quarta-feira, 30 de abril de 2025

Viagem no tempo rumo à estreia do ‘Valor’ - Fernando Exman*

Valor Econômico

Manchete do jornal de 2 de maio de 2000 serviu de cartão de visita para que qualquer governo passasse a compreender que a partir de então a imprensa nacional teria um veículo com olhar atento para as contas públicas

Dizem os especialistas na teoria da relatividade que pode até ser possível viajar para o futuro, mas praticamente inviável teletransportar algo ou alguém em direção ao passado. Às vésperas do 25º aniversário deste jornal, pode-se apelar para uma licença poética e discordar da ciência neste caso. Revisitar a primeira edição do Valor contraria a tese de Albert Einstein e seus discípulos.

São de arrepiar alguns relatos de integrantes da equipe pioneira, quando foi anunciado que a sucursal de Brasília emplacara a primeira manchete do jornal: “Carga fiscal recorde só reforça caixa da União”.

Abaixo do título em letras garrafais, o texto da principal matéria da edição de 2 de maio de 2000 detalha os efeitos do ajuste fiscal realizado no país, com elevação da carga tributária para um nível recorde e concentração da maior parcela das receitas obtidas com impostos e contribuições nas mãos do governo central, em prejuízo de Estados e municípios. A matéria mostra, também, como esse esforço se deu por meio da cobrança de taxas de má qualidade, as quais passaram a incidir em cascata sobre a produção.

Pelos cálculos da época, a carga tributária passara a 30,32% do Produto Interno Bruto (PIB). Um patamar só superado pelo percentual observado na década de 1990, acrescenta a reportagem que serviu de cartão de visita para que qualquer governo passasse a compreender que a partir de então a imprensa nacional teria um veículo com olhar atento para as contas públicas e a qualidade do ambiente de negócios do país.

A pluralidade e o equilíbrio são outras duas marcas do Valor desde seu início. Prova disso é o espaço igual dado para que governo e oposição apresentassem em artigos seus respectivos receituários para a economia crescer mais.

Para o então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), o Brasil estava pronto para entrar em um novo ciclo de crescimento sustentado e o que faltava ao país era um mercado de capitais capaz de alavancar a economia. “FHC defende o ajuste fiscal e afirma que o País está no limite de um círculo virtuoso, que facilita cumprir as metas fiscais e reduzir os juros”, diz o resumo feito na primeira página.

Luiz Inácio Lula da Silva, à época presidente de honra do PT e hoje em seu terceiro mandato na Presidência da República, discordou. Em seu artigo, escreveu que o Brasil mais parecia “uma nau sem rumo”, com a economia vulnerável e um modelo econômico capaz apenas de garantir um crescimento medíocre. “Lula sugere aumento do crédito ao consumidor, redução de juros, aumento da renda do trabalhador e do número de empregos.”

Ainda passeando os olhos pela capa, pode-se ler que um diagnóstico sobre a crise na aviação comercial brasileira entregue aos ministérios do Desenvolvimento, Fazenda e Defesa apontava que nem todas as empresas do setor iriam sobreviver. Uma operação de aquisição no setor financeiro gerava polêmica e dividia a elite carioca, história repleta de suspeitas e intrigas que hoje brilharia na coluna “Versus”.

Em uma entrevista exclusiva, Bill Gates defendia a atuação da Microsoft, que vivia dias conturbados após enfrentar um processo por monopólio, ser ameaçada de ter que enfrentar uma divisão e ver suas ações em queda. Uma pesquisa do Instituto Gallup mostrava que 69% dos americanos eram contrários à cisão da Microsoft, levantamento que hoje poderia ser detalhado na coluna “Pergunte aos Dados” em uma reflexão sobre o poder e a imagem das grandes empresas de tecnologia.

A sucessão presidencial estava em pauta. O então presidente do Senado, Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA), anunciava que apoiaria em 2002 um candidato tucano. Seu nome preferido era o governador do Ceará, Tasso Jereissati, mas o PSDB acabou lançando José Serra e perdendo a eleição para Lula.

Dos Estados Unidos, a notícia era que o governo americano havia decidido contestar o Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC), justificando a medida pelo tratamento dado à propriedade intelectual e às regras de importação e valoração aduaneira. Vivia-se um tempo em que os EUA ainda defendiam o livre comércio.

De volta ao presente, o Brasil estuda acionar a OMC para questionar as barreiras comerciais impostas pela administração Donald Trump. As companhias aéreas brasileiras enfrentam novas turbulências.

Em decadência, o PSDB anuncia uma fusão com o Podemos para recuperar algum protagonismo. O União Brasil, que tem o PFL em seu DNA e o neto de ACM na direção, aparece nas páginas do jornal ao lançar uma federação com o PP para se consolidar como a maior força política do país.

A carga tributária aumentou. Segundo dados mais recentes, chegou a 32,32% do PIB em 2024, alta de 2 pontos percentuais na comparação com 25 anos atrás. Mas a reforma tributária, aprovada depois de anos de expectativa e ainda em processo de regulamentação, tenta modernizar o sistema de cobrança de impostos e melhorar as relações federativas.

Reformas microeconômicas avançam no sentido de melhorar o ambiente de negócios e o mercado de capitais. Por outro lado, segue o debate sobre a necessidade de ajuste fiscal e as dúvidas sobre a sustentabilidade do crescimento econômico.

No poder mais uma vez, e repetindo a receita, Lula tenta implementar uma agenda voltada à ampliação do crédito e cobra corte nas taxas de juros. Os olhos dos leitores também procuram diariamente notícias sobre uma polêmica operação de aquisição no ecossistema bancário. Ler a capa do Valor é uma viagem capaz de explicar o que ocorreu no passado, esclarecer o presente e projetar o futuro.

*Fernando Exman é chefe da redação, em Brasília

 

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