domingo, 7 de setembro de 2025

O que é liberdade de expressão? Por Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Livro traça a história do conceito sem romantização, mas acaba defendendo uma versão muito diluída desse direito fundamental

Comento hoje um livro de que não gostei tanto, o que não o torna menos interessante. Trata-se de "What Is Free Speech?", de Fara Dabhoiwala (Princeton). Comecemos pelas partes de que gostei.

Dabhoiwala faz uma história da liberdade de expressão que não cai em romantizações. Se o direito de dizer o que se deseja é indissociável da busca pela verdade, da ciência e está na base de importantes avanços sociais, ele também serve para perpetuar velhas injustiças, criar novas e cometer crimes.

A diferença exige uma análise contextual. A frase "tenho uma proposta irrecusável" significa uma coisa na boca de um vendedor de carros usados e outra bem diferente quando dita por um mafioso, daí a dificuldade para legislar a priori sobre a matéria.

O autor mostra ainda que a regulação enfrenta desafios teóricos e práticos. Mesmo a formulação quase absolutista do direito de expressão da Primeira Emenda da Constituição dos EUA não impediu o país de usar o poder do Estado para calar vozes dissonantes em várias ocasiões. O macartismo e as investidas de Trump contra universitários são apenas dois de muitos exemplos.

E haveria vários outros bons momentos do livro a destacar, mas passemos aos pontos em que eu acho que Dabhoiwala não vai bem.

O autor me parece abusar de argumentos ad hominem e de anacronismos. Ele critica John Stuart Mill, um dos principais teóricos liberais do free speech, por ter defendido o colonialismo. Ora, o fato de Mill ser colonialista em princípio não afeta sua argumentação teórica, que teria de ser criticada nesses termos (o que Dabhoiwala também faz). No mais, um bom jeito de fazer má história é transportar para o passado réguas morais de hoje.

O pecado maior do texto, porém, me parece, é que, no afã de enquadrar as big techs e bater continência aos consensos identitários, Dabhoiwala acaba promovendo uma versão muito aguada da liberdade de expressão, que, para ser útil, precisa assumir formas robustas. Ninguém precisa de licença para dizer o que todos querem ouvir.

 

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