Folha de S. Paulo
Livro traça a história do conceito sem
romantização, mas acaba defendendo uma versão muito diluída desse direito
fundamental
Comento hoje um livro de que não gostei
tanto, o que não o torna menos interessante. Trata-se de "What Is Free
Speech?", de Fara Dabhoiwala (Princeton). Comecemos pelas partes de que
gostei.
Dabhoiwala faz uma história da liberdade de expressão que não cai em romantizações. Se o direito de dizer o que se deseja é indissociável da busca pela verdade, da ciência e está na base de importantes avanços sociais, ele também serve para perpetuar velhas injustiças, criar novas e cometer crimes.
A diferença exige uma análise contextual. A
frase "tenho uma proposta irrecusável" significa uma coisa na boca de
um vendedor de carros usados e outra bem diferente quando dita por um mafioso,
daí a dificuldade para legislar a priori sobre a matéria.
O autor mostra ainda que a regulação enfrenta
desafios teóricos e práticos. Mesmo a formulação quase absolutista do direito
de expressão da Primeira Emenda da Constituição dos EUA não impediu o
país de usar o poder do Estado para calar vozes dissonantes em várias ocasiões.
O macartismo e as investidas
de Trump contra universitários são apenas dois de muitos exemplos.
E haveria vários outros bons momentos do
livro a destacar, mas passemos aos pontos em que eu acho que Dabhoiwala não vai
bem.
O autor me parece abusar de argumentos ad
hominem e de anacronismos. Ele critica John Stuart Mill, um dos principais teóricos
liberais do free speech, por ter defendido o colonialismo. Ora, o fato de
Mill ser colonialista em princípio não afeta sua argumentação teórica, que
teria de ser criticada nesses termos (o que Dabhoiwala também faz). No mais, um
bom jeito de fazer má história é transportar para o passado réguas morais de
hoje.
O pecado maior do texto, porém, me parece, é
que, no afã de enquadrar as big techs e bater continência aos consensos
identitários, Dabhoiwala acaba promovendo uma versão muito aguada da liberdade
de expressão, que, para ser útil, precisa assumir formas robustas. Ninguém
precisa de licença para dizer o que todos querem ouvir.
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