Correio Braziliense
A controvérsia quanto à caracterização, ou
não, do vínculo de emprego tomou a pauta dos tribunais trabalhistas e do
Supremo Tribunal Federal
No aniversário de 37 anos da Constituição
Cidadã, de 1988, a controvérsia quanto à caracterização, ou não, do vínculo de
emprego tomou a pauta dos tribunais trabalhistas e do Supremo Tribunal Federal
(STF). Para além das discussões teóricas, a necessidade de amparar e proteger a
saúde de quem trabalha é fundamental, para os trabalhadores e para a
sociedade.
A precarização compromete o encaminhamento da sociedade na meta de construção de uma sociedade livre, justa e solidária que erradique a pobreza e a marginalização, reduzindo desigualdades e promovendo o bem de todos.
Uberização, plataformização e pejotização,
entre outros neologismos, surgem nas teses que tentam seduzir o Poder
Judiciário a descaracterizar dispositivos constitucionais que asseguram
direitos fundamentais. Valorizando a formalidade do contrato, ignoram os fatos
e a vida real.
A primazia da realidade, em contextos em que
o trabalhador não tem autonomia, não dirige a atividade nem tem capacidade de
suportar os reveses de um verdadeiro empreendedor, prevalece nos países
civilizados de tradição jurídica semelhante à brasileira.
A desresponsabilização de quem dirige e se
beneficia do trabalho alheio — é precisamente essa a consequência pretendida
com a eliminação do vínculo emprego — também é incompatível com a Constituição,
que tem como base o primado do trabalho e como objetivo o bem-estar e a justiça
sociais.
Os riscos do meio ambiente do trabalho para a
saúde dos trabalhadores são reconhecidos desde os estudos do italiano
Bernardino Ramazzini, em 1700. A extremada desresponsabilização do real
empreendedor tem consequências drásticas para a saúde e a vida do trabalhador,
em razão do descompromisso com as medidas de prevenção.
No Brasil, em 1923, o Estado foi pressionado
a adotar ações efetivas na saúde. A Lei Eloy Chaves criou, então, Caixas de
Aposentadoria e Pensões, beneficiando, inicialmente, algumas organizações e
categorias profissionais. Em 1977, o general Ernesto Geisel aprovou as Normas
Regulamentadoras (Lei nº 6.514). O Governo Militar, atento às mortes, acidentes
trabalhistas e seus custos sociais, reconheceu a necessidade de reverter os
infortúnios do trabalho.
A Constituição de 1988 marca a criação do
Sistema Único de Saúde (SUS), inovando ao incluir a saúde e o trabalho no
tópico dos direitos e garantias fundamentais. Também estabeleceu o direito à
redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene
e segurança.
Na sequência, os direitos constitucionais
foram disciplinados na Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080/1990), dispondo
sobre condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização
e o funcionamento dos serviços. Entre as condições indispensáveis ao pleno
exercício do direito à saúde, a lei refere obrigações e responsabilidades do
Estado, das pessoas, da família, das empresas e da sociedade.
Reconhecendo a realidade e a complexidade da
vida, a Lei Orgânica da Saúde elenca determinantes e condicionantes do nível de
saúde, incluindo o meio ambiente do trabalho e a renda entre os fatores
destinados a garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar
físico, mental e social.
Ao exemplificar as ações do SUS, a lei refere
a vigilância sanitária, epidemiológica e a saúde do trabalhador como um
conjunto de atividades que se destinam à promoção e proteção da saúde, além da
recuperação e reabilitação da saúde de trabalhadores submetidos a riscos e
agravos advindos das condições de trabalho.
Dados do Observatório de Saúde e Segurança do
Trabalho apontam que, entre 2012 e 2024, tivemos 8,8 milhões de acidentes de
trabalho, com 32 mil mortes de empregados, sem que se deva ignorar a elevada
subnotificação, em especial nos vínculos precários. Nos acidentes fatais, é
notória a sina de "autônomos" e terceirizados.
A obrigação das empresas beneficiárias do
trabalho alheio de gerenciar os riscos, identificar as causas e adotar medidas
para proteger a saúde, independe do adjetivo com que se busca descaracterizar a
relação de emprego.
Há relação direta dos indicadores de
acidentes de trabalho de maior gravidade com a maior tolerância aos vínculos
precários. É muito grande a responsabilidade dos juristas com as decisões que
podem, artificialmente, desprestigiar a Constituição, impactando tragicamente a
saúde e a vida concreta dos brasileiros.
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