domingo, 7 de setembro de 2025

Com arrocho, com tudo, Milei resiste. Por Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Argentina renova parte do Congresso em outubro e tem teste eleitoral neste domingo

No final de outubro, ocorre a primeira eleição legislativa nacional na Argentina sob Javier Milei. A avaliação de "El Loco" é a mais baixa desde a posse, em dezembro de 2023. Pode ter baixado mais, por causa do escândalo de (suposta) corrupção que envolve sua irmã, Karina Milei, secretária geral da presidência, "a chefe".

Quem sabe o ambiente tenso por variações grandes de juros e câmbio e o crescimento quase zero nos últimos quatro meses também tenham prejudicado Milei. O espanto é que seu prestígio esteja em nível razoável depois de 20 meses de arrocho violento; que seu partido seja favorito nas eleições legislativas da província ("estado") de Buenos Aires, neste domingo, votação que não inclui a cidade de Buenos Aires. O eleitorado da província é de 37% do eleitorado nacional.

Segundo pesquisa da Universidade Torcuato di Tella, a nota média que argentinos deram a Milei em agosto foi de 42,4% do total possível de pontos (48,4% entre homens, 36% entre mulheres). É menor do que a nota dos primeiros 20 meses de Maurício Macri, presidente de 2015 a 2019 (49,6%), do PRO, ora aliado, e maior do que a do peronista Alberto Fernández (43,4%), que governou de 2019 a 2023.

Em julho, Milei tinha 49%. Na posse, 57,2%. O ponto mais baixo anterior foi em setembro de 2024, com 43,2%.

Em 2024, o gasto público federal (afora juros) caiu 27%, em termos reais no Brasil, equivaleria a cortar o Bolsa Família inteiro e metade da Previdência. Milei cortou 15% da despesa com Previdência e 22% do gasto com funcionários públicos. Cortou ainda investimento, transferências para as províncias e subsídios de energia e transporte.

O gasto federal em relação ao PIB baixou a 15,6% do PIB (na média de Fernández, 20%; sob Macri, 22,5%). Em 2024, o governo teve superávit primário (despesa menor do que receita); 2025 também deve ser superavitário. Milei desregulamenta a economia, cancelando coisas que seriam estranhas até no Brasil de 30 anos atrás. Libera controles de câmbio, malucos como no Brasil de mais de meio século passado.

O partido de Milei, A Liberdade Avança, tinha 36 de 257 cadeiras da Câmara quando chegou ao poder federal, 15% do total (o bloco do governo agora tem 17%). Mesmo aliado ao PRO, é minoritário. Depende de alianças pontuais e precárias. Governa por meio de um decretão (uma megamedida provisória), com a ajuda de veto presidencial (muito difícil de derrubar, na Argentina).

O salário médio é ainda 0,8% inferior ao de quando Milei tomou posse, segundo o Centro de Economia Política Argentina. A inflação é de 36% ao ano (foi de 118% em 2024, 211% em 2023). O PIB deve crescer 5% neste ano, superando a perda acumulada nas quedas de 2023 e 2024 (de 3,3%).

O Banco Central é heterodoxo e tem reservas internacionais negativas (deve mais do que tem). Sem dinheiro do FMI, o país daria calote na dívida externa. Está com câmbio supervalorizado, até para controlar a inflação, o que é problema: com retomada de algum crescimento e peso caro, pode não ter saldo comercial bastante e dificuldade aumentada para juntar dólares, pagar contas externas e intervir no câmbio é risco de rolo. Não há mercado de dívida pública para financiar eventual déficit do governo.

Em suma, Milei fez arrocho brutal, a pobreza aumentou, é minoritário no Congresso e mantém avaliação razoável. A continuar assim, pode inspirar um governo "liberal"-bolsonarista que vencesse no Brasil em 2026.

 

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