domingo, 5 de outubro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

37 anos da Constituição Cidadã

Por O Povo (CE)

Marco essencial no Brasil por representar a pedra fundamental da redemocratização do País, a Constituição atualmente vigente foi promulgada no dia 5 de outubro de 1988. Há 37 anos, portanto. Chamada de "Constituição Cidadã", passou a vigorar após 21 anos de regime militar, de 1964 a 1985. É crucial, principalmente nos dias de hoje, destacar o papel da Constituição na consolidação da democracia brasileira e na garantia dos direitos fundamentais.

Nesta conjuntura, faz-se essencial assegurar os direitos e os deveres previstos na carta cidadã, garantindo que os princípios constitucionais sejam respeitados e cumpridos. Símbolo de direitos civis, políticos e sociais, o documento inaugura um momento histórico para o País, pois, diferentemente das seis constituições anteriores, o diferencial desta foi incluir a participação do povo.

Para que isso se efetivasse, em cinco meses, cidadãos e entidades representativas enviaram suas sugestões para a nova Constituição. Foram distribuídos nas agências dos Correios cinco milhões de formulários e foram coletadas mais de 72 mil sugestões de cidadãos do Brasil todo, além de outras 12 mil sugestões dos constituintes e de entidades representativas.

Apesar de todo o progresso promovido pelos princípios constitucionais, que marcou a história da democracia do País, incluindo a dignidade humana como um de seus princípios fundamentais, ainda há um esforço a fim de que a democracia continue sendo preservada e fortalecida. Lembrar os 37 anos da Carta Magna de 1988 é um convite à sociedade para que se mantenha o compromisso contínuo de defender o Estado de Direito, os direitos sociais e, sobretudo, a democracia.

Isso inclui o fortalecimento da participação popular e do papel das instituições na defesa da democracia, da cidadania e da justiça social. Também da valorização da educação pública e da liberdade sindical e da defesa da universalização da saúde por meio do SUS, por exemplo.

O direito ao voto universal, direto, secreto e igual para todos, é garantido pelo texto de 1988, assim como a
liberdade de expressão e o pluralismo político.

É certo também que é preciso avançar mais em alguns pontos que ainda exigem atenção por parte dos poderes e da sociedade. A ampliação do acesso à justiça e à educação é pauta urgente e sempre oportuna assim como o fortalecimento da cultura de direitos humanos, também sempre necessário.

A construção de uma sociedade solidária e justa depende do compromisso contínuo de todos. Isso significa o protagonismo do povo e a resposta dos agentes às demandas sociais. Um dos princípios fundamentais da Constituição assegura que todas as pessoas e todas as instituições (aqui incluem-se o presidente da República e o Supremo Tribunal Federal - STF, guardião da Constituição) estão sujeitas à observância da lei e da Constituição. Assim, ninguém está acima da lei.

Que os 37 anos da Carta Magna sejam um chamamento para que se preservem os direitos conquistados na história política e social brasileira. 

Sem metas de emissões, COP30 será frustrante

Por O Globo

Apenas 56 dos 195 signatários do Acordo de Paris cumpriram prazo, tornando imprecisos cenários traçados

Acabou na semana passada o prazo oficial para entrega das novas metas de emissões voluntárias de gases de efeito estufa estipuladas pelo Acordo de Paris, conhecidas pela sigla NDC (National Determined Contribution). Dos 195 signatários, apenas 56 cumpriram o prazo, necessário para a apresentação do relatório-síntese da COP30, a conferência do Clima da ONU em Belém daqui a cerca de um mês. É esse relatório que dirá quão distante está o planeta de atingir o objetivo de manter o aquecimento global até o fim deste século a apenas 2oC, ou desejavelmente 1,5oC, acima do nível pré-industrial. Sem as metas, os cenários traçados ficarão imprecisos.

