quinta-feira, 20 de novembro de 2025

Entre Belém e Berlim, por Thiago Amparo

Folha de S. Paulo

Fala condenável do primeiro-ministro da Alemanha reflete uma visão neocolonial

Forma europeia de hierarquizar o mundo mostra que pouco se aprendeu sobre justiça climática

Entre Belém e Berlim, não há comparação. Apenas o governo sediado em uma delas definiu que possui um problema de "paisagem urbana" (lido como referência xenófoba a imigrantes); apenas uma delas decidiu retomar a venda de armas a Israel na última segunda-feira (17); apenas uma delas reprime de forma violenta protestos pró-Palestina; e apenas o governo sediado em uma delas cometeu um genocídio na Namíbia, pelo qual deve bilhões de euros. Spoiler: não é Belém, no Pará.

As duas cidades, Berlim e Belém, são interessantíssimas, cada uma a sua maneira. A fala condenável do primeiro-ministro da Alemanha, sobre estar feliz em retornar ao país "especialmente daquele lugar onde estávamos", no entanto, reflete uma visão neocolonial segundo a qual os problemas do mundo são resolvidos com a benevolência iluminista do Velho Continente, paga com alguns milhões de euros empacotados em lições de moral.

A forma tipicamente europeia de hierarquizar o mundo (aqui basta ler Fanon e Mbembe) revela o quão pouco pode se ter aprendido sobre justiça climática na amazônia. Quem mais sofre com a crise climática é muitas vezes deixado do lado de fora da negociação. Importa lembrar que a COP30 pode fazer história ao mencionar de forma inédita o termo afrodescendentes no primeiro pacote de definições na negociação paralela do encontro. Seria um avanço mais importante do que picuinhas entre duas cidades maravilhosas.

Intitulado "A Raça e o Gênero da Justiça Climática", o estudo do nosso Centro de Pesquisa de Justiça Racial e Direito da FGV, junto com a ONG Geledés, revelou que entre os 115 documentos internacionais na agenda de clima e direitos humanos, menos de um quarto menciona afrodescendentes —e 95,6% dessas menções sem força legal.

O documento revela que predominam termos genéricos, como "comunidades vulneráveis", sem desagregar dados que evidenciam injustiças climáticas. No não debate entre o salsichão e a maniçoba, o que importa mesmo é quem vai arcar com a justiça climática.

 

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