Correio Braziliense
O impacto das mudanças climáticas é sentido
no corpo de quem trabalha. E, diante dessa realidade, precisamos agir
Quem trabalha a céu aberto sabe: o calor está
cada vez mais forte, a chuva mais intensa e o frio mais inesperado. O clima
mudou, e isso já faz parte da rotina de milhões de brasileiros. Não é só
questão de desconforto. É risco real para a saúde e para a vida. O corpo sente,
a mente se desgasta e, a cada dia, os sinais de que estamos vivendo uma nova
realidade ficam mais claros.
Em 2024, tivemos o ano mais quente da história. Parece um dado distante, mas ele se traduz no suor que escorre durante o trabalho pesado, nas pausas que não podem ser feitas, na insolação que derruba um colega no meio da jornada. Só nos setores de agricultura, pesca e construção civil, de acordo com dados do IBGE, mais de 32,5 milhões de trabalhadores brasileiros enfrentam sol forte, calor sufocante e chuvas cada vez mais intensas. E, quando pensamos nos informais, que não têm proteção legal nem direitos assegurados, o problema se agrava ainda mais.
Em muitas cidades do Norte e Nordeste, a
exposição ao calor já ultrapassa os limites seguros em mais de 70% do turno de
trabalho, de acordo com dados da Fundacentro. No mundo, em 2020, pelo menos
2,41 bilhões de trabalhadores foram expostos ao calor excessivo nos locais de
trabalho, provocando 22,85 milhões de acidentes de trabalho e mais de 18 mil
mortes relacionadas ao trabalho, segundo dados da Organização Meteorológica
Mundial.
As estimativas da Organização Internacional
do Trabalho (OIT) sinalizam que mais de 2,4 bilhões de trabalhadores e
trabalhadoras no mundo provavelmente serão expostos a calor excessivo em algum
momento e que 2% da produtividade do trabalho poderá ser perdida globalmente
até 2030 devido ao aquecimento global.
E não se trata apenas do calor. As mudanças
climáticas já se manifestam em tempestades, enchentes, queimadas e na piora da
qualidade do ar. As chuvas intensas, como as do Rio Grande do Sul em 2024,
destroem casas, estradas e empregos, deixando também cicatrizes emocionais.
Diretamente para os trabalhadores gaúchos, o Ministério do Trabalho e Emprego
liberou mais de R$ 4,8 bilhões. Esses recursos foram investidos em programas de
abono salarial, seguro-desemprego, saque calamidade e auxílio financeiro de dois
salários mínimos aos trabalhadores formais, pescadores e empregados domésticos.
Também tivemos outros impactos com a fumaça
das queimadas que agrava doenças respiratórias, enquanto ondas de frio
repentinas castigam quem trabalha à noite, exposto ao vento e à umidade. Esse
cenário mostra que não se pode mais separar meio ambiente de mundo do trabalho.
O impacto das mudanças climáticas é sentido no corpo de quem trabalha. E,
diante dessa realidade, precisamos agir. É por isso que, na próxima
quarta-feira, 8 de outubro, em Brasília, o Ministério do Trabalho e Emprego e a
OIT promoverão o seminário Pré-COP30: promovendo trabalho decente e transição
justa. Será um espaço com a participação de trabalhadores, empregadores e
governo para discutir o estresse térmico, os impactos das mudanças climáticas
sobre a saúde e, principalmente, os desafios para a criação de empregos verdes
e de como garantir uma transição justa. As contribuições levantadas no
seminário farão parte das propostas que serão levadas à COP30, em Belém, no mês
de novembro.
Transição justa significa garantir que
ninguém fique para trás. Significa que a adaptação ao novo clima precisa
proteger os trabalhadores que hoje estão na linha de frente. Isso envolve
organizar jornadas de trabalho para evitar os horários mais críticos, garantir
pausas em locais protegidos, disponibilizar água potável, criar protocolos de
emergência, treinar equipes para reconhecer sinais de estresse térmico que
podem ser tratados por meio de normatização via negociação coletiva ou através
de normas regulamentadoras. Claro que também exige inovação tecnológica no
desenvolvimento de sistemas de ventilação, climatização e equipamentos de
proteção capazes de reduzir o impacto do calor.
Mas não basta tecnologia. É preciso olhar
para quem mais sofre: trabalhadores informais, mulheres, idosos e aqueles com
pouca ou nenhuma proteção social. É fundamental que políticas públicas e normas
trabalhistas sejam atualizadas para responder a esse novo cenário. E é
necessário investir e criar sistemas de alertas meteorológicos voltados ao
mundo do trabalho, que possam prevenir acidentes e salvar vidas.
Cuidar de quem trabalha é cuidar do futuro. A
luta contra as mudanças climáticas não pode esquecer aqueles que enfrentam o
sol, a chuva, a fumaça e o frio todos os dias para sustentar o país. Proteger
os trabalhadores é proteger a vida, a dignidade e a esperança de todos nós. E é
agora, não depois, que precisamos agir.
É fundamental que as normas trabalhistas se
ajustem a essa nova realidade e que políticas públicas sejam criadas para
garantir segurança e saúde no trabalho, independentemente do vínculo formal.
O enfrentamento das mudanças climáticas não é
só uma questão ambiental ou econômica. É uma questão de dignidade e de respeito
a quem trabalha. Cuidar de quem enfrenta o calor, a chuva e o frio todos os
dias é cuidar do futuro de todos nós. A transição justa só será de verdade se
colocar os trabalhadores no centro da discussão.
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