Embora o total de países que prometeram entregar suas NDCs até a COP30 seja estimado em uma centena, oficialmente o relatório deverá ser elaborado com aqueles que cumpriram o prazo. Há quatro anos, quando foi elaborado o último relatório-síntese, foram apresentadas 113 NDCs, permitindo uma visão mais fidedigna da evolução do combate ao aquecimento global. Um relatório-síntese deficiente embaralha os sinais econômicos emitidos a setores que dependem de previsibilidade para investir na descarbonização da economia. Investidores e reguladores olham para as NDCs como indicadores de risco: onde há meta clara, há preço de carbono, infraestrutura e inovação; onde há silêncio, há incerteza e capital em fuga.

As ausências não são periféricas. Entre as mais marcantes não estão apenas os Estados Unidos, que anunciaram novamente sua saída do Acordo de Paris depois da posse de Donald Trump, mas também Índia e União Europeia, dois dos maiores emissores globais (ambos prometeram enviar NDCs até a conferência). A China, a maior de todos os emissores, apenas ventilou suas metas, mas ainda não entregou oficialmente sua NDC. Xi Jinping anunciou que o país reduzirá até 2035 entre 7% e 10% das emissões em relação ao pico histórico. Apesar do inegável engajamento chinês na transição energética, o número decepcionou. De acordo com as avaliações mais recentes, o mundo está muito distante da meta traçada em Paris, provavelmente já apontando aquecimento ao redor de 3oC. Sem compromissos precisos, fica difícil até avaliar o que é viável.

A recalcitrância dos países omissos pode ser explicada pela crise enfrentada pelo multilateralismo na geopolítica global. Mas há também fatos novos. Em parecer consultivo recente, a Corte Internacional de Justiça afirmou que os Estados têm obrigações jurídicas relativas às metas com que se comprometem, ainda que anunciadas voluntariamente. Quem adia a entrega pode se proteger de sanções futuras, mas acaba por esvaziar o relatório-síntese.

O clima não espera. Belém precisa transmitir uma mensagem inequívoca, com metas na mesa e execução mensurável. Cabe ao Brasil, como anfitrião, lançar mão da diplomacia para obter o compromisso dos países em dívida. Ainda dá tempo de evitar a frustração. Para isso, as prioridades devem ser: fortalecer o multilateralismo; tentar usar em benefício do clima o arcabouço internacional já existente — como Banco Mundial, organizações privadas etc. —; e, por fim, traduzir ao público a importância prática das COPs no desenvolvimento de tecnologias e instrumentos de combate ao aquecimento global. Todos devem entender que, sem ação conjunta e determinada, o planeta corre risco seriíssimo.

Investimento pífio em infraestrutura continua a frustrar desenvolvimento

Por O Globo

Brasil gastou no setor 2,3% do PIB em 2024 e deverá gastar 2,2% neste ano, quando precisa de mais que o dobro

Os melhores termômetros do impacto positivo da infraestrutura costumam ser a saúde e o bolso da população. A expansão da rede de água e esgoto reduz a incidência de doenças e diminui a poluição ambiental. O asfaltamento ou a ampliação de estradas incentiva o contato entre consumidores e produtores ou prestadores de serviços. Também elimina desperdícios e prejuízo na movimentação de mercadorias. Nas cidades, sistemas de transportes mais eficientes diminuem o tempo de deslocamento, aliviam o cansaço dos usuários e aumentam a produtividade no trabalho. Na internet, o aumento do alcance e da velocidade também estimulam a produtividade. Não há indústria ou comércio competitivo sem energia confiável e barata. Embora comumente associada a cimento, asfalto e aço, a infraestrutura está intimamente ligada ao bem-estar da população.

