O Globo
O aumento da faixa de isenção do IR trará
dividendos políticos ao governo, mas ele fez por merecer, mostrou competência
no embate
O governo Lula terá dividendos políticos com o aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda, e é natural que tenha. O projeto foi bem desenhado do ponto de vista da engenharia fiscal, o governo mostrou capacidade de virar o jogo na comunicação, resistiu a uma onda muito forte de críticas, venceu os grupos contrários e negociou politicamente de forma hábil. Venceu um jogo democrático, no qual usou as armas que devem ser usadas. Levando-se tudo isso em conta, nada mais normal que fique com os bônus. Ainda falta aprovar no Senado, mas a esperança é de que seja mais fácil.
No fim de novembro de 2024, quando o ministro
Fernando Haddad anunciou que a proposta estava sendo estudada, o mundo caiu no
mercado financeiro. O dólar bateu em R$ 6, igualando ao pior momento de
incerteza na pandemia. A bolsa despencou. As críticas dos especialistas em
contas públicas foram ferozes. Alguns cálculos do rombo pela renúncia superavam
os R$ 100 bilhões. Seria o fim do ajuste fiscal e o começo do fim do governo,
para alguns analistas.
Não se falou no assunto durante meses. O
projeto parecia ter sido derrotado pela péssima recepção da ideia. Em março, o
Ministério da Fazenda apresentou o PL pronto. Havia um pulo do gato que
melhorava a qualidade da proposta e reduzia o impacto fiscal. Em vez de o valor
de isenção beneficiar todos os contribuintes, inclusive os de renda maior,
focava unicamente em quem tinha renda de até R$ 5 mil. No Brasil, sempre se
beneficiou todo mundo, ao aumentar a faixa de isenção. Se fosse adotado agora, significaria
que para o contribuinte com renda de R$ 50 mil, por exemplo, os primeiros R$ 5
mil ficariam isentos. O texto fez diferente. Focou nos que ganham R$ 5 mil. Por
razões de técnica tributária quem ganha até R$ 7.350 pagará menos do que paga
hoje. Assim, reduziu-se em parte a regressividade do Imposto de Renda e diminui
muito o impacto fiscal da isenção. A perda de arrecadação ficou em R$ 25
bilhões.
A segunda sabedoria foi a de compensar esta
perda elevando o imposto de quem tem renda não tributada ou pouco tributada.
Não é exatamente quem tem salário alto, porque para quem recolhe na fonte a
alíquota é de 27,5%. O alvo, portanto, é quem recebe esse valor em dividendos
ou outras rendas que escapam da tributação. Ao concentrar a conta nesse grupo,
o governo estava de novo diminuindo a distorção na estrutura tributária
brasileira.
O projeto era sólido do ponto de vista
técnico, começou a ser entendido pelos especialistas, mesmo aqueles mais
avessos a concordar com o atual governo. Mas este é um tema árido. Foi feita
então uma comunicação que tornava mais fácil a compreensão, explicando que se
buscava justiça tributária, isentando-se a base e mandando a conta para a
cobertura. A crítica foi que o governo estava jogando pobres contra ricos, como
se estivesse inventando agora a divisão que há 500 anos cinde este país
desigual.
A oposição não queria aprovar o projeto, até
porque a mesma promessa de campanha havia sido feita por Jair Bolsonaro, em
2018. Ele não cumpriu. A oposição acusou o governo de ter mania de taxar. O
problema é que a ideia de cobrar ao menos 10% de quem tem renda alta, e não
paga nem esse mínimo, enfraquecia o argumento contrário. Em números, 141 mil
pessoas pagarão Imposto de Renda para que 10 milhões de brasileiros deixem de
pagar.
A relatoria foi entregue a Arthur Lira e por
algum tempo ficou parecendo que o tema seria empurrado com a barriga até não
poder mais ter efeito em 2026. Foi quando o Senado se movimentou e a Comissão
de Assuntos Econômicos votou a favor de uma proposta parecida. Isso logo depois
de a Câmara ter passado pelo vexame de aprovar a PEC da Blindagem, que foi
enxovalhada em praça pública e enterrada pelos senadores.
O projeto acabou aprovado por unanimidade na
Câmara. A comemoração promete ser curta, porque semana que vem pode ser
derrubada, ou caducar, a Medida Provisória que aumenta imposto das Bets,
fintechs grandes e tributa títulos financeiros isentos ou incentivados. É outro
capítulo da mesma história de buscar uma distribuição mais justa dos impostos,
mas contra essa MP os lobbies estão fortes. O governo já sabe que só consegue
aprovar se fizer muitas concessões. Justiça tributária é um caminho longo. De
vez em quando o Brasil dá um passo.
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