domingo, 5 de outubro de 2025

Mudança do mercado de trabalho. Por Samuel Pessôa

Folha de S. Paulo

Economia brasileira consegue operar sem pressionar a inflação com uma taxa de desemprego bem menor que no passado

No entanto, ainda temos sinais claros de excesso de demanda no mercado de trabalho e na atividade em geral

A Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar Contínua, a Pnad-C, conduzida mensalmente pelo IBGE, indica que a taxa de desemprego no trimestre terminado em agosto foi de 5,6%. Trata-se da menor taxa de desemprego desde o início da pesquisa, em 2012, e, segundo a série retropolada do FGV Ibre, a menor desde 1996.

É verdade que há vários sinais de que a economia opera a plena carga: a inflação está acima da meta, a inflação de serviços está acima da inflação de bens e, apesar de termos receita de exportação de petróleo de US$ 30 bilhões, o déficit de transações correntes está em US$ 76 bilhões, ou 3,5% do PIB.

Ou seja, a taxa de desemprego de 5,6% é inferior à taxa que mantém a inflação estável, e que os economistas chamam de taxa neutra. De fato, no último relatório de política monetária, divulgado há duas semanas, o Banco Central reconheceu esse fato e elevou o valor do excesso de demanda sobre a oferta da economia, o hiato de recursos, em 0,2 ponto percentual, para 0,7%.

Segundo o BC, "houve ligeira elevação da estimativa do hiato para o segundo trimestre em comparação com o valor de 0,5% informado no Relatório de Política Monetária de junho de 2025, por conta dos dados mais recentes do mercado de trabalho, que vieram mais fortes do que se antecipava".

Há uns 15 anos a taxa neutra de desemprego situava-se ao redor de 10%. Ou seja, deveríamos ter um hiato no mercado de trabalho de 4,4 pontos percentuais (10-5,6), aproximadamente. Com um hiato tão grande, a inflação de serviços deveria caminhar rapidamente para 10% ao ano.

Não é o que temos visto. Ela tem rodado em torno de 6%, com uma tendência muito suave de aceleração em 12 meses. Ou seja, a nova taxa neutra de desemprego deve ser bem menor do que os 10% de 15 anos atrás.

Meu colega do FGV Ibre, Bráulio Borges, calcula que a taxa neutra de desemprego no Brasil é hoje de 7,5%, uma queda de 2,5 pontos percentuais. Ou seja, o hiato positivo no mercado de trabalho é da ordem de 1,9 ponto percentual, o que explica a pressão sobre a inflação de serviços ser hoje menor do que ocorreu em 2013 e 2014, por exemplo.

Três fatores justificam a queda da taxa neutra. Primeiro, a reforma trabalhista de Temer. Mesmo tendo sido em parte revertida, com a decisão de que afasta a cobrança das custas processuais dos trabalhadores pobres, aumentou as possibilidades contratuais e gerou maior flexibilidade.

Segundo, nas últimas duas décadas a população em idade de trabalhar envelheceu e elevou a sua escolaridade média. O desemprego é maior nos jovens e nas baixas escolaridades. A mudança demográfica e educacional deve ter reduzido em 1 ponto percentual a taxa de desemprego neutra.

Terceiro, o progresso tecnológico gerou novas ocupações –como motorista de Uber, entregador de refeições, além de técnico de informática, entre outras– que se ajustam melhor à oferta de trabalhadores na população brasileira.

É uma ótima notícia que a economia brasileira consegue operar sem pressionar a inflação com uma taxa de desemprego significativamente menor do que década e meia atrás. No entanto, ainda temos sinais claros de excesso de demanda no mercado de trabalho e, como vimos, na economia em geral.

Para que haja o início de um ciclo de queda da taxa de juros será necessário o BC ter mais claro a desaceleração da atividade econômica. O cenário que se avizinha é de pouso suave com o crescimento caindo para 2% em 2025 e 1,5% em 2026, após os 3,4% de 2024, e o desemprego caminhando em direção à taxa neutra.

 

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