Por isso são frustrantes os dados sobre investimento do Brasil no setor. O país fechou 2024 tendo destinado apenas 2,27% do PIB (ou R$ 266,8 bilhões) à infraestrutura, bem menos que o necessário. Para complicar, nem todo o dinheiro foi para projetos novos. Seis em dez reais foram aplicados para atualizar estradas, linhas de transmissão ou portos envelhecidos. Neste ano, a situação deverá piorar. Pelas projeções da consultoria Inter.B, os investimentos em infraestrutura cairão a 2,19% do PIB. Mantido o nível atual, nenhum segmento conseguirá suprir as necessidades nem em dez nem em 20 anos. Tal perspectiva é alarmante. Para se modernizar, o Brasil precisaria mais que dobrar esse percentual por um período de duas décadas.

Alcançar esse objetivo exige maior segurança jurídica para os contratos de empresas privadas, agências reguladoras mais fortes, melhor governança dos investimentos públicos e mais eficiência no planejamento de médio e longo prazo. Com tanto por fazer, ajudaria também não estragar o que vinha dando certo. Por muito tempo, o setor elétrico foi conhecido por planejamento rigoroso, regulação acima da média e operação técnica. Nas últimas duas décadas, houve deterioração acelerada. Grupos de interesse influentes obtiveram sucesso na aprovação de medidas nocivas à sociedade. O populismo tarifário e políticas equivocadas de preço foram corroendo o sistema. Sucateada, a agência reguladora pouco fez.

Também há, é verdade, exemplos positivos a seguir. O setor de telecomunicações continua com desafios, mas tem sido exemplar na adoção de novas tecnologias, planejamento e regulação. Outro destaque é o saneamento. Com o novo marco regulatório para o setor, a expectativa da Inter.B é que os investimentos privados alcancem R$ 31,2 bilhões entre janeiro e dezembro deste ano, quase o quádruplo de 2022. Será a primeira vez que o setor privado terá investido mais que o público. A mudança representa a chance de o país sair da armadilha do baixo investimento, em que empresas públicas mal geridas e sem capital condenavam milhões a serviços básicos precários. Outros setores deveriam se inspirar nesses modelos positivos.

Marcha autoritária de Trump ainda encontra poucos freios

Por Folha de S. Paulo

Republicano usurpa poder do Congresso, avilta Constituição, assedia generais e persegue opositores

Mandatário cruza as fronteiras do decoro ao insultar antecessor e praticar culto à própria personalidade

É atribuída ao matemático e filósofo Kurt Gödel (1906-1978) a detecção de uma brecha no sistema constitucional dos Estados Unidos pela qual a república democrática poderia se converter em uma ditadura.

A história, que envolve outros dois célebres cientistas do século 20 —o físico Albert Einstein e o economista Oskar Morgenstern—, jamais foi esmiuçada pelo autor ou seus interlocutores. Por isso só restaram especulações sobre o que Gödel tinha em mente.

O segundo mandato de Donald Trump tem dado asas a esse exercício especulativo. O decantado mecanismo de freios e contrapesos ideado pelos fundadores daquela nação se mostra, talvez pela primeira vez nos 236 anos da Carta, vulnerável aos arranques populistas e autoritários do chefe do Poder Executivo federal.

Decerto a decisão da Suprema Corte, que nesta quarta-feira (1) manteve no cargo a diretora do banco central Lisa Cook contra a intenção de Trump de defenestrá-la, permite vislumbrar um moderador para a volúpia presidencial. Mas a ameaça à independência do Fed continuará no ar até que o tribunal decida o mérito da ação, o que ficou para 2026.

Em vários outros terrenos, a marcha do arbítrio mantém o seu ritmo. Trump usurpou os poderes do Congresso ao determinar tributação generalizada de importações alegando situações de emergência que não existem. Põe-se a deportar imigrantes sem o devido processo, alguns por manifestação de opiniões, o que é proibido pela Constituição.

Determinou intervenções da Guarda Nacional em cidades e estados governados por opositores sem nenhuma razão legal. Aplicou sanções econômicas ao Brasil —e individuais a um magistrado brasileiro e sua esposa— por motivação declaradamente política, o que é um ato abusivo. Colocou o Departamento de Justiça no encalço de um desafeto.

