quinta-feira, 20 de novembro de 2025

Linguagem simples, por Merval Pereira

O Globo

Juridiquês” é uma maneira empolada de explicar as decisões do Judiciário e geralmente quer revelar uma sofisticação de linguagem que não passa de presunção, sem conexão com a realidade.

A busca por “linguagem simples” ganhou força com a assinatura, pelo presidente Lula, da lei que proíbe o uso da linguagem neutra na administração pública em todos os níveis, como União, estados e municípios. A regra determina que órgãos públicos sigam a norma culta, sem usar “novas formas de flexão de gênero e de número das palavras da língua portuguesa, em contrariedade às regras gramaticais consolidadas, ao Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp) e ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, promulgado pelo Decreto nº 6.583, de 29 de setembro de 2008”.

Anteriormente, também o Supremo Tribunal Federal (STF) havia lançado um plano nacional pela linguagem simples nos documentos jurídicos. A Academia Brasileira de Letras (ABL) — que, pela Lei 5.765, de 18 de dezembro de 1971, é responsável pela ortografia oficial da língua portuguesa no Brasil e pela elaboração e publicação do Volp — já havia se pronunciado no Conselho Nacional de Educação (CNE) sobre o tema, recomendando que não havia razão para adoção oficial da linguagem neutra. Segundo a ABL, a linguagem neutra é ainda incipiente e de nicho, e tal mudança seria complexa, já que alteraria a estrutura do português brasileiro.

Na mensagem lida na reunião do CNE, está definido que os documentos oficiais devem seguir as normas oficiais vigentes: “É preciso tratar o tema com cuidado para que não se cometa um erro, nem ao assumi-lo oficialmente, nem ao renegá-lo definitivamente”. A ABL recomendou atenção à continuidade do uso dessa linguagem, para ver “até que ponto ela pode se ampliar na sociedade, fora do nicho em que nasceu”. O documento concluiu dizendo que não é uma reprovação definitiva, visto que o fenômeno é recente e ainda precisa de tempo para ser avaliado. O uso do plural “todes” no discurso de posse da acadêmica Heloísa Teixeira deu margem à interpretação de que a ABL havia aderido à linguagem neutra, mas foi uma atitude pessoal dela, que quis se dirigir ao grupo LGBTQIA+ representado em sua posse.

A preocupação com a simplificação da linguagem jurídica também é tema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Na gestão do ministro Luís Roberto Barroso, já aposentado do STF, o CNJ anunciou o Pacto Nacional do Judiciário pela Linguagem Simples, que tem como meta a adoção de linguagem direta e compreensível na produção das decisões judiciais e na comunicação geral do Judiciário, “tornando a Justiça mais acessível à população e contribuindo, dessa forma, com o aprimoramento do exercício da democracia na sociedade”.

Viralizou nas redes sociais uma sessão do STF em que o ministro Nunes Marques usou palavras como “prolegômenos” ou “placitar”, termos incluídos com bom humor por Barroso numa lista de palavras incompreensíveis.

— Com muita frequência, não somos compreendidos. Boa parte das críticas ao Judiciário decorre da incompreensão sobre o que estamos decidindo. A linguagem codificada, a linguagem hermética e inacessível, acaba sendo um instrumento de poder, um instrumento de exclusão das pessoas que não possuem aquele conhecimento e, portanto, não podem participar do debate — justificou Barroso.

O que ficou conhecido com o “juridiquês” é uma maneira empolada de explicar as decisões do Judiciário e geralmente quer revelar uma sofisticação de linguagem que não passa de presunção, sem conexão com a realidade.

 

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