domingo, 7 de setembro de 2025

A volta do Império do Meio. Por Lourival Sant’Anna

O Estado de S. Paulo

A liderança da China se torna mais fácil com as fraturas ocasionadas por Trump no Ocidente

A China celebrou esta semana a consolidação de seu poder sobre Eurásia e África, a massa de terra cujo domínio, segundo a geopolítica clássica, permite “governar o mundo”. Xi Jinping avançou na direção de combinar poderio militar e econômico, ao lançar mais um banco de desenvolvimento destinado a substituir o dólar.

Em ensaio de 1904, que prenunciou a 1.ª Guerra, Halford Mackinder escreveu: “Quem governa a Europa Oriental, domina o heartland; quem governa o heartland, domina a IlhaMundo; quem governa a IlhaMundo, domina o mundo.”

O heartland corresponde às vastas planícies da Rússia e Ásia Central. Com a Europa e a África, esse núcleo forma o que Mackinder chama de IlhaMundo – a maior massa continental do globo, detentora das maiores riquezas naturais.

A cúpula da Organização de Cooperação de Xangai (OCX) e o desfile militar que se seguiu reuniram em Pequim líderes dos principais países dessa massa continental. Xi pôde exercer o papel histórico dos imperadores chineses: receber governantes de terras distantes que convergem à capital do Império do Meio para reiterar sua condição de “nações tributárias”.

A parada militar exibiu maravilhas tecnológicas como o míssil nuclear DF 5C,visto pela primeira vez, capaz de atingir qualquer ponto do globo. Tem múltiplas ogivas independentes que atingem alvos diversos simultaneamente e estrutura modular, que permite o transporte em três seções, e a preparação mais rápida para o lançamento.

O míssil hipersônico YJ 19, manobrável e praticamente impossível de interceptar, também foi mostrado. Assim como o sistema de defesa composto por canhão de mísseis, laser de alta energia e micro-ondas potentes, capaz de neutralizar enxames de drones com eficiência e baixo custo. Montado em navios ou em terra, o laser LY 1 também intercepta mísseis e aeronaves, e “frita” sistemas eletrônicos inimigos.

O bloco não é livre de contradição. O premiê da Índia, Narendra Modi, participou da cúpula, mas não ficou para a parada militar. Os dois países têm disputas territoriais e a

China ainda apoia o Paquistão, adversário da Índia.

Modi, com seus gestos de afeto por Xi e pelo russo Vladimir Putin, quis mostrar que tem alternativas a Donald Trump, que impôs tarifa extra de 25% à Índia por comprar petróleo da Rússia. Para elevar o magnetismo do bloco e futuramente contestar o domínio do dólar, Xi anunciou a injeção de bilhões de dólares em um novo banco para a OCX. A liderança da China se torna mais fácil com as fraturas ocasionadas por Trump no Ocidente.

 

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