Seu secretário da Saúde, um lunático antivacinas, subverte diretrizes de ação respaldadas em protocolos científicos. Trump reuniu os altos oficiais militares para lhes cobrar lealdade pessoal —o que consta da cartilha universal dos tiranos— e passar-lhes uma carraspana pela obesidade.

Até nas provocações baratas o presidente dos EUA cruza as fronteiras do decoro e do respeito à tradição institucional. Trocou o quadro de seu antecessor, Joe Biden, na Casa Branca por uma imagem de caneta de assinaturas automáticas. Quis insultar o democrata por uma suposta condição debilitada de saúde mental.

Como se não bastasse, pratica um culto à personalidade digna de república de bananas, como ao lançar um visto de residência permanente no país (o "Trump Gold Card") que estampa sua foto.

O que se descobre com Trump é que havia uma regra não escrita na Constituição, respeitada por todos os seus antecessores, que obrigava o presidente eleito a se comportar dentro da dignidade do cargo —e cuja inobservância talvez não enseje embaraços a um aventureiro da autocracia.

Emprego surpreendente

Por Folha de S. Paulo

Com aumento na ocupação e gastança sob Lula, BC faz o necessário ao indicar que taxa Selic seguirá elevada

Para durar, desemprego baixo exige gestão eficiente. A taxa beirava 6% em 2014 e saltou a 13% em 2015-16, com a ruína do governo Dilma

mercado de trabalho brasileiro desafia as expectativas e, segundo o presidente do Banco CentralGabriel Galípolo, vive seu momento mais vigoroso em três décadas.

Tal vigor por óbvio é bem-vindo na geração de renda, mas também impacta a política monetária, já que aumento do poder de compra da população tensiona a inflação. Não à toa, Galípolo afirmou em evento que a taxa de juros, hoje de escorchantes 15% ao ano, continuará elevada por "tempo bastante prolongado".

No trimestre encerrado em agosto, o total de pessoas ocupadas foi de 102,4 milhões, alta de 1,8% em relação ao mesmo período de 2024. A taxa de desocupação estabilizou-se em 5,6%, menor nível da série histórica iniciada em 2012 pelo IBGE —cálculos da Fundação Getulio Vargas indicam tratar-se do menor desemprego desde 1996.

Tal patamar está abaixo do que se considera como pleno emprego, quando o mercado de trabalho está equilibrado em torno da chamada taxa neutra —a que se mostra compatível com inflação estável, idealmente em torno da meta para o IPCA, que atualmente está fixada em 3% ao ano.

Curiosamente, mesmo diante do que parece um aquecimento excessivo, a alta dos preços dos serviços, típica de momentos de forte emprego, tem se mantido em torno de 6% em 12 meses, abaixo do esperado. Nos anos 2010, com desocupação maior, ela ficava acima de 8%.

Economistas estimam que a taxa neutra de desemprego no Brasil estava próxima de 10% em meados da década passada, mas que a cifra pode ter caído para 7,5% atualmente, o que sugere menor pressão da carestia.

Ainda são incertos os motivos para a resiliência do emprego. A reforma trabalhista de 2017 pode ter facilitado contratações intermitentes; a alta da escolaridade também parece ser fator relevante na redução da taxa neutra.

Ademais, apesar dos desafios regulatórios, o comércio online tem gerado parcela crescente de vagas, substituindo a informalidade em jornadas flexíveis e ampliando fronteiras geográficas.

Esses vetores estruturais ajudaram a baixar o desemprego, mas a sustentabilidade depende de gestão econômica eficiente, com estabilidade fiscal e monetária.

Cumpre recordar que o desemprego beirava 6% em 2014 e saltou a 13% em 2015-16, com a ruína do governo Dilma Rousseff (PT).

Hoje, com dívida pública elevada, gastança persistente sob Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e convergência inflacionária incompleta, resta ao BC manter a cautela, com juros restritivos.

