Folha de S. Paulo
Juros de mercado sobem com recuperação do
presidente e nova preocupação fiscal
Governo mais forte pode querer gastar mais e
vem aí a tensão cambial de fim de ano
Desde a virada do mês, taxas de juros no
atacado do mercado de dinheiro voltaram a
subir, o que foi notável nos juros futuros de prazo maior do que
dois anos. Grosso modo, é lá que se definem pisos do custo do dinheiro para
bancos, empresas, governo.
O que há? O bode ou o
rinoceronte da eleição estaria entrando na sala do mercado.
Pode ser apenas ruído transitório. Os juros vinham em tendência de queda desde março, quando arrefeceu o pânico da virada de 2024 para 2025. Não haveria motivo fundamental novo ou acidente para levar os donos do dinheiro grosso a cobrar mais.
A explicação mais caricata dos motivos dessa
subidinha de juros foi o rumor de
que o governo Lula quereria zerar as tarifas de transporte público.
O boato sobre a ideia corria por aí havia semanas. De fato, o presidente pediu
estudos a respeito. Gente do governo diz que é apenas isso, estudo sem
calendário, talvez para a campanha de Lula 4
em 2026.
Gente que mexe com dinheiro grande diz que
isso é de fato caricatura de outra preocupação. Em resumo, o governo Lula se
recuperou do tumulto grave que durou até junho. Aprovou a
isenção do IR etc. Mais forte, pode se sentir animado para
"apertar botões", criar estímulos de gasto e crédito a fim de impedir
desaceleração maior da economia em 2026.
O receio de estímulos econômicos e mais
problema fiscal para o já carregado 2027 também impediriam queda maior da inflação. Aumentou a
chance de Lula 4, a direita está em desarranjo (nessa visão, isso
quer dizer menos chance de conserto das contas públicas). Tudo isso teria
elevado o som de um alerta que pode ficar cada vez mais alto quanto mais se
aproximam definições de 2026. As expectativas de inflação de "o
mercado" cairiam ainda
mais devagar; corte maior da Selic ficaria
mais distante. De qualquer modo, as taxas reais de juros de curto prazo no
mercado continuariam em nível de arrocho (juros nominais altos por mais tempo,
inflação esperada um pouco menor).
No curtíssimo prazo, há outras incertezas. O
governo talvez não consiga todos os recursos que prevê arrecadar com a medida
provisória de compensação das receitas em
parte perdidas com o aumento em parte frustrado do IOF. O Tribunal
de Contas da União pode exigir que o
governo mire a meta fiscal de modo estrito em 2026, sem a folga de
déficit maior ou superávit menor previsto na "banda" do arcabouço.
Assim, misturada ao temor de mais gasto,
aparece a possibilidade de o governo ter de arrumar mais dinheiro. Por exemplo,
tentando aprovar o projeto de lei de redução linear de benefícios tributários
para empresas, ora meio
inviável (PLP 182, de agosto). Por vários motivos, eleição mais
próxima inclusive, problemas fiscais teriam voltado a chamar a atenção,
preocupação que estava amortecida pelo sedativo da valorização do real, grande
assunto econômico e até político deste ano.
Há outros riscos: dados de economia ainda
aquecida, que os juros não
caiam como o previsto nos EUA; mais remoto, de que algum acidente
diminua o influxo de curto prazo de dólares que ora compensa o déficit externo
(que não está sendo coberto pelo investimento direto, "produtivo",
estrangeiro). Enfim, final de ano é, de costume, de estresse maior no mercado
de câmbio e,
pois, de juros.
Parece por ora exagero. Mas essa visão se
disseminou pela praça. O bode ou o rinoceronte da eleição, filho da recuperação
de Lula com rolo fiscal, botou a cabeça na sala.
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