domingo, 7 de setembro de 2025

Em busca de arcas do tesouro perdidas. Por Ruy Castro

Folha de S. Paulo

A grande música é grande música em qualquer época, e a melhor é aquela que fica para sempre

No domingo (31/8), a respeito de uma lista que me pediram das 20 maiores canções brasileiras, escrevi que a grandeza de uma música popular não se faz de hit parades. É obra de gerações de compositores, letristas e intérpretes que, mesmo produzindo grande material, amam o que se fez antes deles. Foi assim no Brasil, durante boa parte do século 20, com músicos e cantores cujos discos alternavam as últimas novidades com os clássicos do passado, fixando o nosso sólido patrimônio musical.

Sólido? A partir de certo momento, talvez meados dos anos 1980, esse patrimônio foi abandonado, em troca de material feito para durar pouco mais que o tempo de rotação de um CD. E assim continua. Um dos motivos é que ninguém mais quer ser apenas intérprete. Todos se julgam autores —mesmo que seu trabalho "autoral" não se compare a tanta coisa já produzida e de uma riqueza que eles deveriam encarar como um desafio.

Por sorte há exceções e, não por acaso, vindas da música instrumental. O saxofonista Mauro Senise contribui há anos para a canonização de um cancioneiro nacional com seus álbuns dedicados a grandes nomes —songbooks de Chiquinha Gonzaga, Johnny Alf, Edu Lobo, Gilberto Gil, Paulinho da Viola, Dolores Duran, Sueli Costa, Tom e Vinicius e o recém-lançado "Lembrando Garoto", com o repertório do violonista Garoto (1915-55), pai espiritual da bossa nova.

E o pianista Antonio Adolfo, a quem devemos a façanha de, em 1977, ter quebrado a ditadura das multinacionais com seus discos independentes, não para de abrir arcas do tesouro perdidas. Depois de songbooks de Chiquinha Gonzaga, Ernesto Nazareth, Tom Jobim, Carlos Lyra e Roberto Menescal, e discos temáticos sobre o choro, o baião e o samba-jazz, nos brinda agora com o álbum "Carnaval", de clássicos da folia com uma inflexão jazzística. Nunca se ouviu "As Pastorinhas", "Oba! (O Bafo da Onça)", "Agora É Cinza" e "A Lua É dos Namorados" como aqui.

Grande música é grande música em qualquer época. A melhor é para sempre.

 

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