Finalmente, a hora da diplomacia em Gaza

Por O Estado de S. Paulo

Sob pressão de Trump, Hamas e Israel aceitam negociar o que pode ser o fim da guerra em Gaza. Há muitos pontos complicados, mas, ceticismo à parte, é a melhor chance desde o início do conflito

O Hamas respondeu ao plano do presidente dos EUA, Donald Trump, para a paz em Gaza com um “sim” que soa como avanço significativo – mas, considerando que nada naquela região é exatamente o que parece, recomenda-se prudência e um certo ceticismo. De todo modo, constitui o melhor momento para a diplomacia desde a eclosão do conflito com Israel, provocado por uma agressão bárbara do grupo terrorista há quase dois anos.

Os terroristas anunciaram a disposição de libertar todos os reféns israelenses em seu poder desde 7 de outubro de 2023, conforme demanda o plano de Trump. Além disso, aceitaram a exigência do presidente americano de que a administração de Gaza seja entregue a “um corpo palestino de independentes” com respaldo árabe e islâmico. Esses movimentos representam uma inflexão histórica. Não é uma conversão ideológica, mas um cálculo de sobrevivência. Destruído militarmente, desgastado socialmente e isolado regionalmente, o Hamas percebeu que resistir por resistir já não sustenta sua razão de existir.

Mas os terroristas recusaram-se a aceitar o desarmamento pleno, condição central do plano de Trump, prometendo entregar apenas arsenais pesados, porém exigindo preservar “armas defensivas”. Rejeitaram a tutela internacional direta prevista no plano e insistem em que apenas palestinos decidam o futuro de Gaza. Exigem, ainda, um cronograma explícito para a retirada completa de Israel, enquanto a proposta americana prevê a manutenção de uma zona de segurança. E, sobretudo, o Hamas não abre mão de ter voz política no processo: ao que parece, renuncia a governar, mas não a reinar em Gaza, influenciando decisões sem assumir responsabilidades.

Essa ambiguidade reflete as divisões internas. A liderança política do Hamas, baseada no Catar, é pragmática e pressiona por um acordo que salve a organização. Já os comandantes militares, entocados em Gaza, resistem a qualquer fórmula que signifique capitulação. Para a população palestina, exaurida por dois anos de ruínas, a paz é hoje mais urgente do que a retórica da resistência. Para o Hamas, porém, render-se por completo seria, na prática, desaparecer.

Trump explorou essa fissura com sua teatralidade característica. Declarou que o Hamas estava “pronto para uma paz duradoura” e exigiu que Israel suspendesse os bombardeios para permitir a libertação dos reféns. Foi a aplicação de sua velha lógica de negociação: anunciar o acordo antes que os detalhes estejam acertados, forçando as partes a se manterem na mesa. É parte do seu show, mas também abriu a primeira brecha real em anos de fracassos diplomáticos. O risco, no entanto, é evidente: se o presidente americano se sentir enganado, seu rancor pode se transformar num cheque em branco para o governo israelense retomar a ofensiva sem restrições.

Os obstáculos são inúmeros. O plano prevê a libertação de todos os reféns em 72 horas, mas o Hamas diz não saber onde estão os corpos dos vários cativos que morreram, o que provavelmente é verdade. Além disso, a implementação exige organizar a retirada de Israel, definir o mandato para uma força internacional, dar garantias sobre desarmamento do Hamas e, acima de tudo, estabelecer confiança mínima entre inimigos que se habituaram a negociar sob bombas.

Ainda assim, a resposta do Hamas é uma grande notícia. É a primeira vez que o Hamas admite formalmente abrir mão de governar Gaza e entregar, mesmo que em prazos incertos, seu trunfo máximo: os reféns. Israel, pressionado por Trump e pela fadiga causada pela opinião pública interna e externa, também se vê obrigado a aceitar que a guerra não pode ser um fim em si mesmo. O mundo árabe, por sua vez, colocou-se de maneira inédita contra o radicalismo do Hamas, exigindo que os terroristas se dobrem à lógica da reconstrução.

