Folha de S. Paulo
Fala condenável do primeiro-ministro da
Alemanha reflete uma visão neocolonial
Forma europeia de hierarquizar o mundo mostra
que pouco se aprendeu sobre justiça climática
Entre Belém e Berlim, não há comparação. Apenas o governo sediado em uma delas definiu que possui um problema de "paisagem urbana" (lido como referência xenófoba a imigrantes); apenas uma delas decidiu retomar a venda de armas a Israel na última segunda-feira (17); apenas uma delas reprime de forma violenta protestos pró-Palestina; e apenas o governo sediado em uma delas cometeu um genocídio na Namíbia, pelo qual deve bilhões de euros. Spoiler: não é Belém, no Pará.
As duas cidades, Berlim e Belém, são
interessantíssimas, cada uma a sua maneira. A fala condenável do primeiro-ministro da Alemanha,
sobre estar feliz em retornar ao país "especialmente daquele lugar onde
estávamos", no entanto, reflete uma visão neocolonial segundo a qual os
problemas do mundo são resolvidos com a benevolência iluminista do Velho
Continente, paga com alguns milhões de
euros empacotados em lições de moral.
A forma tipicamente europeia de hierarquizar
o mundo (aqui basta ler Fanon e Mbembe) revela o quão pouco pode se ter
aprendido sobre justiça climática na amazônia. Quem mais sofre com a crise
climática é muitas vezes deixado do lado de fora da negociação. Importa lembrar
que a COP30 pode
fazer história ao mencionar de forma inédita o termo afrodescendentes no
primeiro pacote de definições na negociação paralela do encontro. Seria um
avanço mais importante do que picuinhas entre duas cidades maravilhosas.
Intitulado "A Raça e o Gênero da Justiça Climática", o estudo do
nosso Centro de Pesquisa de Justiça Racial e Direito da FGV, junto com a ONG
Geledés, revelou que entre os 115 documentos internacionais na agenda de clima
e direitos humanos, menos de um quarto menciona afrodescendentes —e 95,6%
dessas menções sem força legal.
O documento revela que predominam termos
genéricos, como "comunidades vulneráveis", sem desagregar dados que
evidenciam injustiças climáticas. No não debate entre o salsichão e a maniçoba,
o que importa mesmo é quem vai arcar com a justiça climática.

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