso da Trilha Interparques, que oferece píeres com vista para a Represa
Billings, um dos principais reservatórios de água da região metropolitana,
torre de observação panorâmica para outra represa, a Guarapiranga, e áreas para
piquenique.
O visitante também pode ver a transição da
Mata Atlântica, bioma caracterizado por mata densa e exuberante, para o
Cerrado, de vegetação mais baixa e esparsa. Acessível por diversos pontos, a
Trilha Interparques pode ser percorrida a pé ou de bicicleta. De acordo com a
Prefeitura, o percurso é sinalizado de modo que ninguém se perca em área de
mata.
Ademais, projetos como a Trilha Interparques
podem estimular a preservação ambiental. Nessa região específica, de grandes
represas, um ganho potencial é a conscientização sobre a necessidade de fontes
de água livres de poluição. E para a população local um parque desse tipo pode
representar oportunidades econômicas que, como se sabe, não são abundantes nos
extremos da capital paulista. Ou seja, todos têm a ganhar.
Para que todo esse potencial se realize,
contudo, o poder público precisa atuar de maneira mais firme para dar aos
usuários a segurança que eles esperam. A Secretaria Municipal de Segurança
Urbana afirmou que intensificou o patrulhamento da Guarda Civil Metropolitana
em pontos estratégicos do parque, mobilizando 29 viaturas e 87 agentes. Parece
insuficiente para uma rota de mais de 180 quilômetros, que atravessa regiões
com altos índices de criminalidade.
Seria uma pena que a Trilha Interparques fosse preterida como programa familiar de lazer dos paulistanos em razão do medo.
INSS e conta de luz mobilizam o governo
Correio Braziliense
Governo encara uma nova onda de críticas por
conta do escândalo de fraudes no INSS e apresenta projeto para zerar a conta de
luz para cerca de 16 milhões de brasileiros
O noticiário político e econômico, nas
últimas semanas, apresenta um cenário intrigante para o governo federal. A
administração enfrenta um panorama de decisões importantes que podem definir o
futuro da percepção da sociedade sobre a segunda metade da gestão lulista.
Por um lado, o governo encara uma nova onda
de críticas por conta do escândalo do Instituto Nacional do Seguro Social
(INSS). Por outro lado, tem a possibilidade de melhorar os índices de aprovação
por meio do projeto de lei de reforma do setor elétrico que prevê zerar a conta
de luz de milhões de brasileiros.
É necessário destacar que a fraude no
INSS acontecia em gestões anteriores, mais precisamente a partir de 2016, mas
quem está com a caneta nas mãos tende a ser colocado na mira da desaprovação
popular. Até porque o atual ministro da Previdência, Carlos Lupi, admitiu que
tinha conhecimento sobre os cortes irregulares desde o segundo semestre do ano
passado.
O caso não expõe apenas o INSS. Também coloca
em posição ainda mais sensível a relação entre o trabalhador e os sindicatos,
criticados por categorias desde a reforma trabalhista de Michel Temer, que
tornou a contribuição a essas entidades não obrigatória. Isso porque o esquema
que retirava ilegalmente o dinheiro dos aposentados foi arquitetado por meio
dos Acordos de Cooperação Técnica (ACT), assinados por essas entidades
diretamente com o INSS. Há de se destacar que as investigações indicam que
houve falsificação de documentos, já que a maioria dos aposentados afirma não
ter autorizado os descontos.
Em outra frente, o governo tem munição para
melhorar sua percepção perante a opinião pública a partir da proposta do
Ministério de Minas e Energia (MME) de zerar a conta de luz para os cerca de 16
milhões de brasileiros que se enquadram na tarifa social.
O governo federal defende que a proposta é
uma forma de promover "justiça tarifária", em convergência à proposta
do Ministério da Fazenda para isentar o pagamento do Imposto de Renda para quem
ganha até R$ 5 mil, endurecendo a cobrança para os mais ricos.