Nada disso garante a paz. Mas é um início. A resposta positiva do Hamas e de Israel, ainda que sob pressão de Trump, é prenhe de oportunidades, mas também de riscos. Poderá ser o início do fim de uma guerra que devastou Gaza, matou dezenas de milhares e corroeu ainda mais a confiança entre israelenses e palestinos. Mas qualquer passo em falso pode adicionar outro triste capítulo à longa história de oportunidades desperdiçadas na região.

O papel do Estado na crise do metanol

Por O Estado de S. Paulo

Nem o endurecimento de penas para quem falsifica bebidas, como quer o Congresso, nem a abstinência, sugerida pelo ministro da Saúde, resolverão um problema agravado pela negligência estatal

Diante da crise gerada pelos casos de intoxicação por metanol com a ingestão de bebidas falsificadas ou adulteradas, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, recomendou que os brasileiros evitem beber “produto destilado” cuja origem não se conheça com “absoluta certeza”. O ministro Padilha aconselhou, ainda, que não se deve “aceitar bebida que um amigo te passa na festa, de um lugar que você não conhece a bebida”, porque “você não sabe o que pode ter ali dentro”. Esses cuidados, segundo o ministro, não vão afetar a vida de ninguém, porque bebidas não são “essenciais”, e sim destinadas ao “lazer”.

Com isso, na prática, o ministro Padilha parece transferir aos cidadãos o ônus de verificar a procedência das bebidas que consomem, função precípua das autoridades sanitárias. É evidente que pessoas de bom senso evitam consumir produtos comercializados por vendedores não autorizados, mas o que tem acontecido é que o pânico gerado pela crise do metanol vem afetando a credibilidade de todo o setor de bares e restaurantes.

Se a fiscalização oficial não é capaz de garantir que esses estabelecimentos estão vendendo produtos de boa procedência, como parece sugerir o ministro Padilha, então de fato é melhor evitar consumi-los. Afinal, se nem a principal autoridade de saúde do País demonstra confiança no setor de bares e restaurantes, que em geral cumpre a lei e as normas sanitárias, o pânico é totalmente justificado.

Em vez de lançar suspeitas sobre empresas regularizadas e desdenhar da importância do setor de bebidas, o ministro da Saúde, como as demais autoridades, deveriam não só tratar de reduzir a apreensão dos brasileiros, como se comprometer a melhorar a fiscalização e coibir quem realmente frauda o mercado de bebidas e põe em risco a saúde pública. Isso não só colaboraria para superar a crise, como valorizaria as inúmeras empresas que cumprem as regras e pagam impostos.

É muito provável que o ministro Padilha, como médico, esteja movido pelas melhores intenções. No entanto, o resultado prático de sua receita, na condição de ministro da Saúde, é lançar desconfiança generalizada, colaborando para aumentar a apreensão da sociedade neste grave momento e o prejuízo já considerável dos bares e restaurantes.

Também no embalo das boas intenções, das quais o inferno está cheio, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), pautou, e seus colegas aprovaram, a urgência de um projeto de lei que torna crime hediondo a adulteração de bebidas alcoólicas. Ao indicar o deputado Kiko Celeguim (PT-SP) como relator, Motta afirmou que “é preciso defender a indústria, o comércio e, acima de tudo, a vida das pessoas”. E assim, de repente, uma proposta que dormitava na Câmara desde 2007 poderá ir direto ao plenário, sem passar por nenhuma comissão.

Mesmo sem saberem quase nada sobre esta crise da contaminação de bebidas alcoólicas por metanol, os deputados federais decidiram que vale a pena correr com a tramitação de uma proposta que equipara o crime de adulteração de bebida a delitos tão graves quanto homicídio qualificado, latrocínio, genocídio, sequestro ou estupro. As penas serão elevadas de 4 a 8 anos de reclusão para 6 a 12 anos e, em caso de morte, poderão chegar a 30 anos. Como se trata de crime hediondo, o cumprimento da pena será mais duro, com restrições à progressão de regime e sem concessão de indulto.

