domingo, 5 de outubro de 2025

Menos farmácias, mais livrarias. Por Ruy Castro

Folha de S. Paulo

Berço de Lima Barreto e reduto de Cecília Meirelles pede socorro

Ler nos previne de doenças típicas de quando se entra numa farmácia

Nos últimos anos, assisti ao falecimento de não sei quantas livrarias aqui no Rio, substituídas por lanchonetes, salões de barbeiro, pet shops e, claro, farmácias. Espaços antes dignificados por livros de Ana Maria GonçalvesEmmanuel Carrère ou Joyce Carol Oates passaram a oferecer açaí, tosa de cachorro e fraldas. E é incrível como, quando fecha um botequim, surge outro no lugar. Nunca uma galeria de arte ou um espaço musical, nem mesmo uma livraria.

Não é uma desgraça só brasileira. Pode-se andar por Roma durante dias sem encontrar uma livraria, além da Feltrinelli. Em Londres, o número de sebos na histórica Charing Cross Road caiu pela metade. E os antigos e generosos alfarrábios ao redor do largo do Camões, em Lisboa, extinguiram-se ou se converteram em áridos antiquários de livros e gravuras. Não conheço tanto essas cidades para saber que tipo de comércio os substituiu. Mas, no Rio, consigo acompanhar o que sucedeu a o quê. Muita coisa contribui: o abandono de velhos endereços, o comodismo da compra online, a agonia da palavra impressa.

Mas, às vezes, abre-se uma janela e entra a luz. Há pouco, em Laranjeiras, um dos bairros mais queridos da cidade, surgiram cartazes num muro dizendo: "Queremos livraria. Menos farmácias, mais livrarias". Era um pedido coletivo, um silencioso grito de socorro. Três amigas, Letícia, Martha e Carolina, passaram por eles e tomaram nota.

Dias depois, Carolina soube da desocupação de uma loja de material de construção nas proximidades. Lembrou-se dos cartazes e repassou a informação a Letícia e Martha, não por acaso sócias da pequena Livraria Janela, cujas lojas no Jardim Botânico e no Shopping da Gávea são um xodó de leitores e autores. O resultado será, em breve, uma Janela no coração de Laranjeiras, tão literária por natureza, berço de Lima Barreto e reduto de Cecília Meirelles, mas também tão carente de livros.

Ler pode ser um preventivo contra doenças de que só nos sabemos portadores quando entramos numa farmácia.

 

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