quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Serenidade, perseverança e excesso de cautela: Editorial | Valor Econômico

Desde setembro de 2017, o Banco Central passou a indicar que a política monetária deveria ser estimulativa, com taxa de juros real abaixo da sutil taxa de juros neutra. Coerente com esse objetivo, o Copom fez então, pela última vez, um corte de 0,75 ponto percentual, de 8,25% para 7,5%. Dezessete meses depois, na reunião de fevereiro, o Banco Central continua a prescrever a mesma política, mas apontou agora que "riscos altistas para a inflação permanecem relevantes e seguem com maior peso em seu balanço de riscos". A ata do Copom, divulgada ontem, dá pouca base para se entender quais são estes riscos.

Os mercados empurraram os juros futuros um pouco para cima logo após a reunião do Copom, na semana passada, mas esse impulso perdeu força e as apostas de que a taxa Selic começasse a se mover já em 2019 a partir do segundo semestre e fechasse o ano em 8% perderam força. A perspectiva de juros básicos a 8% foi postergada para 2020. Entre as razões para isso estão a apreciação do real diante do dólar e, principalmente, a reação muito débil da economia, mesmo com política monetária estimulativa e com a taxa Selic estacionada em seu menor nível histórico, de 6,5%, desde março de 2018.

A ata do Copom de fevereiro diz que no cenário externo "houve arrefecimento dos riscos inflacionários". Há mais dois fatores a serem considerados no balanço de riscos. O primeiro é que o atual nível de ociosidade da economia poderia levar a uma inflação abaixo do esperado. Resta então a "frustração das expectativas sobre a continuidade das reformas", que parece ser o fio condutor da conclusão de "riscos altistas". É compreensível que, com a substituição em breve da direção do Banco Central, manter a atual política é a coisa mais razoável a fazer. Resta, porém, a dúvida de se o BC, antes, não foi comedido demais no corte de juro nominal.

A redução muito forte dos juros logo após a troca de comando do banco, no governo Temer, mesmo em meio à recessão, não seria possível nem desejável diante do estado lastimável da credibilidade do BC que, na gestão de Dilma Rousseff, deixou a inflação ultrapassar 10%. Sob direção de Ilan Goldfajn, o BC reconquistou a confiança e em pouco tempo conseguiu ancoragem das expectativas, que se mantém.

Por outro lado, as expectativas de inflação e projeções da trajetória da Selic pelo mercado apresentaram sistemático viés de alta por três anos consecutivos (Ailton Braga, Valor, 6 de fevereiro), enquanto que o IPCA efetivo, de 2,95 em 2017, ficou abaixo do piso da banda. Em 2018, atingiu 3,75%, longe dos 4,5% da meta. O Copom projetou que a inflação será de 3,9% em 2019 e 4% em 2020 se a Selic se mantiver em 6,5% e o dólar a R$ 3,70. Desde que a Selic se estabilizou em 6,5% as expectativas não ultrapassaram em nenhum momento a meta. E mesmo diante do choque de preços da greve dos caminhoneiros, cuja disseminação trazia incertezas, o BC manteve a orientação de que a economia precisava de estímulo da política monetária. O BC estava certo.

Os efeitos da política monetária foram amortecidos por muitos fatores: queda na demanda por crédito, a atitude restritiva na concessão pelos bancos privados, retraimento dos bancos públicos, alto endividamento do consumidor. A política fiscal foi contracionista e, de 2015 a 2018 os gastos públicos encolheram 0,3% no período, ante a média de avanço de 6,3% de 1997 a 2014 (Braga).

Havia espaço para novos cortes. Desde 1980 não houve recuperação tão lenta e um dos efeitos é que a média dos núcleos de inflação há dois anos estão abaixo do piso da meta, algo inédito desde a criação do sistema (Braulio Borges e Gilberto Borça Jr, Valor, 16 de janeiro). Nos últimos dois anos, assim, parece ter prevalecido o primeiro dos fatores no balanço de risco, o de trajetória da inflação abaixo da prevista. Nada garante que será igual (ou diferente) no futuro.

O risco de frustração das reformas é real, e o risco maior é o de reformas com menor potência do que a necessária. Se o governo não obtiver no Congresso meios de reduzir o déficit fiscal, a inflação tenderá a subir, em um ambiente propício a que o faça persistentemente. À medida que se aproxima o prazo do primeiro e grande teste - a votação da reforma da previdência, o BC tornou-se bem mais cauteloso. O fato é que já houve revisão para baixo nas previsões para o PIB de 2019 e que a aceleração no ritmo das atividades não parece perto no horizonte, nem ameaçadora, considerando-se o hiato do produto estimado (entre 3% e 6%, dependendo do analista), folga que permite crescimento acima do potencial sem pressão inflacionária.

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