Para resolver a crise, portanto, basta equiparar falsificadores de bebidas a homicidas, como quer o Congresso Nacional, e basta abster-se de beber, como sugere o governo de Luiz Inácio Lula da Silva. A questão é que nem o endurecimento de penas para esses criminosos nem a suspensão do consumo de álcool vão resolver um problema agravado pela negligência do Estado na fiscalização e na punição, dentro do princípio da razoabilidade, desses delitos. Aparentemente incapazes de solucioná-los, as autoridades optaram pelo populismo sanitário-penal.

Paralisia climática

Por O Estado de S. Paulo

É mau sinal quando, a menos de 40 dias da COP-30, apenas 56 países apresentaram suas metas para o clima

Prazo já prorrogado pela ONU para que os países apresentem suas novas metas climáticas com vistas à COP-30, em Belém, o mês de setembro chegou ao fim com um desalento: apenas 56 países entregaram as chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), que funcionam como um compromisso de cada nação para fazer sua parte na redução de emissões e na adaptação às mudanças no clima. (Até a sexta-feira passada, já fora do prazo, outros sete países submeteram suas novas metas.) Um número demasiadamente modesto, apesar dos apelos feitos na recente Assembleia-Geral da ONU. O contraste com a última COP em que isso foi necessário, realizada em 2021, na Escócia, chega a ser brutal: naquele ano, a cerca de 40 dias do início da COP, 113 países já haviam apresentado suas NDCs.

Dos países do G-20, que respondem por aproximadamente 80% das emissões globais, somente Brasil, Reino Unido, Canadá, Japão, Rússia, China e EUA (ainda na gestão de Joe Biden) divulgaram as suas metas climáticas. Na lista de ausências relevantes estão a União Europeia e a Índia, sem esquecer o nada trivial abandono do governo americano do Acordo de Paris – o tratado internacional que une os países no combate às mudanças climáticas.

Não se trata de um preciosismo de calendário ou uma mera desidratação estatística, mas de um sinal preocupante das dificuldades que os negociadores internacionais enfrentarão em Belém – tendo, como pano de fundo, o enfraquecimento da confiança internacional justamente num momento em que a cooperação se torna mais urgente. A equação é ainda mais complexa quando se sabe que a concorrência global é acirrada e muitas vezes injusta, sobretudo numa ordem internacional permanentemente atravessada pela tensão entre o interesse nacional e a necessidade de normas comuns. Quando os Estados se recolhem à lógica da autopreservação, os compromissos multilaterais se tornam frágeis, difusos e descartáveis.

Tudo isso resulta em pêndulos de razoável complexidade, isto é, entre mais flexibilidade das metas ou mais ambição, entre as particularidades de cada país e a ação global, entre a condição de país desenvolvido, com maiores responsabilidades, ou de nação em desenvolvimento, que não pode renunciar ao progresso econômico e social e tem o desafio de fazer isso combatendo a crise climática, e não agravando-a.

É verdade que guerras, disputas comerciais e crises internas explicam parte da inércia. Mas não a justificam. O aquecimento global não suspende sua marcha para que as nações resolvam suas querelas. Cada onda de calor extremo, cada colheita perdida e cada enchente devastadora sustenta a lembrança de que o relógio do planeta não para, enquanto líderes tendem a protelar e adiar decisões relevantes.

Ao Brasil, o anfitrião da Conferência do Clima, caberá um papel ingrato: tentar insuflar confiança num processo que dá claros sinais de exaustão e realizar uma COP inspirada não pela hesitação, mas pela coordenação internacional e pelo multilateralismo. Sem isso e com metas ausentes ou não factíveis, o risco é ter uma COP esvaziada de sentido e, sobretudo, de efeito negativo sobre o desafio maior para o futuro imediato: implementar os respectivos planos de enfrentamento à crise climática e a devida adaptação aos novos tempos.

