O Globo
As ameaças e falas antidemocráticas de cada
dia 7 de setembro no governo Bolsonaro foram estímulos que levaram ao 8 de
janeiro
Hoje é 7 de setembro e vivemos um momento
decisivo da nossa história. Nesta semana, os ministros do Supremo Tribunal
Federal vão condenar ou absolver os membros do núcleo crucial do golpe de
Estado. Na semana passada, o Congresso reagiu ao início do julgamento com
golpes legislativos. Enfraqueceu a Lei da Ficha Limpa, tentou encurralar o
Banco Central, e tirou da gaveta a pior proposta de anistia aos golpistas. Do
STF veio o alerta de Alexandre de Moraes: “Impunidade não é pacificação”.
Hoje é 7 de setembro e veja que boa notícia. Não ouviremos os urros antidemocráticos do presidente da República como ouvimos durante os anos de Jair Bolsonaro no Planalto. No governo dele, não fomos poupados de suas ameaças, nem no bicentenário. Em data que deveria ser de união, Bolsonaro aprofundou a fratura na sociedade, hostilizando quem não aderia ao seu projeto autoritário.
No dia 7 de setembro de 2020, em plena
pandemia, o então presidente exaltou o golpe de 1964 e não consolou o país. Em
2021, no discurso na Avenida Paulista, ao falar das eleições, ele disse que não
poderia “participar de farsa como essa patrocinada pelo TSE”. Avisou que só
aceitaria a vitória. Sairia do poder apenas morto ou preso. E ameaçou Luiz Fux,
presidente do STF, à época. “Ou o chefe desse Poder enquadra o seu, ou esse
Poder pode sofrer aquilo que nós não queremos”. Ao final do discurso, ele disse
que tinha decisões difíceis a tomar, que convocaria o Conselho da República. Aos
manifestantes disse: “não escolham o lado do conforto”. Em 2022, ele voltou a
citar o golpe de 1964 como sendo um dos bons momentos do Brasil, e avisou: “com
uma reeleição, nós traremos para as quatro linhas todos aqueles que ousaram
ficar fora delas”.
Há uma relação direta entre essas ameaças
públicas e os acampamentos pedindo ditadura, os atos violentos do dia da
diplomação, a tentativa de explosão de um caminhão no aeroporto de Brasília e o
criminoso ataque às sedes dos Três Poderes. O ex-presidente é o fio condutor
desses eventos, e seria o beneficiário, caso tudo saísse como planejado.
Bolsonaro disse por quatro anos que o STF era o inimigo, que a eleição era
fraudulenta, que ele havia sido roubado em 2018 e seria de novo em 2022. O dia
8 de janeiro foi uma construção de Jair Bolsonaro, mesmo que no dia ele
estivesse alhures.
Só a incapacidade de estabelecer nexo causal
justifica alguém afirmar que não há relação entre Bolsonaro e o atentado de 8
de janeiro. Os advogados têm o direito de afirmar isso, porque precisam
construir o raciocínio da defesa, mesmo que seja enganoso. O estranho é quem
não está na banca de advocacia do ex-presidente dizer que não há provas que o
liguem ao ataque físico contra os Poderes da República, se toda a agitação dos
seus seguidores foi alimentada por ele próprio. As provas desse elo são
abundantes e públicas.
Nesta semana, os ministros darão seus votos.
É possível que haja divisão entre os que compõem a primeira turma e que sejam
proferidos votos por absolvição de alguns réus. Mas a tendência é todos serem
condenados. Não deve ser aceito, pela maioria, nem o pedido de nulidade da
colaboração do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, nem a tese de cerceamento de
defesa, por excesso de informação. Os advogados tiveram o tempo legal e acesso
a todos os documentos. Alguns defensores fizeram bom uso das provas dos autos.
O Congresso utilizou as piores armas para
tentar se impor. No início do julgamento, foi aprovado o projeto que enfraquece
a Lei da Ficha Limpa, e os líderes do centrão assinaram o requerimento de
urgência para o projeto que dá ao parlamento o direito de demitir diretores e
presidente do Banco Central. Era chantagem para que o BC aprovasse a compra do
encrencado Banco Master pelo BRB. O centrão tem boas relações com o controlador
do Master. O Banco Central demonstrou a sua autonomia e reprovou a operação por
razões técnicas.
O governador de São Paulo, Tarcísio de
Freitas, disse que não confia na Justiça e foi para Brasília articular a
anistia. Foi reapresentado o projeto que incluiu a elegibilidade do
ex-presidente e um perdão para crimes ainda nem cometidos. A extrema direita
atraiu toda a direita e disse que a anistia é pela pacificação. Para acreditar
nisso, é preciso descrer da História do Brasil e esquecer que Bolsonaro já
defendeu guerra civil e, durante seu governo, incitou o ódio e o conflito na
sociedade.
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