A ideia do MME é isentar o pagamento da
energia elétrica para famílias inscritas no CadÚnico com renda mensal de até
meio salário mínimo (per capita); indígenas e quilombolas; pessoas com
deficiências e/ou idosos inscritos no Benefício de Prestação Continuada (BPC);
e famílias do CadÚnico atendidas em sistemas isolados por módulo de geração. Em
todos os casos, a conta não pode superar 80 quilowatts-hora (kWh) por mês. Se
ultrapassar, esses consumidores só pagarão aquilo que exceder o limite citado.
A proposta pode, e deve, sofrer alterações no
Congresso Nacional, mas o texto de largada certamente agrada a população mais
pobre, que verá seu poder de compra aumentar sem a tarifa da energia. Bola
dentro, mas que precisa chegar ao conhecimento das pessoas a partir de
campanhas publicitárias efetivas.
Tanto no projeto de isenção da conta de luz quanto no caso das fraudes no INSS, a capacidade de comunicação do governo será testada novamente: ponto-chave para a percepção pública sobre a administração do terceiro mandato de Lula.
Negociação indevida
O Povo
O Supremo Tribunal Federal envolveu-se em
acordos políticos para superar um impasse que ele mesmo criou
A pressão do Partido Liberal (PL) pela
anistia aos envolvidos nas manifestações de 8 de janeiro de 2023,
benefício que incluiria o ex-presidente Jair Bolsonaro, levaram a uma
negociação entre o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) para escapar do
impasse.
Segundo a jornalista Mônica Bergamo (Folha de
S.Paulo), os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), e
da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), estariam concluindo
negociação com o STF para aprovar uma lei que diminua as penas dos condenados
que tiveram participação menos gravosa no 8/1, aumentando a punição para os
líderes do movimento golpista.
De acordo com a jornalista, o ministro do
STF Alexandre de Moraes seria o principal interlocutor com o
Congresso, com a concordância do presidente da Corte, Luís Roberto Barroso.
Seguindo esse possível acordo, Motta e Alcolumbre ficariam encarregados de
propor essa nova legislação. O governo federal concorda com essas negociações.
Assim, os manifestantes presos, considerados
somente "massa de manobra" dos comandantes da tentativa de golpe de
Estado, já poderiam ser soltos ou cumprirem pena no regime semiaberto, ou
em prisão domiciliar. A decisão caberia ao STF, analisando caso a caso.
O objetivo dessa negociação, como fica claro,
é esvaziar o movimento em favor da anistia aos sublevados, mantendo a
possibilidade de aplicar penas severas aos que comandaram a tentativa
de golpe.
Ao mesmo tempo, ofereceria uma saída ao STF para
reduzir as penas consideradas excessivas contra manifestantes que tiveram
participação secundária no ataque de 8 de janeiro.
Essa visão estaria, inclusive, mais próxima
das expectativas da sociedade, que se manifesta contra a anistia, porém
resguarda um sentimento de que as punições, em alguns casos, foram muito
rigorosas.
No entanto, soa estranho que o STF se
disponha avocar a prerrogativa de "negociar" com outro
poder para interferir em uma competência, a criação de leis, que não diz
respeito ao Judiciário.
Se o STF entende que errou ao aplicar
punições excessivas, a correção deve ser feita a partir de seus próprios
instrumentos, pois, ao se envolver em articulações políticas para
corrigir eventuais falhas, expõe o STF.
É de se lembrar que o próprio Supremo, anteriormente, dera sinais de que não aceitaria uma lei para anistiar os participantes da tentativa de golpe, pois seria inconstitucional. No entanto, agora, o próprio tribunal, segundo informações disponíveis, se envolve em acordos políticos para superar um impasse que ele mesmo criou. Além disso, pode sugerir uma capitulação ao bolsonarismo. E, ainda, resta o problema de que, ao abrir uma porta para a política, haverá dificuldade em fechá-la depois.
Nenhum comentário:
Postar um comentário