O Globo
Dos 13 presidentes que sucederam a Truman, só
Donald Trump cismou em mudar o nome do Departamento de Defesa
Até a semana passada, o Pentágono ainda atendia pela denominação com que fora rebatizado no mundo devastado pela Segunda Guerra Mundial: Departamento de Defesa dos Estados Unidos. Naquele conflito, o planeta conhecera o poder da bomba atômica, e a corrida nuclear das superpotências recomendava adequar a agência à nova condição não binária de “guerra” ou “paz”. Algo que englobasse um conceito mais amplo de segurança e defesa nacional. Assim, em 1947, o presidente Harry Truman trocou o nome do Departamento de Guerra, que existia desde os idos da Revolução Americana, por Departamento de Defesa. Com aprovação do Congresso, como manda a lei.
Dos 13 presidentes que sucederam a Truman na
Casa Branca, apenas Donald Trump cismou em fazer um rebranding do mamute militar. Pretende
ressuscitar a denominação Departamento de Guerra por ato executivo.
— Todo mundo adora lembrar nosso histórico de
vitórias incríveis quando o Pentágono tinha esse nome — explicou, com a lógica
que lhe é própria. — Defesa soa muito defensivo, precisamos de mais ataque.
Departamento de Guerra soa melhor.
O titular da pasta, Pete Hegseth, de apenas
45 anos e melenas televisivas, já se intitula secretário de Guerra nas
plataformas sociais.
— Para nós, palavras, nomes e títulos
importam. Vamos TORNAR A AMÉRICA LETAL NOVAMENTE — postou, com a originalidade
de um trumpista raiz.
Em entrevista à Fox News, emissora em que se
tornou personalidade midiática como comentarista, explicou:
— Queremos criar um etos de guerreiros no
Pentágono (trocar burocratas de uniforme por combatentes de guerra), gente que
sabe como trucidar o inimigo.
Alguém deve ter-lhe soprado o pitaco
proferido pelo general George Patton em 1943, citado na revista The Atlantic,
segundo o qual nenhum idiota jamais venceu uma guerra indo morrer por seu país
— ele a vence fazendo outro pobre idiota morrer pelo país dele.
Por ora, ainda vigora a limitação
constitucional à mudança antes de sua aprovação pelo Congresso. Mas Trump pode
autorizar o uso paralelo do novo nome, assim como passou a usar a denominação
“Golfo da América” (no lugar do tradicional Golfo do México) em todos os documentos
de governo. Sem falar no custo de imprimir a marca de sua mais recente obsessão
com nomenclaturas. A troca do nome em todas as placas, prédios, documentos,
selos, brasões, medalhas, uniformes, etiquetas, publicações e instalações do
Pentágono mundo afora ultrapassaria de longe os oito dígitos — em dólar. Na era
Joe Biden, antecessor de Trump, a mudança de nome de apenas seis bases
militares que homenageavam heróis confederados custou US$ 60 milhões, segundo
levantamento do portal Axios. Dinheiro jogado fora com a posse de Pete Hegseth,
que reverteu tudo ao estado original. No caso atual, a troca seria
pantagruélica. O Departamento de Defesa emprega cerca de 1,3 milhão de
militares ativos ou quase 3 milhões de pessoas, somando integrantes da Guarda
Nacional, reservistas e civis. Dispõe de pelo menos 750 instalações militares
mundo afora (120 só no Japão), e o
rebranding de tudo isso retrataria a megalomania do autor da ideia.
Sem falar que Trump é autodeclarado candidato
ao Nobel da Paz, honraria que combinaria pouco com a instituição de um
presidente de guerra. Tampouco avançou um átimo para um cessar-fogo na Ucrânia, nem
levanta um só dedo para cortar a máquina israelense de moer palestinos em Gaza.
À primeira vista, a troca de nome do
departamento federal que consome mais de 12% dos gastos do governo não deverá
afetar sua autoridade legal nem sua estrutura organizacional. É na retórica da
mudança que reside o veneno. A intensificação do uso da Guarda Nacional como
força de ordem doméstica, a caça e deportação desenfreadas de imigrantes,
estudantes e estrangeiros indesejados em território americano, somadas a
ataques frontais contra vozes dissonantes do próprio país, podem sugerir um
futuro Departamento de Guerra dedicado, também, a combater inimigos internos. A
militarização — ou “miliciarização” — dos agentes do ICE, o temido Departamento
de Imigração e Alfândega, que não se identificam, nada explicam, usam máscaras
no rosto e operam ao arrepio da lei (mas em nome dela), é um mau presságio.
Na juventude, Trump conseguiu dispensa médica
para se evadir do serviço militar que despejou uma geração inteira no front
vietnamita. Talvez por isso fantasie o que é estar numa guerra. Líderes tão
imaturos são perigosos.
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