domingo, 5 de outubro de 2025

A saúde do trabalhador independe do adjetivo do vínculo. Por Leomar Daroncho

Correio Braziliense

A controvérsia quanto à caracterização, ou não, do vínculo de emprego tomou a pauta dos tribunais trabalhistas e do Supremo Tribunal Federal

No aniversário de 37 anos da Constituição Cidadã, de 1988, a controvérsia quanto à caracterização, ou não, do vínculo de emprego tomou a pauta dos tribunais trabalhistas e do Supremo Tribunal Federal (STF). Para além das discussões teóricas, a necessidade de amparar e proteger a saúde de quem trabalha é fundamental, para os trabalhadores e para a sociedade. 

A precarização compromete o encaminhamento da sociedade na meta de construção de uma sociedade livre, justa e solidária que erradique a pobreza e a marginalização, reduzindo desigualdades e promovendo o bem de todos.

Uberização, plataformização e pejotização, entre outros neologismos, surgem nas teses que tentam seduzir o Poder Judiciário a descaracterizar dispositivos constitucionais que asseguram direitos fundamentais. Valorizando a formalidade do contrato, ignoram os fatos e a vida real. 

A primazia da realidade, em contextos em que o trabalhador não tem autonomia, não dirige a atividade nem tem capacidade de suportar os reveses de um verdadeiro empreendedor, prevalece nos países civilizados de tradição jurídica semelhante à brasileira.

A desresponsabilização de quem dirige e se beneficia do trabalho alheio — é precisamente essa a consequência pretendida com a eliminação do vínculo emprego — também é incompatível com a Constituição, que tem como base o primado do trabalho e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.

Os riscos do meio ambiente do trabalho para a saúde dos trabalhadores são reconhecidos desde os estudos do italiano Bernardino Ramazzini, em 1700. A extremada desresponsabilização do real empreendedor tem consequências drásticas para a saúde e a vida do trabalhador, em razão do descompromisso com as medidas de prevenção. 

No Brasil, em 1923, o Estado foi pressionado a adotar ações efetivas na saúde. A Lei Eloy Chaves criou, então, Caixas de Aposentadoria e Pensões, beneficiando, inicialmente, algumas organizações e categorias profissionais. Em 1977, o general Ernesto Geisel aprovou as Normas Regulamentadoras (Lei nº 6.514). O Governo Militar, atento às mortes, acidentes trabalhistas e seus custos sociais, reconheceu a necessidade de reverter os infortúnios do trabalho. 

A Constituição de 1988 marca a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), inovando ao incluir a saúde e o trabalho no tópico dos direitos e garantias fundamentais. Também estabeleceu o direito à redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.

Na sequência, os direitos constitucionais foram disciplinados na Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080/1990), dispondo sobre condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços. Entre as condições indispensáveis ao pleno exercício do direito à saúde, a lei refere obrigações e responsabilidades do Estado, das pessoas, da família, das empresas e da sociedade.

Reconhecendo a realidade e a complexidade da vida, a Lei Orgânica da Saúde elenca determinantes e condicionantes do nível de saúde, incluindo o meio ambiente do trabalho e a renda entre os fatores destinados a garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social.

Ao exemplificar as ações do SUS, a lei refere a vigilância sanitária, epidemiológica e a saúde do trabalhador como um conjunto de atividades que se destinam à promoção e proteção da saúde, além da recuperação e reabilitação da saúde de trabalhadores submetidos a riscos e agravos advindos das condições de trabalho.

Dados do Observatório de Saúde e Segurança do Trabalho apontam que, entre 2012 e 2024, tivemos 8,8 milhões de acidentes de trabalho, com 32 mil mortes de empregados, sem que se deva ignorar a elevada subnotificação, em especial nos vínculos precários. Nos acidentes fatais, é notória a sina de "autônomos" e terceirizados.

A obrigação das empresas beneficiárias do trabalho alheio de gerenciar os riscos, identificar as causas e adotar medidas para proteger a saúde, independe do adjetivo com que se busca descaracterizar a relação de emprego.

Há relação direta dos indicadores de acidentes de trabalho de maior gravidade com a maior tolerância aos vínculos precários. É muito grande a responsabilidade dos juristas com as decisões que podem, artificialmente, desprestigiar a Constituição, impactando tragicamente a saúde e a vida concreta dos brasileiros.

 

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