Folha de S. Paulo
Economia brasileira consegue operar sem
pressionar a inflação com uma taxa de desemprego bem menor que no passado
No entanto, ainda temos sinais claros de
excesso de demanda no mercado de trabalho e na atividade em geral
A Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar
Contínua, a Pnad-C, conduzida mensalmente pelo IBGE, indica que
a taxa
de desemprego no trimestre terminado em agosto foi de 5,6%. Trata-se da
menor taxa de desemprego desde
o início da pesquisa, em 2012, e, segundo a série retropolada do FGV Ibre, a
menor desde 1996.
É verdade que há vários sinais de que a economia opera a plena carga: a inflação está acima da meta, a inflação de serviços está acima da inflação de bens e, apesar de termos receita de exportação de petróleo de US$ 30 bilhões, o déficit de transações correntes está em US$ 76 bilhões, ou 3,5% do PIB.
Ou seja, a taxa de desemprego de 5,6% é
inferior à taxa que mantém a inflação estável, e que os economistas chamam de
taxa neutra. De fato, no
último relatório de política monetária, divulgado há duas semanas, o Banco Central reconheceu
esse fato e elevou o valor do excesso de demanda sobre a oferta da economia, o
hiato de recursos, em 0,2 ponto percentual, para 0,7%.
Segundo o BC, "houve ligeira elevação da
estimativa do hiato para o segundo trimestre em comparação com o valor de 0,5%
informado no Relatório de Política Monetária de junho de 2025, por conta dos
dados mais recentes do mercado
de trabalho, que vieram mais fortes do que se antecipava".
Há uns 15 anos a taxa neutra de desemprego
situava-se ao redor de 10%. Ou seja, deveríamos ter um hiato no mercado de
trabalho de 4,4 pontos percentuais (10-5,6), aproximadamente. Com um hiato tão
grande, a inflação de serviços deveria caminhar rapidamente para 10% ao ano.
Não é o que temos visto. Ela
tem rodado em torno de 6%, com uma tendência muito suave de aceleração em
12 meses. Ou seja, a nova taxa neutra de desemprego deve ser bem menor do que
os 10% de 15 anos atrás.
Meu colega do FGV Ibre, Bráulio Borges,
calcula que a taxa neutra de desemprego no Brasil é hoje de 7,5%, uma queda de
2,5 pontos percentuais. Ou seja, o hiato positivo no mercado de trabalho é da
ordem de 1,9 ponto percentual, o que explica a pressão sobre a inflação de serviços
ser hoje menor do que ocorreu em 2013 e 2014, por exemplo.
Três fatores justificam a queda da taxa
neutra. Primeiro, a reforma
trabalhista de Temer. Mesmo tendo sido em parte revertida, com a
decisão de que afasta a cobrança das custas processuais dos trabalhadores
pobres, aumentou as possibilidades contratuais e gerou maior flexibilidade.
Segundo, nas últimas duas décadas a população
em idade de trabalhar envelheceu e elevou a sua escolaridade média. O
desemprego é maior nos jovens e nas baixas escolaridades. A mudança demográfica
e educacional deve ter reduzido em 1 ponto percentual a taxa de desemprego
neutra.
Terceiro, o progresso tecnológico gerou novas
ocupações –como motorista de Uber, entregador de refeições, além de técnico de
informática, entre outras– que se ajustam melhor à oferta de trabalhadores na
população brasileira.
É uma ótima notícia que a economia brasileira
consegue operar sem pressionar a inflação com uma taxa de desemprego
significativamente menor do que década e meia atrás. No entanto, ainda temos
sinais claros de excesso de demanda no mercado de trabalho e, como vimos, na
economia em geral.
Para que haja o início de um ciclo de queda
da taxa de juros será
necessário o BC ter mais claro a desaceleração da atividade econômica. O
cenário que se avizinha é de pouso suave com o crescimento caindo para 2% em
2025 e 1,5% em 2026, após os 3,4% de 2024, e o desemprego caminhando em direção
à taxa neutra.
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