domingo, 7 de setembro de 2025

Militares fora da política. Por Merval Pereira

O Globo

Não há indícios de que possa haver movimentação militar hoje, 7 de setembro, ou depois do resultado do julgamento, pois a tropa está aceitando como normal a condenação dos envolvidos na tentativa de golpe

Ao reunir os Comandantes militares atuais e alguns mais antigos em uma reunião de confraternização, o presidente Lula quis dar uma demonstração de que os militares estão ao seu lado neste momento em que caminha para o desfecho o mais importante julgamento da história do país, o primeiro que vai condenar um ex-presidente da República e outros militares de primeiro escalão por tentativa de golpe de Estado.

Temos uma história de golpes e contragolpes que parecia estar encerrada com a redemocratização, mas tivemos o infortúnio de nos depararmos com uma figura anacrônica como Bolsonaro, que despertou os mais abjetos instintos golpistas em um grupo militar que trouxe de volta ao cenário político a ambição de poder através das armas, e não do voto popular.

Mesmo os processos de impeachment que tiraram do poder presidentes como Collor de Mello e Dilma Rousseff foram liderados pelo Congresso e pelo Supremo Tribunal Federal dentro das estreitas quatro linhas da Constituição, não tão largas quanto o campo em que se movia Bolsonaro. O ex-presidente permaneceu no poder até o último instante, mesmo tendo tentado desmontar o aparato institucional brasileiro desde o início de seu governo, escrevendo diante de um país atônito o roteiro do golpe que terminaria em 8 de janeiro de 2023, com a frustrada insurreição na Praça dos Três Poderes.

Desde o golpe civil-militar de 1964 - o qual Bolsonaro admirava publicamente - não houvera um movimento armado para tomar o poder da República, e o de 2023 só não foi exitoso porque os militares não o apoiaram, como está demonstrado na acusação do Procurador-Geral da República Paulo Gonet. Os comandantes que se reuniram com o presidente Lula estão convencidos de que não houve adesão dos militares da alta cúpula porque o espírito democrático está incrustado no grupo, mesmo que sejam em sua grande maioria conservadores e o que chamam de “família militar” tenha votado em peso em Bolsonaro, como aliás foi explicitado ao próprio Lula em momento apropriado, quando a nova cúpula foi escolhida.

Ser conservador não quer dizer, no entanto, golpista, e o julgamento dos militares que se desviaram na conduta é vista como uma atitude de militares que já haviam deixado a carreira militar para bandear-se para a política, cooptados pelo então presidente Bolsonaro. Os “pensamentos digitalizados” ou as “anotações pessoais” não sensibilizaram os militares, e voltam às conversas hoje as agressões que o filósofo oficial já falecido Olavo de Carvalho fez aos militares, chamando-os de covardes por não aderirem às manobras bolsonaristas ainda no início do governo.

Não há indícios de que possa haver movimentação militar hoje, 7 de setembro, ou depois do resultado do julgamento, pois a tropa está aceitando como normal a condenação dos envolvidos na tentativa de golpe. Mesmo havendo quem torça para que o General Augusto Heleno, ou o então comandante do Exército Paulo Sérgio sejam livrados de penas mais pesadas, por considerarem que não se envolveram profundamente no golpe, nada indica que suas eventuais condenações sejam contestadas a nível militar.

Algum movimento na reserva pode ser registrado, mas o meio militar sabe que a influência do Clube Militar nunca foi tão pequena quanto agora, no mínimo porque de anos para cá, a maioria dos militares que foram para a reserva não ficou no Rio de Janeiro, espalhando-se pelo país, principalmente em Brasília e São Paulo. A noção de que a carreira militar termina no Comando das Forças pelos militares de quatro estrelas, sendo o ministério da Defesa um cargo político, está bastante disseminada entre eles, e por isso, quando Paulo Sérgio aceitou ir para a Defesa, foi alertado por muitos de que estava abrindo mão da carreira para se intrometer na política. A separação formal, aliás, entre a carreira militar e a política pode ser um próximo passo para a impedir que fatos como os que hoje estão sendo julgados não se repitam.

 

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