O Globo
O fato de ele ser ex-presidente influenciará
os próximos passos. Mesmo sem qualquer previsão legal
Jair Bolsonaro deverá ser preso nos próximos
dias. A discussão agora é se a pena de 27 anos e três meses começa a ser
executada em regime fechado ou se ele continua em casa, onde cumpre prisão
cautelar num outro processo, em que seu filho Zero Três foi denunciado e se
tornou réu.
Bolsonaro não tem direito a qualquer regalia por ter sido presidente. A lei não prevê isso. Ao contrário, prega que todos os brasileiros são iguais. Mas ele terá eventual direito a domiciliar se, e apenas se, ficarem comprovadas questões humanitárias, como as de saúde. Embora seja uma previsão ignorada para a maioria, ela se faz valer quando o preso tem recursos. Deveria valer para todos, mas o fato de ser aplicada a figurões não a torna ilegal. Ilegal é receber o benefício só porque ocupou o mais alto cargo da República.
Os advogados de Bolsonaro terão de provar que
ele se encaixa na previsão legal da domiciliar em razão das complicações
pós-facada e que elas o impedem de cumprir a pena até em cela especial —
prevista para autoridades, mas, segundo o artigo 295 do Código de Processo
Penal (CPP), apenas para prisão “antes da condenação definitiva”.
Na semana que vem, a defesa deverá se
antecipar ao ministro relator, Alexandre de Moraes, e apresentar os argumentos,
junto ou até mesmo antes do ingresso dos últimos recursos, os embargos
infringentes. Os advogados querem evitar o caminho adotado pela defesa de
Collor, que aguardou um último recurso antes de pedir a domiciliar. A espera se
mostrou ruim. Moraes foi mais ligeiro. Negou o recurso e, numa mesma canetada,
determinou o trânsito em julgado e o recolhimento de Collor, que ficou preso
seis dias em ala especial de um presídio em Alagoas. Dias depois, Moraes acatou
o pedido de prisão domiciliar da defesa alegando que Collor sofria de
Parkinson, transtorno bipolar e apneia.
— A compatibilização entre a dignidade da
pessoa humana, o direito à saúde e a efetividade da Justiça Penal indica a
possibilidade de concessão da prisão domiciliar humanitária — afirmou na
decisão.
Com base nesse precedente, os advogados de
Bolsonaro entrarão com o pedido de domiciliar por razões humanitárias, anexando
exames e dois laudos médicos, um do cardiologista e outro do
gastroenterologista. A lógica é: se valeu para um ex-presidente, vale para o
outro.
O artigo 117 da Lei de Execuções Penais diz
que será permitido “o recolhimento do beneficiário de regime aberto em
residência particular” quando se tratar de condenado de mais de 70 anos ou
acometido de doença grave. Há dúvida se caberia para Bolsonaro. Ele não é um
“beneficiário de regime aberto”, uma vez que nem começou a cumprir a pena em
regime fechado. O artigo 318 do CPP também prevê o benefício, mas para casos de
prisão preventiva, ou para aqueles cuja condenação ainda não transitou em
julgado, caso de Bolsonaro. Restaria o princípio constitucional da dignidade
humana, apontado no caso de Collor e ignorado sistematicamente em casos de
presos menos afamados.
Bolsonaro não deve ser tratado nem pior nem
melhor que qualquer outro preso. Mas o fato de ser ex-presidente, sem dúvida,
influenciará os próximos passos. Mesmo sem qualquer previsão legal.

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