Valor Econômico
Manchete do jornal de 2 de maio de 2000 serviu de cartão de visita para que qualquer governo passasse a compreender que a partir de então a imprensa nacional teria um veículo com olhar atento para as contas públicas
Dizem os especialistas na teoria da
relatividade que pode até ser possível viajar para o futuro, mas praticamente
inviável teletransportar algo ou alguém em direção ao passado. Às vésperas do
25º aniversário deste jornal, pode-se apelar para uma licença poética e
discordar da ciência neste caso. Revisitar a primeira edição do Valor contraria a tese de
Albert Einstein e seus discípulos.
São de arrepiar alguns relatos de integrantes
da equipe pioneira, quando foi anunciado que a sucursal de Brasília emplacara a
primeira manchete do jornal: “Carga fiscal recorde só reforça caixa da União”.
Abaixo do título em letras garrafais, o texto da principal matéria da edição de 2 de maio de 2000 detalha os efeitos do ajuste fiscal realizado no país, com elevação da carga tributária para um nível recorde e concentração da maior parcela das receitas obtidas com impostos e contribuições nas mãos do governo central, em prejuízo de Estados e municípios. A matéria mostra, também, como esse esforço se deu por meio da cobrança de taxas de má qualidade, as quais passaram a incidir em cascata sobre a produção.
Pelos cálculos da época, a carga tributária
passara a 30,32% do Produto Interno Bruto (PIB). Um patamar só superado pelo
percentual observado na década de 1990, acrescenta a reportagem que serviu de
cartão de visita para que qualquer governo passasse a compreender que a partir
de então a imprensa nacional teria um veículo com olhar atento para as contas
públicas e a qualidade do ambiente de negócios do país.
A pluralidade e o equilíbrio são outras duas
marcas do Valor desde
seu início. Prova disso é o espaço igual dado para que governo e oposição
apresentassem em artigos seus respectivos receituários para a economia crescer
mais.
Para o então presidente Fernando Henrique
Cardoso (PSDB), o Brasil estava pronto para entrar em um novo ciclo de
crescimento sustentado e o que faltava ao país era um mercado de capitais capaz
de alavancar a economia. “FHC defende o ajuste fiscal e afirma que o País está
no limite de um círculo virtuoso, que facilita cumprir as metas fiscais e
reduzir os juros”, diz o resumo feito na primeira página.
Luiz Inácio Lula da Silva, à época presidente
de honra do PT e hoje em seu terceiro mandato na Presidência da República,
discordou. Em seu artigo, escreveu que o Brasil mais parecia “uma nau sem
rumo”, com a economia vulnerável e um modelo econômico capaz apenas de garantir
um crescimento medíocre. “Lula sugere aumento do crédito ao consumidor, redução
de juros, aumento da renda do trabalhador e do número de empregos.”
Ainda passeando os olhos pela capa, pode-se
ler que um diagnóstico sobre a crise na aviação comercial brasileira entregue
aos ministérios do Desenvolvimento, Fazenda e Defesa apontava que nem todas as
empresas do setor iriam sobreviver. Uma operação de aquisição no setor
financeiro gerava polêmica e dividia a elite carioca, história repleta de
suspeitas e intrigas que hoje brilharia na coluna “Versus”.
Em uma entrevista exclusiva, Bill Gates
defendia a atuação da Microsoft, que vivia dias conturbados após enfrentar um
processo por monopólio, ser ameaçada de ter que enfrentar uma divisão e ver
suas ações em queda. Uma pesquisa do Instituto Gallup mostrava que 69% dos
americanos eram contrários à cisão da Microsoft, levantamento que hoje poderia
ser detalhado na coluna “Pergunte aos Dados” em uma reflexão sobre o poder e a
imagem das grandes empresas de tecnologia.
A sucessão presidencial estava em pauta. O
então presidente do Senado, Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA), anunciava que
apoiaria em 2002 um candidato tucano. Seu nome preferido era o governador do
Ceará, Tasso Jereissati, mas o PSDB acabou lançando José Serra e perdendo a
eleição para Lula.
Dos Estados Unidos, a notícia era que o
governo americano havia decidido contestar o Brasil na Organização Mundial do
Comércio (OMC), justificando a medida pelo tratamento dado à propriedade
intelectual e às regras de importação e valoração aduaneira. Vivia-se um tempo
em que os EUA ainda defendiam o livre comércio.
De volta ao presente, o Brasil estuda acionar
a OMC para questionar as barreiras comerciais impostas pela administração
Donald Trump. As companhias aéreas brasileiras enfrentam novas turbulências.
Em decadência, o PSDB anuncia uma fusão com o
Podemos para recuperar algum protagonismo. O União Brasil, que tem o PFL em seu
DNA e o neto de ACM na direção, aparece nas páginas do jornal ao lançar uma
federação com o PP para se consolidar como a maior força política do país.
A carga tributária aumentou. Segundo dados
mais recentes, chegou a 32,32% do PIB em 2024, alta de 2 pontos percentuais na
comparação com 25 anos atrás. Mas a reforma tributária, aprovada depois de anos
de expectativa e ainda em processo de regulamentação, tenta modernizar o
sistema de cobrança de impostos e melhorar as relações federativas.
Reformas microeconômicas avançam no sentido
de melhorar o ambiente de negócios e o mercado de capitais. Por outro lado,
segue o debate sobre a necessidade de ajuste fiscal e as dúvidas sobre a
sustentabilidade do crescimento econômico.
No poder mais uma vez, e repetindo a receita,
Lula tenta implementar uma agenda voltada à ampliação do crédito e cobra corte
nas taxas de juros. Os olhos dos leitores também procuram diariamente notícias
sobre uma polêmica operação de aquisição no ecossistema bancário. Ler a capa
do Valor é
uma viagem capaz de explicar o que ocorreu no passado, esclarecer o presente e
projetar o futuro.
*Fernando Exman é chefe da
redação, em Brasília
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