Câncer de mama exige rede ampliada de cuidados

Por Correio Braziliense

São, em média, 200 diagnósticos por dia e 55 óbitos. Indiscutivelmente, um cenário que exige uma rede integrada de cuidados

Entre os tumores mais prevalentes do mundo, o câncer de mama revela-se ainda mais desafiador quando analisado a partir de uma perspectiva ampliada. Os impactos da vida moderna, a desinformação em saúde, as carências na assistência pública, as concepções de gênero e até mesmo a falta de pesquisas científicas que considerem características próprias das brasileiras compõem uma coleção de fatores que leva o país a registrar, todos os anos, 73 mil casos da doença e 20 mil mortes. São, em média, 200 diagnósticos por dia e 55 óbitos. Indiscutivelmente, um cenário que exige uma rede integrada de cuidados.

Motivado por essa perspectiva, o Correio Braziliense promoveu, na última quarta-feira, a terceira edição do CB Debate sobre câncer de mama, iniciativa que aproxima o olhar apurado de especialistas às demandas e impressões do público em geral. À miscelânea de dificultadores já citados soma-se outro fator discutido no encontro que evidencia a urgência de novas práticas no enfrentamento à doença: o aumento da incidência desses tumores em mulheres mais jovens.

Hoje, no Brasil, 30% das pacientes têm menos de 50 anos — o equivalente a 21.900 diagnósticos por ano ou 60 novos casos por dia. São mulheres que, no auge da vida produtiva, se veem acometidas por uma doença que, mesmo com todos os avanços terapêuticos, exige uma mudança brusca na rotina e traz consigo uma pesada carga emocional e cultural. Para piorar, em ao menos metade dos casos, essa realidade se impõe com um câncer em estágio avançado.

Nesse sentido, o governo federal acerta ao adotar nova diretriz de rastreamento do câncer de mama, acompanhando recomendações de sociedades médicas nacionais e internacionais. A partir deste mês, a mamografia passa a ser recomendada aos 40 anos — 10 anos antes do protocolo anterior — mesmo sem sintomas ou sinais da doença. A expectativa é de que a medida ajude o país a "garantir que as mulheres tenham acesso ao exame no momento certo e ao início do tratamento o mais rapidamente possível", nas palavras do ministro da Saúde, Alexandre Padilha.

Trata-se de grande empreitada. Considerando o protocolo antigo, de 50 anos, apenas um terço do público-alvo realiza a mamografia anualmente no país, estima o Inca. Quanto ao tratamento, a incorporação de terapias mais modernas ao SUS tem avançado nos últimos anos, mas peca-se na distribuição das opções terapêuticas. Mudar-se para grandes cidades em busca de cura é decisão comum entre pacientes oncológicos — a Fiocruz estima que mais da metade enfrenta essa realidade —, comprometendo, inclusive, as taxas de sobrevida.

No caso das mulheres, tanto o deslocamento forçado quanto a adoção de hábitos preventivos esbarra ainda em dilemas como as responsabilidades com a família e a falta de acolhimento dos parceiros. "Como cobrar a prática de atividades físicas de uma mulher que tem jornada dupla ou tripla, cuida da casa, das crianças, acorda cedo e trabalha até tarde? Que horas ela vai conseguir se exercitar ou fazer uma mamografia? (...) Precisamos lembrar que falta apoio para essas mulheres", ressaltou, no CB Debate, o oncologista Cristiano Resende.

Não sobram evidências científicas de que suporte ampliado e diagnóstico precoce salvam vidas. Descoberto em fase inicial, o câncer de mama tem taxa de cura superior a 90%. A prática de exercícios físicos reduz em 40% a chance de a doença surgir ou voltar. Associa-se a solidão a um risco até 60% maior de recidiva de tumores malignos. É validada, portanto, a importância do apoio integral para frear o tumor que mais mata as brasileiras. O Brasil tem a obrigação de fortalecer essa rede de cuidados.

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