domingo, 5 de outubro de 2025

Vitória da roleta. Por Bernardo Mello Franco

O Globo

Dos 22 vereadores que assinaram projeto de transporte gratuito, só 10 não voltaram atrás

Ainda não foi desta vez. Belo Horizonte poderia ter se tornado a primeira capital brasileira a adotar a tarifa zero nos ônibus. A proposta mobilizou a cidade, mas naufragou na Câmara Municipal. Na sexta-feira, foi derrotada por 30 votos a 10.

Os defensores da ideia sabiam que não seria fácil, mas saíram frustrados com a goleada da roleta sobre os passageiros. O projeto chegou ao plenário com a assinatura de 22 vereadores. Na hora da votação, mais da metade debandou.

O placar refletiu a pressão das empresas de ônibus e das entidades patronais. O prefeito Álvaro Damião (União Brasil) também jogou pesado. Ontem ele demitiu ao menos sete funcionários ligados a vereadores que contrariaram a ordem de votar contra a tarifa zero.

Hoje BH tem a terceira passagem mais cara entre as capitais: R$ 5,75. Apesar do valor, o bilhete só cobre 25% da arrecadação do sistema. As maiores receitas vêm do subsídio da prefeitura (38%) e do vale-transporte (37%).

O projeto apresentado pela vereadora Iza Lourenço (PSOL) previa substituir o vale-transporte pela Taxa do Transporte Público, a ser cobrada de empresas sediadas na cidade. As firmas com até nove funcionários não pagariam nada. A partir do décimo empregado, contribuiriam com R$ 185 por pessoa.

O modelo se baseou em estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que projetou impactos positivos na redução da desigualdade e na economia local. Com a tarifa gratuita, as famílias ficariam com mais dinheiro para consumir. Cada real investido na política teria potencial para gerar quase R$ 4 em benefícios econômicos.

Defensores da tarifa zero também projetam efeitos positivos no trânsito, no meio ambiente e até na saúde pública. “Tirar carros da rua reduz os congestionamentos, a poluição e os acidentes”, resume o urbanista Roberto Andrés, professor da UFMG.

Autor do livro “A razão dos centavos”, que discute as manifestações de 2013, ele diz que a bandeira do passe livre “deixou de ser utopia e se mostrou viável”. A afirmação é amparada em números compilados pelas próprias empresas de ônibus.

Hoje 127 cidades brasileiras adotam a tarifa zero universal, sendo 12 com população acima de cem mil habitantes. A lista é suprapartidária. Inclui a petista Maricá (RJ) e a bolsonarista Balneário Camboriú (SC).

 

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